postado em 06/10/2010 08:06
Os pés de meninos e meninas que vivem na Fraternidade Assistencial Lucas Evangelista (Fale) ; abrigo de famílias inteiras de portadores de HIV ; habituaram-se a viver descalços. Pisam com intimidade, sem medo da terra ou da grama da chácara simples onde a instituição funciona, no Recanto das Emas. As solas, sujas de marrom durante a maior parte do tempo, ficaram ásperas, como a própria vida pode ser.Ali, as brincadeiras improvisadas sem carrinho ou boneca traduzem uma realidade nua, como os pés que tocam o chão. Calçados, roupas limpas e novas são luxo. A Fale vive de doações ; escassas, ultimamente. Assim, artigos básicos podem se transformar em valiosos presentes para o Dia das Crianças.
A Fale está em campanha para arrecadar chinelos. Os pares vestirão os pés das crianças e dos adolescentes que moram ali. A entidade também espera receber roupas, brinquedos e comida. São 34 famílias inteiras vivendo nas instalações. Há mais de 70 meninos e meninas à espera de um calçado. Desses, oito são bebês. As idades variam entre 1 mês e 12 anos. Adolescentes e adultos também vivem no local. Nem todos são portadores do vírus. Muitos são filhos daqueles que padecem ou já morreram por conta de complicações da doença.
Patrícia (nome fictício em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA), é HIV positivo desde os 12 anos. Tem cinco filhos. Nenhum deles contraiu a doença graças aos cuidados tomados no exame pré-natal. Ela foi uma das últimas a chegar à Fale, há dois meses. ;Meu marido também era portador e morreu em um acidente, foi atropelado. Eu trabalhava, mas não consegui manter o emprego porque não conseguiria pagar uma babá. Então mudei para cá.;
Esperança
O filho mais velho de Patrícia, Jorge, tem 7 anos. Todos os dias pergunta pelo pai. ;Papai virou uma estrelinha e olha por você lá no céu;, explica a mãe. Antes de dormir, o menino vai até o quintal e deseja boa-noite às estrelas. ;Todo ano, o pai deles trazia um presentinho no Dia das Crianças, mesmo que fosse alguma coisa de R$ 1,99. Agora não sei como vai ser. Se eu gastar dinheiro, depois falta para comprar remédio. Eles já perguntaram o que vão ganhar. Eu disse que alguma estrela boa vai mandar lembrança.;
A mãe contraiu a doença de um namorado, aos 12 anos. ;Eu era uma criança. Achava que ele era o amor da minha vida;, lembra. Hoje, ela pretende dar uma vida melhor às crianças. Uma regra para morar na Fale é que todos aqueles em idade escolar estejam devidamente matriculados. ;Ter uma roupinha e um par de sapatos é bom porque tem festa na escola, tem apresentação;, diz ela.
Quando o 12 de outubro se aproxima, geralmente, a quantidade de doações aumenta. ;É uma felicidade só. As crianças ficam muito alegres em saber que alguém se lembrou delas, que lá fora existe uma sociedade que se importa. Esses meninos veem gente doente, gente morrendo. É parte da realidade deles. Precisam de um pouco de infância;, avalia Patrícia, emocionada.
Dificuldades
Este ano, porém, não foi bem assim na Fale. A ajuda não chegou. ;Eles estão precisando urgentemente de calçados e de comida. Nosso arroz acabou. Fabricamos nosso próprio pão, mas não temos mais material. Quando perguntam quais são as maiores necessidades, como o Dia das Crianças está perto, pedimos presentes, porque brinquedo só vem nesta época do ano. Para eles é muito importante. Mas, na verdade, aqui falta de tudo, desde dinheiro para a conta de água até o que servir na mesa;, relatou a coordenadora da Fale, Cilma Araújo, também portadora do vírus HIV.
Cilma vive com a família na Fale há 17 anos. ;Criei meus filhos aqui. Querendo ou não, quando a pessoa tem Aids, ela corre o risco de ficar muito debilitada, passar por várias internações. Eu já estive em fase terminal várias vezes. Nesses momentos, é bom saber que há alguém para olhar pelos filhos da gente.;
Aos poucos, a colaboração começa a chegar. Funcionários da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) se organizaram: cada um vai enviar um kit com chinelos e brinquedos para os menores e roupas para os mais velhos. ;Uma estagiária nos relatou as dificuldades em que os moradores da Fale vivem. Não tivemos dúvidas: eles precisam, e nós, mesmo com pouco, podemos ajudar;, afirmou a gerente de Processos e Pessoas da entidade, Cláudia Alves.
Colabore
Saiba como ajudar a Fale: 3331-3556 e 3273-6249. Endereço: Recanto das Emas, Núcleo Rural Vargem da Bênção, Quadra 108, Chácara n; 11.