postado em 20/10/2010 08:17
Política é coisa de gente grande. Não necessariamente no tamanho físico. Nesse caso, gigante quando se trata de boas intenções. Para incentivar o envolvimento das crianças com a política e a democracia, a Câmara dos Deputados promove, todo ano, o concurso Câmara Mirim. Nele, alunos que cursam do 5; ao 9; ano do ensino fundamental do Brasil inteiro enviam projetos de lei a serem avaliados. Os melhores são inseridos no banco de dados da Câmara e ficam à disposição de qualquer parlamentar que queira bancar a ideia. Neste ano, uma estudante do Distrito Federal ficou entre os três escolhidos.Lorena Gomes, de 13 anos, foi escolhida pelo projeto que criou sugerindo que todos os ônibus tenham cadeirinhas para crianças de até cinco anos: utilidade pública e fundamento democrático agradaram
Lorena Gomes, 13 anos, estuda em Sobradinho, no Centro de Educação Nery Lacerda. Ela sugeriu que todos os ônibus urbanos tenham cadeirinhas para crianças de até cinco anos. ;Só os pais que têm carro precisam de segurança para os filhos?;, questionou Lorena. A ideia agradou os avaliadores do Câmara Mirim por ter utilidade pública e expressar um pensamento democrático.
Lorena usou a própria vivência para elaborar o projeto de lei. ;Eu ando de ônibus com minha irmã menor, que tem 4 anos. As pessoas não dão lugar, ela viaja em pé, se desequilibra. Eu quis evitar transtornos com essa lei; proteger as crianças, que são frágeis, em caso de acidentes ou freadas bruscas;, explicou Lorena, com ares de maturidade. Com seu jeito de menina-moça, ela surpreende ao servir de exemplo para os parlamentares. Ensina o que deve ser levado em consideração na hora de propor uma lei. Algo que nem todos os políticos parecem entender.
Nesta quinta-feira, Lorena vai defender sua proposição, no Plenário da Casa, ao lado de outros dois estudantes escolhidos, um deles de São Paulo e o outro do Rio de Janeiro. Deve enfrentar os questionamentos de outros jovens, treinados para fazer o papel da bancada opositora. Tudo para aumentar o realismo. A primeira vez em que Lorena esteve na Câmara foi na última segunda-feira, acompanhada pela equipe de reportagem do Correio, para uma sessão de fotos. ;Eu nunca tinha vindo aqui. É tudo lindo demais;, elogiou Lorena, inocente.
Ela nunca havia se envolvido com política. ;Nunca tinha parado para pensar nesse assunto. A professora (que também se chama Lorena) sugeriu que a gente bolasse uma lei para o projeto. Todo mundo achou que ia ser muito chato. Mas acabou sendo legal demais;, relatou.
Os projetos de lei na escola onde Lorena estuda foram escritos como manda a regra formal. Com direito a artigos e justificação. No artigo I, ela defendeu que todos os ônibus deverão ter cadeirinhas com cinto de segurança para crianças até cinco anos. No II, começa a explicar suas intenções. Por fim, estipula multa de R$ 100 a R$ 1 mil para empresas de ônibus que não cumprirem a determinação. ;A gente aprendeu sobre os nossos direitos. E que nós podemos participar sempre;, relatou a jovem.
Empolgação
Quem estimulou a participação dos alunos no concurso foi a professora de português Lorena de Moura. Em ano de eleição, ela levou o tema para sala de aula, na disciplina de redação. ;Nós lemos, em sala, bulas de remédio, e os alunos aprenderam a preencher, por exemplo, um bilhete de passagem de avião. Enfim, coisas que vão usar no dia a dia. Pensei então em apresentar a eles o texto de uma lei, mostrar como e por quem ela é feita;, explicou a professora.
No início, houve resistência. ;Esse assunto é muito chato. Eu odeio política;, muitos disseram. ;Os pais transmitem aos filhos essa descrença, o ojeriza quanto à política. Dizem que todos os políticos são iguais, o que não é verdade;, destacou a educadora. Aos poucos, os meninos e as meninas passaram a ver o jogo político com outros olhos. Entenderam a importância da lei e, mais ainda, a relevância da participação do cidadão comum no processo democrático.
Empolgaram-se. Todos queriam deixar sua contribuição. Há os que pleiteiam mais proteção para os animais, com punições mais severas para quem os tratar mal. Tem também gente preocupada com o bullying, prática que incluiu a violência física ou psicológica contra os colegas. Outros foram mais longe: querem acabar com os impostos na compra de bicicletas. Alguns tentaram emplacar ideias inusitadas, como o Dia do Adolescente, data na qual as pessoas dessa faixa etária poderiam fazer tudo que quisessem.
A maioria, porém, pensou com seriedade. ;O mais difícil foi convencê-los de que as punições previstas nas leis deveriam ser razoáveis. Alguns queriam cinco anos de cadeia para delitos leves, outros falaram de pena de morte. Foi uma boa oportunidade para eles conhecerem a nossa Constituição, saber o que pode ou não ser feito no nosso país. Afinal, eles serão os nossos futuros deputados, senadores e até presidentes;, afirmou a professora.
A iniciativa evoluiu e foi além da Câmara Mirim. ;Foi superdifícil escolher quem ia representar a escola no concurso. O sucesso dessa iniciativa foi tão grande que criamos uma eleição para o deputado da escola. Eles gravaram propaganda eleitoral, distribuíram santinhos, defenderam seus compromissos de campanha;, explicou a professora. Desinibida, Lorena, a aluna vencedora, candidatou-se. ;Mas eu não fiz promessa nenhuma. Só defendi meu projeto de lei. Acho melhor assim, com uma proposta e não com uma promessa;, definiu.
Lorena foi uma das três escolhidas entre 857 inscritos na competição, vindos de 290 escolas públicas e particulares de todo o país. O número superou a edição de 2009, quando 582 estudantes tentaram ver seus projetos selecionados. Os outros dois escolhidos tratavam da construção de canis de adestramento para cães-guia ; projeto de Milena Rodrigues, do Rio de Janeiro ; e da instalação de bicicletários em prédios e áreas públicas, ideia desenvolvida pela aluna da rede pública Patrícia Bezerra, de São Paulo.
A principal preocupação dos inscritos foi a escola, tema de 24% dos projetos apresentados neste ano ao Câmara Mirim. Outros temas de destaque foram meio ambiente (16%), família e assistência social (11%) e tratamento de lixo e reciclagem (9%). Também não ficaram de fora temas polêmicos, entre eles a descriminalização do aborto, a diminuição da maioridade penal para 16 anos e a proibição do fumo em locais públicos.