postado em 16/10/2010 07:37
Os rostos abatidos que habitualmente se enfileiram todas as quintas-feiras em frente à Penitenciária Feminina do Distrito Federal (a Comeia), no Gama, aguardando o horário para visitar as presas, foram substituídos por muita gritaria e brincadeira. É que, para filhos e netos de mulheres que estão atrás das grades na capital do país, o verdadeiro Dia das Crianças, comemorado na terça-feira passada, ocorreu ontem. A festa preparada pela direção do estabelecimento para tornar especial o dia de visita desta semana começou por liberar a entrada de crianças menores de um ano, proibida em situações normais. E não era preciso estar cadastrado previamente, como manda a regra do presídio.;Hoje, basta que o responsável comprove, por meio de documentos, o parentesco da criança com a presa;, explicava Deuselita Martins, diretora da penitenciária. As exceções abertas culminaram em 594 visitantes, dos quais 253 eram crianças. O número de pessoas que foram ontem ao presídio é mais que o dobro da média registrada, em geral 250. As brincadeiras reservadas para a meninada começaram antes mesmo da entrada na unidade. Duas camas elásticas e um castelo inflável foram montados em frente à penitenciária. Enquanto os responsáveis aguardavam o horário para iniciar a burocracia necessária que antecede a visita, os pequenos se esbaldaram nos brinquedos. Picolé, água, algodão-doce e pipoca completaram a folia.
Do lado de dentro do presídio, mais gritaria e brincadeiras. Depois de assistirem a um espetáculo infantil encenado por sete atores voluntários, meninos e meninas corriam de um lado para o outro. As reações diante de mães pouco lembradas, na maioria das vezes, iam de visível felicidade a estranhamento. O filho mais novo de Maria Derlânia da Silva, presa por homicídio, teve de se acostumar com a mulher de cabelos loiros. ;Descobri que estava grávida dele num dia e vim para cá no outro. Quando ele nasceu, ficou comigo por três meses e, depois, foi embora. Então ele não me conhece direito, precisa se acostumar;, conta Derlânia, que não via o garoto há seis meses. Seus outros quatro filhos estão recolhidos em um abrigo. ;Minha progressão para trabalhar fora só depende de um documento. Quero sair logo para cuidar da minha família;, diz.
Curiosidade
No caso de Juliana*, de 22 anos, o único problema está no caçula. Com apenas dois anos, o garoto, às vezes, não a reconhece. Mas basta um pouco de contato para ele não querer sair mais do colo da mãe. As duas meninas de Juliana ; uma de sete e outra de três anos ; também a cobrem de carinhos durante toda a visita. À mais velha, que entende até certo ponto o que ocorreu com a mãe, aguardando julgamento por assalto à mão armada e extorsão, Juliana precisa dar explicações. ;Quando chega aqui, ela pergunta: ;Quem te deu essa blusa nova, foi a polícia?;;, conta a presa. ;Aí eu explico para ela ter cuidado com as amizades, ter juízo, não ir na onda das pessoas. É por esse motivo que estou aqui.;
Também acusada de assalto, Camila* tenta amenizar a dor das duas filhas ; a mais velha com necessidades especiais ; contando que aquele lugar cheio de grades e com muros altos protegidos por arames é, na verdade, uma escola. ;Digo que estou aqui fazendo um curso de costura, que preciso terminar as aulas para voltar para casa;, explica a mulher. Espevitada e falante, a mais nova dirige-se a um dos policiais responsáveis pela segurança na unidade: ;Seu Ney, quando é que minha mãe vai poder ir embora?;. Sensível às questões das presas, o agente pensa um pouco e responde : ;Ih, ela vai ter que costurar muitas roupas ainda, fazer muitas aulas antes de sair;.
Para as mães, a visita em formato especial cria um clima diferente do observado nas demais quintas-feiras. ;Com essa música, as brincadeiras e muita criança junta, parece que fica menos tenso. Nos dias normais, é um pouco estranho receber os meninos aqui;, define Juliana. A diretora, Deuselita, destaca que a intenção dos funcionários é humanizar um pouco o presídio. E lembra que só foi possível preparar a festa de ontem com a ajuda de voluntários. Grupos de diversas religiões e empresas contribuíram com itens variados, desde os brinquedos que foram distribuídos às crianças na saída da penitenciária às camisetas que as detentas utilizam para ser facilmente identificadas entre os visitantes. O juiz da Vara de Execução Penal, Luiz Martius, também esteve na penitenciária ontem para uma inspeção de rotina. Foi um dia especial para a maioria das detentas, bem como para os filhos delas.
* Nomes fictícios, a pedido das entrevistadas