postado em 23/09/2010 07:53
Já saturado no que diz respeito ao número de estabelecimentos, o mercado de clínicas veterinárias do Distrito Federal precisa reinventar-se a fim de captar os clientes de alto poder aquisitivo da capital federal e equiparar-se a capitais que são referência no segmento, como São Paulo e Rio de Janeiro. Para se ter uma ideia do potencial da praça do DF, com 1.067 clínicas abertas, ela movimenta de R$ 384 milhões a R$ 1,53 bilhão anuais, segundo estimativa do Conselho Regional de Medicina Veterinária do DF (CRMV-DF). Entretanto, menos de 10 clínicas contam com veterinários especializados no trato de uma espécie de bichinhos ou em ramos como oncologia, odontologia, oftalmologia, ortopedia e neurocirurgia, originários da medicina tradicional e que começam a ganhar espaço no cuidado com animais em outras cidades.Em razão da oferta em excesso de serviços que só suprem necessidades básicas ; banho, tosa, exame clínico geral ; é comum estabelecimentos não sobreviverem por muito tempo no DF. Em 2008, para 136 clínicas que solicitaram registro ao CRMV-DF, houve 53 ; 38,9% ; que cancelaram sua inscrição. Em 2009, de 100 lugares que solicitaram autorização para funcionar, 42 fecharam. Este ano, o Conselho recebeu 78 novos pedidos de autorização para abertura de novas clínicas veterinárias, mas 34, ou seja, 70% do total, pediram cancelamento de seus registros.
Além da lacuna da falta de especialização e diferencial, o CRMV-DF detectou que os donos das clínicas locais têm dificuldade em atuar como gestores de seus negócios. Por isso, uniu-se à Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais no DF (Anclivepa-DF) para firmar parceria com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Distrito Federal (Sebrae-DF), que, há cerca três meses, vem ofertando cursos específicos para profissionais da veterinária.
Exceções
Uma exceção à regra, a empresa Casa do Gato, que a veterinária Giovanna Adorni Mazzotti toca ao lado do sócio-gerente, o também veterinário Humberto Martins, prima por ir além do que é usual. Aberta há três anos, a clínica proíbe a entrada de cães e de qualquer outro animal que não os felinos. Com isso, conseguiu ter uma clientela cativa, a dos donos de gatos que têm dificuldade em encontrar profissionais conhecedores dos hábitos peculiares aos bichos. Além da casa, só existe mais um estabelecimento semelhante no DF.
De acordo com Humberto Martins, os gatos são animais muito diferentes dos cães.. ;O gato reage melhor se for atendido com hora marcada, pois fica facilmente estressado. Se for retirado do seu ambiente e tiver que esperar em meio a barulho, ele sofre;, explica o profissional, pós-graduado em medicina felina. Ele explica ainda que a clínica só para os felinos contribui para diminuir a tensão dos bichinhos por não ter cheiro de cão. ;Gatos também são mais independentes do que cachorros e menos obedientes;, acrescenta.
Segundo Martins, o lugar, na 105 Norte, oferece ao cliente todas as especialidades médicas imagináveis ; até acupuntura. ;Quando não temos o especialista em nosso quadro de funcionários, contratamos alguém por fora e ele comparece no dia e no horário agendados, ou encaminhamos para outro local;, conta. Banho e tosa não podem ser encontrados na Casa do Gato, que prefere focar na medicina. O veterinário frisa que não vê problema em enviar os clientes para outros estabelecimentos a fim de terem acesso a esses e outros serviços. ;Se você atua em uma área específica com competência, volta a ser procurado. Já vi muitos clínicos gerais do DF só encaminharem animais para nós quando o problema está muito grave e eles já não sabem o que fazer;, relata.
A comerciante Fernanda Gontijo, 36 anos, que ontem levou os gatos Jujuba e Caramelo para tomarem vacina e fazerem limpeza dos dentes, trata todas as questões relativas à saúde dos animais na clínica especializada. ;Eles foram pioneiros nesse trabalho em Brasília;, elogia.
Logo ao lado da Casa do Gato, a clínica Doctor Vet, que abriu há quatro anos, também não tem banho nem tosa. Investe pesado em excelência médica, tanto que quem vê a lista de serviços na porta do estabelecimento pode acreditar estar diante de um hospital: clínica cirúrgica, oftalmologia, odontologia, ortopedia e neurocirurgia são as especialidades oferecidas.
;A gente não faz nem procedimentos de saúde básicos, como vacinação e vermifugação. A receptividade do público tem sido muito boa. Acredito que especializar-se é uma tendência e que o mercado veterinário do DF vai passar por uma mudança, embora continuando com alguns estabelecimentos tradicionais;, comenta a veterinária Martha Teixeira da Rocha, oncologista da clínica.
Insegurança jurídica
Além de não ter desenvolvido em todo o seu potencial, o mercado veterinário do Distrito Federal está debaixo de insegurança jurídica. Um total de 400 clínicas das 1.067 existentes corre o risco de fechar desde que uma decisão da Justiça suspendeu alvarás transitórios de estabelecimentos comerciais, os chamados alvarás precários. As clinicas veterinárias são um pequeno universo dentro do total de 11 mil lojas atingidas pela situação. O Governo do DF entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal para tentar reverter a situação.
Faltam ações inovadoras
Para Betânia Almeida, analista do Sebrae-DF e responsável pelos cursos de gestão e administração para veterinários no Distrito Federal, o mercado local está em fase de amadurecimento. ;Os profissionais têm um conhecimento técnico muito bom na sua área de formação. Mas é um mercado desorganizado, falta visão empreendedora. Há muito espaço para clínicas com especializações;, acredita.
De acordo com ela, a oferta ainda incipiente de serviços diferenciados em Brasília é reflexo das exigências do mercado consumidor e de experiências trazidas de outros mercados que são referência, notadamente as capitais do Sudeste. ;Não dá para enganar o cliente, ainda mais um tão bem informado quanto o do DF. As pessoas viajam, veem na internet que existe tal serviço, a tal preço, e querem saber por que não têm na cidade delas;, sentencia. Betânia explica que cursos semelhantes aos disponibilizados às empresas veterinárias locais estão sendo ministrados pelo Sebrae em Goiânia (GO), Maceió (AL) e Fortaleza (CE).
Simone Bandeira, vice-presidente da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais no DF (Anclivepa-DF) e ex-integrante do Conselho de Medicina Veterinária do Distrito Federal (CRMV-DF), corrobora as palavras da analista. ;As pessoas exigem serviços melhores, querem pagar, e não conseguem. Inúmeros estabelecimentos do DF estão funcionando há 10, 20 anos com o mesmo número de funcionários, mesmo faturamento e serviços. Poderiam explorar esses negócios de forma mais efetiva;, acredita. Na visão dela, a filiação de apenas 200 dos 1.540 médicos veterinários existentes no Distrito Federal à Anclivepa, sua entidade de classe, denuncia desinteresse por novidades e reciclagens.