Jornal Correio Braziliense

Cidades

Festas ilegais atordoam moradores do Lago Sul

Comunidade se mobiliza para garantir o direito ao sossego em uma das regiões mais caras do DF

Um metro quadrado no Lago Sul pode custar entre R$ 2.916 e R$ 4.956 mil ; o terceiro mais caro do Distrito Federal, segundo o Boletim de Conjuntura Imobiliária da Capital Federal elaborado pela Consultoria Econômica do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (Econsult). Para muita gente, os valores significam a compra de qualidade de vida, espaço e sossego, já que o local é um dos mais nobres e seguros do DF. Mas o cair da noite pode significar que a paz e a tranquilidade do dia sejam substituídos por música alta até a manhã do dia seguinte, sujeira, consumo de drogas e conjuntos lotados de carros devido às chamadas private houses, festas comerciais ; que cobram entrada e o consumo ; realizadas em pleno setor residencial.

A situação chegou a tal ponto que residentes de quadras onde o problema é endêmico organizaram um abaixo-assinado que cobra das autoridades providências para devolver a paz aos conjuntos, sobretudo à noite. Segundo a apuração dos moradores, geralmente as festas são realizadas em casas desocupadas, alugadas exclusivamente para o evento. Para burlar a fiscalização(1), os organizadores divulgam a festa como uma comemoração particular e não há cobrança de ingresso. Beber e comer, entretanto, só é possível mediante pagamento.

A promotora de Justiça do Fórum do Paranoá Maria Lúcia Morais comprou a briga porque ela mesma se viu refém do que chamou de ;caos;. Moradora da QI 28, ela começou a ter as noites de sono interrompidas devido à movimentação. Em 7 e 21 de maio, ;festas de arromba; causaram a indignação dos moradores do conjunto onde o evento ocorreu e também nas imediações. Segundo Maria Lúcia, a estrutura montada é a mesma de grandes eventos: palco de alumínio, potente sistema de som, banheiros químicos, montagem de bares e bilheteria. Pelas contas dela, mais de 2 mil pessoas estiveram nas festas. ;Para driblar a fiscalização, eles fazem a divulgação em redes sociais e só revelam o endereço em cima da hora. Aí, os responsáveis distribuem as famosas pulseiras que garantem a entrada;, explica.

Ofício
O jeito que ela e os moradores dos conjuntos encontraram de dar um basta foi protocolar uma reclamação na Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público do DF e Territórios (Prourb), com fotos e provas dos fins comerciais das festas. O documento afirma que, entre 22h e 8h do dia seguinte à festa, ;a algazarra é total: som em altura insuportável, pessoas gritando, urinando, defecando e vomitando nas ruas, fazendo sexo dentro dos carros (;), brigando entre si, estacionando seus veículos em frente às saídas de garagem etc.;.

Segundo ela, os convidados saem dirigindo sob efeito de bebida alcoólica e há fortes indícios de venda e consumo de drogas. João Luiz Batelli, morador da mesma rua, presenciou agressões: ;Vimos uma garota ser espancada por rapazes e forçada a entrar em um carro. Era o caos completo;. Para a promotora, a situação extrapolou a perturbação da tranquilidade e se tornou uma questão de segurança pública. ;Enviamos o documento a delegacias e à Administração Regional e estamos trabalhando para resolver a situação, pelo menos emergencialmente;, afirma.

Em outro conjunto da QI 28, a organização de uma festa chegou ao cúmulo de bloquear o acesso à rua com cones sob a supervisão de seguranças. Cristina Bezerra, 64 anos, conta que uma de suas filhas foi impedida de entrar na rua quando voltava do trabalho, por volta de 21h. ;Os seguranças exigiram que ela se identificasse e provasse que era moradora para que a passagem fosse liberada. Ela teve que brigar e discutir para poder passar. Acho que fazem isso porque têm respaldo da fiscalização;, critica.

Na QI 11, a situação é semelhante. O abaixo-assinado iniciado na quadra que será enviado à Administração do Lago Sul já tem mais de duas mil assinaturas. ;É uma chateação. Quando chega a noite, você não tem como estacionar. O som é tão alto que atrapalha a quadra inteira;, reclama a publicitária Shirli Borges, 42 anos. Para ela, há quatro anos a situação tem piorado, por isso assinou a petição.

Empresários
A iniciativa é apoiada por empresários do setor de lazer que se sentem prejudicados pelas festas clandestinas. Felipe Leão e Marco Aurélio Silva são donos de boates no Lago Sul e reclamam da falta de fiscalização. ;Esses eventos são ilegais, não têm alvará ou preocupação com segurança. Estão livres de todas as regras às quais nós, que pagamos os impostos e somos inspecionados, estamos submetidos. É complicado;, reclama Leão. Marco Aurélio afirma que as festas irregulares são prejudiciais tanto para a comunidade quanto para o Estado. ;Gero 60 empregos diretos e 150 indiretos. Pago os direitos autorais das músicas, pago os impostos, tenho um custo fixo. Eles não. A concorrência é desleal;, arremata. Os empresários pedem ação por parte da Agência de Fiscalização (Agefis) e da Administração de Brasília. ;Acho que falta interesse, tem sempre alguma desculpa. Talvez com essa mobilização, alguma coisa mude;, espera Leão.

A Administração Regional do Lago Sul afirma que em nenhum caso libera alvará para eventos comerciais em área residencial e alega que a população não costuma fazer denúncias antes ou depois do evento, por isso a dificuldade em executar a inspeção. Em setembro, constam dos registros da ouvidoria apenas duas reclamações.

1 - Responsabilidade
A Lei Distrital n; 4457/09 proíbe a realização de festas que cobrem ingressos e vendam bebidas alcoólicas em áreas residenciais. Cabe à Agefis a tarefa de fiscalizar de ocorrências dessa natureza, que são, geralmente, descobertas por denúncias de vizinhos. Segundo a Agefis, neste ano, já foram realizadas 21 ações em festas noturnas. Com o flagrante, o responsável é autuado e o evento é interditado. Após a interdição, o autor é conduzido à delegacia para os trâmites legais. A fiscalização de poluição sonora e ambiental é atribuição do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), mas o órgão sofre com a falta de agentes e de equipamentos requeridos para comprovar as infrações.