postado em 27/09/2010 07:55
O Distrito Federal ocupa o quarto lugar no ranking nacional de mortes de pessoas com a doença de Alzheimer. Segundo pesquisa da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e do Ministério da Saúde, entre 1999 e 2008 as mortes de pacientes que possuem a patologia cresceram cinco vezes em todo o país. No DF, esse aumento foi de 14 vezes. Apenas os estados do Maranhão, do Amazonas e do Pará ficaram à frente da capital federal. São Paulo aparece na 16; posição enquanto o Rio de Janeiro está na 21;.Apesar do que mostram os dados, especialistas destacam que o crescimento na quantidade de mortes de pessoas com Alzheimer na capital do país não deve ser tomado como algo alarmante. Isso porque parte das estatísticas se deve ao fato de a doença ter começado a ser diagnosticada apenas nos últimos anos, a partir da formação de profissionais especializados. No caso do DF, existe ainda um outro agravante: muitos pacientes de estados vizinhos buscam aqui tratamento para o Alzheimer, o que aumenta quantitativamente a população com a doença.
Entre os centros de referência no tratamento da patologia no DF, está o Hospital Universitário de Brasília (HUB). A área geriátrica da instituição atende mensalmente 400 pacientes. Desse total, dois terços apresentam a demência (leia Para saber mais). ;A primeira coisa que a população tem que entender é que ninguém morre de Alzheimer, mas, sim, com a doença. O que leva à morte dos pacientes, na maioria das vezes, são as complicações decorrentes da patologia, como pneumonia, infecções de urina e desidratações;, explica o geriatra do HUB Einstein de Camargos.
Em 2008, foram registradas no DF 73 mortes de pessoas com Alzheimer, contra apenas cinco notificações em 1999. Em todo o Brasil, 7.882 pacientes com o mal morreram em 2008. Para reduzir as estatísticas, a única alternativa é o diagnóstico precoce(1). ;O tratamento traz mais benefícios se o Alzheimer for descoberto no início. O problema, quando diagnosticado em uma fase já moderada, atrapalha qualquer tratamento. O medicamento utilizado é fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e tem o benefício de estabilizar a doença, retardando a progressão. Também contamos com o tratamento multidisciplinar, que envolve atividades para aliviar o desconforto;, explica Camargos.
Diagnóstico tardio
Porém, de acordo com a pesquisa, o brasileiro hoje demora mais de três anos para obter o correto diagnóstico da doença ; estima-se que 95% das pessoas morram nos primeiros cinco anos após as primeiras manifestações. Isso porque os sintomas típicos do Alzheimer, como a perda de memória e as dificuldades de planejamento e raciocínio, são comumente associados às características naturais do envelhecimento. ;Envelhecer não é esquecer. Uma coisa é você esquecer onde deixou a chave. Outra completamente diferente é não lembrar para que ela serve. A curva de mortes só vai parar de crescer com a cura da doença. Hoje, o maior fator de risco para o Alzheimer é a idade, e Brasília tem a maior taxa de envelhecimento do país;, considera o especialista do HUB.
Segundo estudiosos no assunto, outro problema é o fato de o serviço de saúde brasileiro, de maneira geral, não estar preparado para o diagnóstico da doença. ;Os centros universitários estão mais voltados para essa constatação, mas dentro dos grandes centros a maioria dos médicos ainda não se atenta para isso. Não temos um marcador para o Alzheimer assim como existe para o diabetes, em que fazemos um teste de glicemia. Trata-se de uma avaliação clínica que, juntada a exames, nos dá uma posição. O diagnóstico definitivo, no entanto, só pode ser feito com exame do tecido cerebral;, explica o vice-coordenador do departamento de Neurologia Cognitiva da ABN, Ivan Okamoto.
No DF, a situação se repete. De acordo com geriatra Camargos, poucos são os profissionais na capital do país que possuem conhecimento específico na área de tratamento de idosos. ;Nas unidades de terapia intensiva (UTIs) do DF e do Entorno, encontramos idosos dementes e não existem os serviços para identificar os problemas deles. Os médicos são formados sem qualquer conhecimento em geriatria. Poucas disciplinas nas faculdades ensinam isso e a maioria não é obrigatória nos currículos; explica.
Musicoterapia
Quem convive com a doença busca benefícios em tratamentos alternativos, além dos baseados em medicamentos. No HUB, pacientes com Alzheimer são tratados por meio de aulas de música, pintura, artesanato em tecido e atividades físicas. ;A família desses pacientes também recebe uma atenção especial, já que muitas têm grandes dificuldades para lidar com os doentes;, explica o geriatra do HUB Einstein de Camargos.
Na musicoterapia, canções antigas tentam resgatar sentimentos e lembranças nos pacientes. As melodias lentas prendem os olhares em pensamentos distantes. As mais agitadas trazem alegria e fazem com que alguns decidam deixar as cadeiras e cair na dança. ;O que nós fazemos é despertar uma corrente positiva na mente desses pacientes. Queremos que eles resgatem os arquivos do passado. Trabalhamos com o inconsciente deles, já que o consciente está comprometido;, explica o maestro da terceira idade Sérgio Kolodziey, responsável pela terapia.
As aulas atraem semanalmente cerca de 60 pessoas, entre pacientes e acompanhantes. ;Também tratamos essas pessoas que convivem com os doentes, e que muitas vezes precisam de mais ajuda do que eles mesmos;, explica. A paciente Lizza Maria Carvalho, 61 anos, é uma das mais animadas da turma. Dançando ao som das músicas mais agitadas, ela canta e brinca com os colegas. ;Nossa, como é bom;, resume. Há 10 anos tratando a doença, ela se lembra apenas de fatos do passado distante, mesmo assim sem muita clareza.
A também paciente Ana Maria Jatobá, 75 anos, prefere prestar atenção nas letras das músicas e cantar todas, sem tropeçar ou perder o ritmo. ;Quando saio daqui e chego em casa me sinto tão mais feliz. É inexplicável;, conta. Após o diagnóstico da doença, há 5 anos, ela apresenta uma saúde física perfeita, esbanjando simpatia e vitalidade, apesar de se esquecer dos fatos presentes em poucos momentos. ;Quando não estou cantando, venho aqui para conversar. Podia ser todo dia;, diverte-se, ao se apresentar à equipe do Correio pela terceira vez.
1 - Investimento
Nos Estados Unidos, US$ 100 bilhões são gastos anualmente com tratamentos de Alzheimer. A quantia equivale a 2,6 vezes de todo o orçamento do Ministério da Saúde para o ano de 2010 no Brasil.
PARA SABER MAIS
A doença de Alzheimer altera o funcionamento cognitivo das pessoas provocando mudanças de comportamento. Causa apatia, agitação, agressividade e delírios. Assim, a pessoa acometida pelo mal acaba progressivamente limitando suas atividades profissionais e sociais. O primeiro sintoma é a perda de memória, sobretudo de fatos recentes. Na sequência, a linguagem pode ser prejudicada. Surge a desorientação de tempo e de espaço, até chegar à fase avançada, quando o paciente tem alucinações e dificuldade para se alimentar.
"A primeira coisa que a população tem que entender é que ninguém morre de Alzheimer, mas sim, com a doença"
Einstein de Camargos, geriatra do HUB
Einstein de Camargos, geriatra do HUB
A pesquisa
Confira alguns dados:
; Apesar de 70% dos doentes com demência recém-diagnosticada terem Alzheimer leve a moderada, apenas 52% recebem a prescrição de medicação específica no primeiro atendimento.
; 66 % dos pacientes tomam antidepressivos como único tratamento na fase inicial da doença.
; Quase 80% dos pacientes que poderiam se beneficiar do uso de medicamentos por meio do SUS estão sem tratamento no país.