Cidades

No Dia do Jornaleiro vale conhecer um pouco da rotina dos donos de bancas

Alguns estão aqui desde antes de a capital ser inaugurada. Em comum, eles são responsáveis por manter, até hoje, um clima de cidade do interior nas quadras onde seus pontos comerciais estão instalados

postado em 30/09/2010 07:54
Gabriel Linhares Vasconcelos e o filho, Breno: tradição da banca da 316 Sul é orgulho de toda a famíliaA banca de jornal guarda o recado do José para a Maria, avisando que ele vai se atrasar para o jantar de hoje. Tem também pendurado no mesmo quadro de avisos um bilhetinho carinhoso da empregada para a patroa, um lembrete sobre o dinheiro da passagem de ônibus que ;madame; esqueceu de deixar. Os pais deixam a chave de casa (e até a do carro) para o filho buscar na banca. Há quem peça até o dinheiro para pagar o táxi emprestado para o jornaleiro, companheiro de décadas do povo da quadra.

A rotina não é a de um só lugar. Repete-se inúmeras vezes, nos pontos mais diversos de Brasília. Hoje, Dia Nacional do Jornaleiro, o Correio preparou uma homenagem àqueles que facilitam a vida da população, levando muitas vezes à porta das casas cultura e informação. São mais de 800 bancas em área pública, em todo o DF.

Lourival Marques: banca da 108 Sul já vendeu até poeira engarrafadaDessas, 200 estão no Plano Piloto. Cidades como Taguatinga, Cruzeiro e Guará também contam com grande variedade desse tipo de comércio. ;A maioria dos donos de bancas de jornal são pioneiros de Brasília. Essa atividade nasceu antes mesmo de a cidade ficar pronta;, relatou o presidente do Sindicato dos Jornaleiros, José Maria da Cunha.

A primeira a se instalar foi a de Lourival Marques, 72 anos, na 108 Sul. Em fevereiro, a banquinha completou 50 anos em Brasília. Nasceu antes mesmo da inauguração da nova capital. Além de informação, nos anos 60 Lourival vendia laranjas e outro produto incomum: poeira engarrafada de Brasília, a 1 dólar. Os estrangeiros adoravam levar o ;mimo; para casa, dentro de um vidrinho de guardar remédio. Os moradores da 108 Sul frequentam a banca para muito mais que comprar revistas e jornais.
Francisco Peixoto, da 314 Norte:
Conveniência
O local é um minimercado e oferece opções diversificadas para os consumidores: há de álbuns de figurinhas a sorvetes, biscoitos, livros, filmes e até complementos de alimentação como a ração humana. Muitos passam por ali somente para conversar ou, em dias de futebol, também para tomar uma cerveja gelada. ;A banca faz parte da vida da quadra. As crianças aqui são como filhos para mim, eu as vi crescer;, afirmou Lourival ao Correio, à época da comemoração dos 50 anos da banca.

Outro ponto de encontro famoso no Plano Piloto é a banca da 316 Sul. O dono, Gabriel Linhares Vasconcelos, 54 anos, convive com a população há 31. ;Alguns clientes chamam a banca de Banco Socorro do Lar;, brincou. ;Tem gente que chega sem o dinheiro de pagar o táxi e pega emprestado aqui. Deixa recado para alguém, a chave do carro, troca cheque. É normal. Todo mundo se conhece;, relatou Gabriel. A banca é um negócio que, frequentemente, passa de pai para filho. Breno, 23, o filho de Gabriel, começou a ajudar o pai aos 14. Formou-se em direito, mas continua auxiliando.

Na 314 Norte, a banca de Francisco Peixoto, 53 anos, tem grande variedade de revistas, livros e salgadinhos. Ela abastece toda a região com galões de água mineral. Francisco estabelece relação de confiança com os clientes. Mantém até o famoso caderninho, onde anota o fiado. Mas só para os mais chegados. ;O objetivo aqui é sempre prestar o serviço;, explicou. A rotina dos jornaleiros não é fácil. As bancas abrem às 6h30 e muitas só fecham as portas às 22h.

"Alguns clientes chamam a banca de Banco Socorro do Lar. Tem gente que chega sem o dinheiro de pagar o táxi e pega emprestado aqui. Deixa recado para alguém, a chave do carro, troca cheque. É normal. Todo mundo se conhece;
Gabriel Linhares Vasconcelos, dono da Banca 316 Sul

O número

800
Quantidade de bancas de jornal registradas no DF

Faltam pontos na cidade

Como são pontos comerciais, as bancas precisam de alvará para funcionar. Muitas estão com a permissão vencida e lutam para renová-la. ;Bancas são pontos culturais. Têm muita integração com a comunidade, não podem ser tratadas com descaso;, defende José Maria da Cunha. ;Desde 1995, não tem licitação para banca de jornal. Há uma carência de pelo menos mais 500 no DF. Cidades como Águas Claras, São Sebastião e Recanto das Emas têm pouca ou nenhuma banca em área pública;, reclamou o presidente do sindicato da categoria.

O sindicato alega ter o direito de renovar as permissões. Os donos desse tipo de negócio são escolhidos em concorrências públicas. No ano passado, o GDF enviou à Câmara Legislativa um projeto de lei que renovaria os alvarás por mais 10 anos. As bancas em funcionamento serão recadastradas para que, após a sanção, novos termos de concessão de uso sejam emitidos. Até lá, não serão autorizadas outras instalações na capital. A lei permitirá a redução à metade do valor pago hoje pelas concessões e a transferência das propriedades.

;Enquanto isso não sai do papel, somos ameaçados por fiscais da Agência de Fiscalização (Agefis), que querem a autorização renovada, mas o governo não libera. Vamos aproveitar a data de hoje para mandar uma pauta de reivindicações ao GDF e aos candidatos. É um apelo;, desabafou José Maria. A Agefis não informou se interditou alguma banca este ano.

O sindicato foi fundado em junho de 1961. Antes disso, já existia a associação dos jornaleiros. Uma banca de jornal ; das mais recentes ; pode pagar até R$ 3 mil de taxa mensal para os cofres públicos. Cada banca gera, segundo o sindicato, entre três e quatro empregos diretos.

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