Cidades

Estudantes desenterram garrafas com desejos relatados há dez anos

Os alunos se surpreenderam com os rumos tomados depois que a adolescência passou

postado em 11/10/2010 09:09
A arquiteta Raissa Pedroso, hoje com 21 anos, sonhava ser médica: planos sempre se renovamTente lembrar-se de seus sonhos de 10 anos atrás. Onde você se via quando pensava na década seguinte? Na manhã de ontem, mais de 100 alunos do Instituto Educacional Santo Elias, em Sobradinho, viveram a experiência de recordar o passado e reavivar esperanças. Há uma década, eles enterraram cartas em garrafas de plástico ou de vidro. Nelas, ficaram gravados os desejos para o futuro.

Os estudantes marcaram uma data simbólica para desenterrar os sonhos: 10/10/10, às 10 horas. Turmas da 8; série de 2000 a 2006 mantiveram a tradição de guardar as lembranças sob a terra. Algumas ficaram borradas pela ação do tempo. Mas ninguém parecia se importar. O clima era de total confraternização.

Fazia calor quando os antigos estudantes começaram a chegar à região rural onde os bilhetes estavam depositados. Ali, perto da Quadra 13 de Sobradinho, o grupo se reencontrou. Lembretes sobre o encontro marcado há 10 anos foram espalhados pela internet, nas redes sociais. Mesmo quem não teve acesso garante ter se lembrado sozinho do compromisso. ;Achei que não ia ter ninguém. Fiquei muito surpresa;, afirmou Dayane Luizy Ribeiro, hoje professora, aos 22 anos.

Na carta depositada por Dayane, a menina sonhava em se casar com um cantor famoso. Queria também passar no vestibular da Universidade de Brasília (UnB) e conhecer o grupo musical KLB. Não conseguiu alcançar tais objetivos. ;Meu Deus, quanta besteira!”, envergonhou-se Dayane. No envelope, ela escreveu: ;Day do futuro, espero que você seja feliz;. O desejo se concretizou. A adolescente sonhadora se tornou um mulher de sorriso largo.

Mudanças
Desenterrar o passado fez muita gente perceber a impermanência dos planos para o futuro. ;Odeio patricinha, odeio pagode. Sou 100% punk rock, odeio rosa;, deixou gravado no papel com a caneta Tchella Leal, 22 anos, assistente de diretoria em um laboratório. Ontem, a jovem usou um vestido colorido de estampa floral, lilás com cor-de-rosa, para encontrar os velhos amigos.

Tchella passou maquiagem e calçou sandálias no melhor estilo patricinha. ;Agora eu sou pagodeira;, confessou, abismada com o passado. ;Eu queria ser professora de inglês. Ainda quero. Nem lembrava que já era flamenguista nessa época. Minha melhor amiga ainda é a mesma de quem falo na carta. É interessante ver que o principal não mudou;, refletiu a jovem, que se lembrou sozinha do encontro. ;Nem precisei olhar na internet.;

As expectativas sobre os próximos anos eram diversas. ;Tenho um namorado lindo, quando abrir essa carta, quero estar casada com ele.; A menina apaixonada não compareceu ao encontro de ontem, mas o boato que circulava era o de que continua em busca do par perfeito. ;Até lá, quero ter um carro, trabalho e uma máquina fotográfica digital;, desejou um rapaz, sem imaginar a popularização do tal aparelho. Montar uma banda, ser estrela do rock, ficar rico. Tudo isso estava entre os desejos. ;O sonho muda, mas a essência se mantém;, constatou Kamila Ferreira, 21 anos.

A 8; série foi lembrada por muitos como ;a melhor fase da vida;. ;Escrevi cinco páginas frente e verso de carta para enterrar. Tinha muita poesia, música, romantismo. Fico com o coração apertado de reviver isso. Esse encontro é uma chance maravilhosa de lembrar da melhor época da vida;, afirmou Fernanda Fatureti, 25 anos. Ela também desejou não engordar. Assim como muitas outras colegas de turma. ;O bom é que meu peso continua o mesmo. Mas naquela época eu queria ser veterinária;.

Esperanças
Raissa Pedroso, 21 anos, pensava em ser médica. ;As opções de especialização eram psiquiatria, neurocirurgia ou cirurgia plástica;, contou, aos risos, enquanto lia o papel borrado de tinta azul. ;Mas hoje eu sou arquiteta. No máximo vou construir um hospital. É engraçado como mudamos. Satisfatório é ver que os planos sempre se renovam;, acredita.

Raissa foi uma das poucas a escrever desejos de mudança para Brasíila. Ela queria um governo mais competente. ;Desejei também que as pessoas parassem de esperar as coisas do governo e lutassem pelas mudanças. Mas, infelizmente, isso não se concretizou;, relatou.

À época, em 2003, Joaquim Roriz era o governador do DF. Hoje, a mulher dele, Weslian, tenta ocupar a chefia do Buriti. Raissa também pediu o fim da guerra entre Estados Unidos e Iraque. Gabriela Alves, 24 anos, teve ambições mais pessoais. Escreveu na carta: ;Tomara que eu esteja viva para ler isso daqui a 10 anos;.

Surpresas
Na adolescência, o futuro parece estar longe demais. Aos poucos, descobre-se que ele nos espera logo ali. Implacável. Vitor Lima da Cunha, hoje aos 24 anos, pensava, aos 14, que os amigos ; e ele mesmo ; estariam todos ;velhos; no dia de ler os bilhetes. ;Dez anos pareciam muita coisa, pareciam muito distantes. Achei que todo mundo ia estar casado e cheio de filhos. Somos novos e a maioria nem casou ainda.;

O reencontro deixou muitos surpresos. ;Nossa, como a gente melhorou. Era todo mundo magrelo e se achava galã;, comentou um dos meninos. ;Você viu como a ;fulana; está bonita?;, disse um outro. Desenterrando as cartas, romances vieram à tona. Intrigas também. Alguns só descobriram que não eram queridos uma década depois. ;Faz parte;, muitos disseram.

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