postado em 17/10/2010 08:50
As viagens de um estado para outro acabaram há três meses para Fernando Salvador Pita, 45 anos. Depois de ter uma arma apontada por seis vezes para sua cabeça, ele decidiu não mais trabalhar como motorista de ônibus que faz transporte interestadual de passageiros. Passados 20 anos de profissão, Fernando agora exerce a função de encarregado de tráfego, aquele que fiscaliza a entrada e saída dos carros. O pai de família, morador do Riacho Fundo II, comemora o pouco tempo que lhe falta para aposentar. ;Tenho um trauma muito grande de viajar em ônibus. Não quero mais mexer com estrada porque, com qualquer tipo de reação, a gente pode perder a vida. Eles (os assaltantes) são muito violentos. Eu tive sorte de não ter morrido;, disse.O medo de Fernando é uma realidade de quase todos os motoristas que fazem viagens de longa distância (mais de 75 km). Além de cansativas, elas se transformaram em um pesadelo. A Polícia Rodoviária Federal no DF (PRF) registra, em média, três assaltos a ônibus interestaduais por mês. Segundo o chefe do setor de estatística, Roberto Melo, entre os pontos mais visados pelos assaltantes estão trechos na BR-050, entre Cristalina e Catalão, ambos em Goiás, e na BR-040, perto de Paracatu (MG). ;O número de roubos tem aumentado todos os anos, principalmente no período de férias e no fim de ano, quando cresce a movimentação de dinheiro e, consequentemente, as viagens;, explicou.
A estatística, entretanto, é muito aquém da realidade. Somente a reportagem do Correio teve notícia de dois assaltos no último mês, de uma só empresa. ;Na semana passada, um ônibus que fazia a linha Brasília/Uberlândia foi roubado. Nessa região, é pelo menos um caso por semana. Antes era só à noite e agora tem assalto de dia também. Desse jeito não dá para ir de ônibus mais não;, disse a consultora de Recursos Humanos Patrícia Tavares, 37 anos. Segundo ela, todos os passageiros ficam com medo, principalmente em um trecho perto de Araguari (MG). ;É um ponto muito perigoso e visado porque não tem fiscalização alguma. A gente fica à mercê dos assaltantes;, reclamou.
A última vez que Fernando pegou estrada foi para Roda Velha, no interior da Bahia. Os passageiros embarcaram na antiga Rodoferroviária com os assaltantes infiltrados. À noite, já na estrada, um deles se levantou e foi até Fernando, dizendo que queria uma informação. ;Ele me perguntou se eu já tinha sido assaltado antes. Daí eu respondi que sim e ele debochou: então segue aquele carro que esse é mais um assalto;, disse. Nessa hora, um Gol passou à frente do ônibus, com o pisca-alerta ligado. Eram comparsas encapuzados. O bandido que estava ao lado de Fernando ainda o obrigou entrar de vez em uma pista de terra. A manobra brusca fez os passageiros se assustarem. Houve gritaria e uma mulher que estava descontrolada acabou sendo espancada pelos assaltantes. ;Quando foram embora, deram dois tiros nos pneus dianteiros. Ficamos na estrada até amanhecer. Foi horrível;, lembrou o motorista.
Comboio
Em uma tentativa de dificultar a ação dos bandidos, as empresas passaram a despachar os carros em comboio, mas nem isso tem impedido os roubos. Normalmente, o último da fila acaba interceptado pelos ladrões, que, armados, levam desde objetos de valor como relógios, celulares e máquinas fotográficas, até as roupas dos passageiros. Diante dessa realidade, quem precisa visitar familiares em outros estados se sente inseguro. É o caso da jornalista Izabel de Almeida Bacelar, 42 anos, moradora do Plano Piloto. A cada dois meses, ela costuma ver os pais em Uberlândia (MG). Com medo dos relatos de assaltos na estrada, ela trocou o ônibus pelo carro.
Às vezes Izabel consegue juntar um grupo de amigos para dividir o combustível e ter companhia, mas quando nem todos marcam a viagem para a mesma data, ela tem que ir sozinha mesmo. ;De todo jeito é perigoso, mas prefiro ir de carro porque me sinto mais segura;, explicou. A jornalista conta que, na última viagem que fez, ela soube de um assalto entre Uberlândia e Araguari. ;Eram quatro ônibus em comboio. O meu era o segundo, mas só o último foi assaltado;, contou. Ela também soube de outro roubo no caminho para Caldas Novas (GO). ;Eles assaltaram um grupo de religiosos e ainda por cima queriam levar uma adolescente. Os bandidos deixaram todo mundo apenas com roupas íntimas;, contou.
Na Rodoviária Interestadual do Plano Piloto, não foram registradas ocorrências de assaltos na administração, segundo a Secretaria de Transportes do DF. A PRF também não dispõe de dados fidedignos sobre a quantidade de motoristas e passageiros vítimas de quadrilhas especializadas em assaltar ônibus interestaduais. Sem fiscalização suficiente nas BRs, quem usa ônibus tem impressão de que existe descaso com a segurança. ;Nada me tira da cabeça que também possa haver policial envolvido no meio e com informações privilegiadas. Os assaltos são muito frequentes e sempre estão nas páginas dos jornais de Minas Gerais. Não é possível que ninguém faça nada;, disse Izabel de Almeida.
PARA SABER MAIS
Justiça diverge
Muitas vítimas de assaltos em ônibus interestaduais buscam na Justiça indenização por danos morais e materiais. No entanto, cada tribunal tem entendimento diferente sobre o assunto. Em fevereiro deste ano, a 4; Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) determinou que uma empresa de transporte pagasse R$ 30 mil por danos morais a 10 passageiros que foram vítimas de assalto durante viagem. Cada um recebeu R$ 3 mil. No ano passado, uma vítima de assalto a ônibus ganhou na Justiça o direito de receber uma indenização de quase R$ 200 mil por danos morais e patrimoniais. O homem ficou paralítico após ser baleado num assalto a ônibus em Recife, em março de 1998. Já em 2006, o Superior Tribunal de Justiça isentou uma empresa de fazer o ressarcimento a uma passageira roubada. No entendimento da Corte, os assaltos ocorridos no interior dos ônibus são fatos de força maior e alheios às empresas, que não podem ser responsabilizadas pelos eventuais prejuízos.
TRÊS DE UMA SÓ VEZ
Há dois meses, passageiros e motoristas de três ônibus diferentes viveram momentos de pânico. Eles viajavam para Minas Gerais quando os bandidos, em um Fiat Palio Weekend, ultrapassaram os coletivos e atiraram contra eles. Com medo de serem atingidos, os condutores pararam os carros e os criminosos deram início a uma sequência de assaltos que começou por volta de 1h30 e terminou às 5h30. A abordagem foi no km 199 da BR-040 (que liga Brasília a Minas Gerais), próximo ao município de João Pinheiro (MG). Cinco homens fortemente armados fizeram 80 pessoas reféns e levaram delas dinheiro, documentos, máquinas fotográficas, notebooks, filmadoras e aparelhos celulares. Para não chamar a atenção da polícia e de possíveis testemunhas, os ônibus foram levados para uma área de cerrado distante aproximadamente 600 metros da margem da rodovia.
Efetivo insuficiente
A polícia diz que os bandidos que atacam os ônibus interestaduais fazem parte de uma quadrilha especializada. Os assaltantes não raras vezes estão armados com fuzis e pistolas de uso restrito das Forças Armadas. A quantidade de ônibus nas rodovias aumenta ainda a gama de possibilidades de atuação dos criminosos. São 51 empresas e uma frota de 6.941 coletivos que fazem o transporte rodoviário interestadual de passageiros no DF. Somente em junho deste ano, foram realizados 18.297.122 embarques e desembarques nos terminais de Brasília, de acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Segundo o inspetor De Lucas, da PRF de Brasília, o efetivo para atender os 957 quilômetros de extensão das cinco rodovias que cortam o DF é insuficiente para inibir todas as práticas criminosas. ;A gente faz operações de prevenção nas BRs rotineiramente, principalmente para impedir a entrada de entorpecentes e armamentos, mas a área é muito grande e são muitas as práticas criminosas;, destacou.
É parecida a situação da PRF de Goiás, responsável pelo trecho da BR-020 que vai de Planaltina até Flor de Goiás e Alvorada do Norte, na Bahia. No posto fiscal na saída de Formosa (GO), a equipe é formada por três policiais por dia. O ideal seria que houvessem pelo menos oito deles atuando. ;Os policiais ficam no posto ou atendendo ocorrências de acidentes. Isso prejudica o trabalho de fiscalização nas estradas;, explicou o inspetor Carlos Santos. Segundo ele, outra dificuldade de atuação é que as ocorrências são, na maioria das vezes, centralizadas na Polícia Civil e não chegam ao conhecimento da Polícia Rodoviária Federal. Diante do cenário de falta de policiamento, muitas empresas têm investido em segurança particular e instalações de câmeras dentro dos ônibus. Algumas ainda pagam policiais militares para identificar e prender os criminosos.