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Faxineira dá reviravolta na vida após sofrer com obesidade e depressão

Há quatro anos, a faxineira deu uma reviravolta na vida. Obesa, enfrentando uma depressão que a levou a tomar remédios, ela resolveu caminhar, como alívio para a alma. Tempos depois, corria. Hoje, participa de maratona fora de Brasília, coleciona medalhas e sonha com a corrida de Nova York. Isso aos 58 anos

postado em 26/09/2010 09:02

Correr tornou-se, mais que um hábito, a porta de entrada de Nasaré em uma vida com mais qualidade. Ela sabe que tem capacidade e vai levar adiante seu projeto até longeEla foi talhada na aspereza da roça, debaixo de muito sol e quase nenhuma chuva. No sertão do Ceará, a menina frágil aprendeu a ser forte. Filha de Raimundo e Raimunda, Maria Nasaré (com ;s; mesmo) Nunes Ferreira era mais uma entre os 13 irmãos. Desde cedo, com 6 anos, capinava, plantava e colhia algodão. A escola foi a enxada. Tudo era muito difícil. Nada sobrava. E sobreviver era o desafio diário. Mas a menina se empinou. Suportou o sol e o trabalho incessante.

E um dia ela foi embora daquele lugar. Um irmão mais velho morava na terra onde os empregos eram melhores. Ela deixou Ipaporanga e pegou a estrada. Deixou Francisco, o namorado, lhe jurou amor eterno e partiu. Era 1973. Ela contava 20 anos. Queria trabalhar A imagem da formatura no curso primário: início da libertaçãopara ajudar ainda mais a família. A moça da roça desembarcou em Brasília. Agora não mais carregando a enxada, ela foi servir as cozinhas alheias. Trabalhou como nunca.

Dois anos depois, Francisco veio atrás da moça da roça. Casaram-se. Lá roceiro, aqui operário na terra de JK. Foram morar no Gama, onde nasceram os seis filhos. A família estava completa: Marco, Marluce, Marli, Márcio, Márcia e Fabiana. Há mais de 20 anos, mudaram-se para Taguatinga Norte, onde vivem numa casa até hoje inacabada.

Desde que chegou a Brasília, Maria Nasaré pelejou nas cozinhas de madames. Francisco, na construção civil. Um dia, ela cansou do trabalho de doméstica. ;Um amigo me disse que uma firma tava fichando gente pra No peito, as medalhas se acumulam. Mas ela quer maistrabalhar na limpeza de um órgão público.; No dia seguinte, Nasaré estava lá. A mulher que não sabia assinar o próprio nome foi aceita. Começou numa empresa que prestava serviço para o Itamaraty. Ficou ali por longos 20 anos.

Limpou andares inteiros. Quando chegava em casa, ainda ia preparar a comida da família numerosa. Nunca reclamou. Nunca faltou. Mas, um dia, a fortaleza foi vencida pelo choro. A bebida do marido a levou a um estado de melancolia profundo. A menina talhada na roça, pela primeira vez, fraquejou. Veio uma tristeza infinda. Ela só chorava. E comia, para compensar a angústia. Comia e engordava.

Com 1,49m, chegou à casa dos 100kg. ;Nem subia mais na balança, de tanta tristeza;, lembra. ;Pensei que nunca mais fosse parar de chorar;, conta. Um dia, alguém do trabalho lhe disse para procurar ajuda com um psicólogo. Nasaré aceitou. Com uma profissional de um centro que atende gratuitamente, ela chorou suas dores e seus medos.

A psicóloga a aconselhou que caminhasse, isso também poderia ser uma terapia. ;Comecei a andar. Isso me fez um bem imediato;, conta. ;Aos poucos fui me libertando dos remédios.; Nasaré procurou uma nutricionista, que lhe recomendou dieta rigorosa. Foram seis meses de caminhada. ;Até no fim de semana;, conta. Ela passou a se olhar como nunca. Também pela primeira vez, pensou nela. As lágrimas, aos poucos, foram substituídas pela esperança.

No Ministério da Saúde, para onde foi cedida há 14 anos, soube que, no fim do expediente, começaria uma turma para alfabetizar gente que não conhecia as letras. As aulas seriam no anexo do próprio ministério. Nasaré se matriculou. Era 2005. ;Fiquei muito tempo só na alfabetização;, lembra. Nunca desistiu. Encantou-se com as letras. E chorou ao rabiscar o nome numa folha de papel. Sentiu-se parte de alguma coisa.

Em 2006, veio a formatura do curso primário. A foto, emoldurada, enfeita a parede ainda no reboco da sala da casa humilde de Taguatinga. É um dos maiores orgulhos de sua vida. Em 2007, concluiu o segundo grau pelo supletivo.

Campeã
A essa altura, a caminhada virara hábito sagrado. ;Comecei com 30 minutos, depois uma hora. No fim de semana, chegava a andar até duas horas. Alternava com corrida também.; A perda de peso foi gradual. Ainda em 2006, contaram a Nasaré que haveria uma corrida de 10km, com largada no Eixão Norte. Era 13 de agosto. Lá estava ela, no meio daquela gente. ;Fui a última a chegar. Gastei uma hora e meia, mas aquilo foi ótimo, me senti uma vencedora, uma guerreira. Senti que tava viva ali.;

Vieram outras corridas. Outros últimos lugares. Pouco a pouco, ela foi melhorando a marca. Já não chegava tão atrás. Deixou de ser sempre a última. Correr para Nasaré era como respirar. Quatro anos se passaram. Sem técnico, sem ajuda de um profissional, apenas com orientação de uma nutricionista e a certeza dita por um cardiologista que podia correr, a faxineira do Ministério da Saúde se superou. Passou a colecionar medalhas e troféus.

Perdeu mais de 30kg. E correu como nunca. Em 2008, esteve em São Paulo, para correr os 15km da São Silvestre. ;Fiz em duas horas, 18 minutos e 29 segundos. Fiquei em 113; lugar no feminino.; Boa colocação, afinal, eram mais de 20 mil pessoas competindo. Em 2009 e 2010, foi para o Rio de Janeiro, participar da meia maratona. Ainda em 2009, viajou para Belo Horizonte, para a meia da Pampulha.

O detalhe comovente desta história é que todas as viagens que Nasaré fez foram patrocinadas pelos colegas do Ministério da Saúde, que se cotizam na compra dos tênis e nas despesas com passagem, hospedagem e alimentação. É uma verdadeira corrente de solidariedade. Mais: tem gente ali que passou a correr depois que viu o exemplo da auxiliar de serviços gerais.

O garçom Anderson Lopes, 26 anos, é um deles. ;Comecei a correr com ela. Comprei um tênis e fui. Ela é sensacional, virou nosso exemplo.; E explica a campanha. ;Sempre que ela vai participar de uma corrida, a gente faz um cofrinho e todos, do mais simples ao mais graduado funcionário, participam.; Guilherme Campos, 25, agente administrativo, elogia a atleta: ;A força de vontade que ela tem faz bem a todos nós. Muita gente se inspira nela;.

Orgulho
Quando volta das viagens, Nasaré leva as medalhas para os colegas do trabalho. É sua maior conquista. Conta detalhes e sonha com novos dias. ;Quando ela vai participar de uma meia maratona, a gente fica ligado na tevê, só pra ver ela passar. É uma vibração;, empolga-se Anderson.

Em casa, a torcida também é grande. Marido, os seis filhos e os oito netos viraram tietes. Francisco parou de beber. Ainda operário, emenda uma obra na outra. Hoje, aplaude a mulher. Assiste às competições. Paulo Vitor, o neto de 10 anos, e Gabriel, 8, seguem as pisadas da avó. Viraram especialistas em corrida. ;Quero ser como ela;, diz o mais novo.

Fabiana, a filha de 27 anos, se emociona: ;Ela é uma vitoriosa. Virou outra mulher, mais alegre, mais feliz;. Márcia, 29, outra filha, entrega: ;Uma vez, tentei correr com ela e fiquei uma semana deitada. Não dou conta;. Amanhã, das 11h ao meio-dia, ela estará correndo na Esplanada. ;Tiro minha hora do almoço e treino. Isso me dá mais disposição pra trabalhar.;

E afinal, o que ainda quer essa mulher de 58 anos? Olhando suas mais de 200 medalhas, ela planeja: ;Meu sonho é ir para Nova York, correr a maratona de 42km. Também tô estudando pra concurso público. Já fiz dois e não passei. Mas vou conseguir;. Nada é impossível para a mulher que, talhada na roça, mudou a trajetória da sua vida, quando nada mais parecia dar certo. ;Hoje, eu tenho vontade de viver. E descobri que todos os problemas têm solução, basta a pessoa ter determinação.;

Com lágrimas de verdade, na casa inacabada em Taguatinga Norte, ela faz uma reflexão: ;Se eu não tivesse encontrado a corrida, acho que já estaria morta. Era difícil demais pra mim suportar tudo aquilo. Correr me salvou;. Dá gosto escutar Maria Nasaré falar da vida. Ouvir gente de verdade ainda é um alento. Em época de descrença, faz um bem danado à alma.

Fui a última a chegar (na primeira corrida, em 2006). Gastei uma hora e meia, mas aquilo foi ótimo, me senti uma vencedora, uma guerreira. Senti que tava viva ali
Maria Nasaré, faxineira e atleta.

Com os netos, que têm orgulho dela: exemplo melhor não há


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