postado em 22/10/2010 08:00
Uma mãe desesperada invadiu aos prantos a sala da diretoria do Centro de Ensino Fundamental 504 de Samambaia (CEF 504). Comportava-se como quem sente a dor de um parto às avessas. Tinha certeza: perderia a filha adolescente para uma doença grave, a hepatite autoimune. Não tinha como bancar o tratamento. Não sabia a quem recorrer. A menina de 14 anos mal começara a viver. Precisava de um transplante de fígado, que só poderia ser feito em outro estado. A família sequer tinha dinheiro para pagar a conta de luz.A mãe é Edvânia Nóbrega, 45 anos, desempregada. Ela foi até o colégio para explicar aos professores a ausência da filha Jasmin, que não poderia mais estudar por conta da enfermidade. Mas, inesperadamente, saiu de lá com as forças renovadas. Conseguiu mobilizar uma escola inteira na busca pela preservação da vida da menina com nome de flor, que precisa com urgência de um fígado novo.
Professores e alunos do CEF 504 de Samambaia, onde Jasmin estuda, mostraram-se verdadeiros anjos da guarda. Solidários, iniciaram uma campanha de mobilização. Educadores e amigos recolhem doações para ajudar a família Nóbrega com as despesas da cirurgia. O principal problema é garantir o sustento de Jasmin e Edvânia em São Paulo, durante o tratamento e o pós-operatório, que pode durar até quatro meses depois do transplante. ;A rede pública oferece auxílio, mas não é o suficiente;, relatou Edvânia.
Os professores já conseguiram as passagens de avião. Sensibilizaram-se com a luta de Jasmin, que desde criança vive uma constante espera pelo dia em que terá uma vida normal. ;Nesses momentos, a gente vê que a ajuda vem de onde a gente menos espera. Já tinha apelado para todo mundo. Não imaginava que a salvação viria da escola;, disse Edvânia, emocionada.
No colégio, é raro alguém que não tenha se envolvido. ;A gente começa a participar demais da vida dos alunos. Nós vimos o sofrimento da Jasmin e da mãe dela. A Edvânia chegou desesperada à escola para explicar que Jasmin não poderia mais ir ao colégio. Imagine o que é ter 14 anos e lidar com um medo enorme de morrer. Ou então ser mãe e saber que sua filha pode perder a vida se não operar;, comoveu-se a orientadora educacional do CEF 504 de Samambaia, Marlene Alves.
Sofrimento
O corpo frágil de Jasmin já não aguenta tanta dor. A adolescente vê as horas passarem mais devagar, desde que desenvolveu uma hepatite autoimune, ainda na infância. A doença, segundo médicos explicaram à família, pode ter cunho emocional. Jasmin, que até então era uma criança saudável, passou a sentir dores e a ficar com a pele amarelada depois da morte do irmão mais velho. Uma verdadeira tragédia familiar. O jovem, à época com 19 anos, enforcou-se no próprio quarto. Foi Jasmin quem o encontrou já sem vida. Desde então, ela nunca mais teve paz. ;Fico pensando: por que isso aconteceu comigo?;, contou.
Há dois anos, a situação piorou, o fígado de Jasmin ficou ainda mais sobrecarregado com a medicação forte para hepatite. São mais de 12 comprimidos por dia, desde os 9 anos. O primeiro passo, o de encontrar um doador, foi concluído. O pai da garota, Francisco, é compatível e vai entregar a parte do próprio corpo para salvar a filha. ;Ele aceitou doar, mas não convive com ela. O pai já tem uma família nova. Ficamos juntos pouco tempo;, explicou Edvânia.
Há dois meses, Jasmin deixou de estudar. Teve de interromper a juventude, devido a complicações da doença. O coração dela também ficou debilitado. Não consegue bombear o sangue como deveria. Até a visão foi afetada. Os pulmões desenvolveram enfisema. Jasmin mantém-se viva com a ajuda de balões de oxigênio.
Cada um custa R$ 80 e dura apenas quatro horas. Seria impossível pagar por esse tipo de tratamento. Jasmin também conta com um outro mecanismo semelhante de geração de oxigênio, mas esse é ligado à energia elétrica, 24 horas por dia ; o que encarece muito a conta de luz. A Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace) e os professores do CEF 504 se esforçam para garantir que o oxigênio nunca acabe. ;É questão de sobrevivência. Se a luz de casa falhar, por exemplo, precisamos ter um balão de oxigênio pronto, senão ela não consegue respirar;, explicou Edvânia.
Atividades normais para uma adolescente, como ir à escola, tornaram-se impossíveis. ;Ela está muito debilitada. Não consegue sair de casa. Além disso, não temos dinheiro para pagar o oxigênio. Estamos prestes a desabar;, desabafou a mãe da jovem.
Mobilização
O que ajuda a passar os dias um pouco mais longe do desespero é a solidariedade. A vice-diretora do CEF 504, Cássia Coelho, conseguiu, com amigos e parentes, as passagens de avião até São Paulo. Por todo o colégio encontram-se cartazes com um convite à boa ação: ;Vamos salvar Jasmin. Ajudem com o que puderem;. E a campanha deu certo. ;Os alunos trazem o que podem, pedem aos pais. As amigas mais próximas da Jasmin passam de sala em sala falando da importância de ajudar. Queremos de volta aquela menina extrovertida e feliz, que brincava com todo mundo;, afirmou Marlene.
Nos corredores do colégio, há caixinhas para depositar dinheiro. Recebe-se doação de alimentos. Os professores começam a organizar uma festa para aumentar a poupança. Ainda não sabem se será um almoço, um jantar ou uma tarde dançante beneficente. Mas Jasmin garante que estará lá. ;Como assim, vão fazer uma festa para mim e eu não vou?;, protesta, diante do olhar preocupado da mãe. No Hospital de Base, onde ela recebe cuidados, a família também encontrou apoio emocional. ;As médicas, os enfermeiros, o pessoal da limpeza, todo mundo dá a maior força;, afirmou a jovem.
Espera
Se sobra boa vontade dos profissionais, falta eficiência no sistema público de saúde. O DF não oferece a cirurgia de graça. É preciso esperar uma vaga no programa de Tratamento Fora Domicílio (TFD) da Secretaria de Saúde do DF. ;Até hoje não me disseram a data do transplante. Já são meses de agonia. Ela já tem até doador;, reclamou Edvânia. Mãe e filha terão de se mudar para fazer o tratamento.
;Me pergunto como vou dar conta disso, se nem consigo viver aqui em Samambaia. Eu era secretária. Perdi o emprego porque Jasmin precisa de mim o tempo todo. Ela é a prioridade;, explicou Edvânia. A mãe tenta montar um salão de beleza na própria residência, para melhorar a renda familiar. A casa simples onde vivem Edvânia e as três filhas está à venda. ;É minha última tentativa;.
Apesar da doença, Jasmin continua bonita. Deixa escapar sorrisos tímidos. Conserva atentos os grandes olhos negros. Não parou de cuidar dos cabelos da mesma cor, que têm as pontas pintadas de loiro. Ficar sem fazer as unhas? Nem pensar. Jasmin nunca teve um namorado. ;Pelo menos não um sério;, ela diz. Sonha com um príncipe encantado. Passa o tempo livre na internet ; quem sabe procurando por ele ; em um computador modesto, doado pela pastora de uma igreja. Mesmo muito agradecida, Jasmin deseja um notebook. ;É para poder levar para o hospital;, explicou.
A lista de sonhos não acaba. Ela espera ter um baile de debutante, no ano que vem. Pretende viver muito para formar-se em medicina. ;Não é só porque estou doente. Deve ser muito bom ver alguém ficando bem porque você ajudou. Também preciso tirar minha mãe dessa vida. Levá-la para uma casa grande, onde ela não passe tanta dificuldade. Fico devendo isso para ela.; Jasmin quer viver em um mundo cor-de-rosa. Cansou-se da escuridão.
A DOENÇA
A hepatite autoimune é causada por um distúrbio do sistema imunológico, que passa a reconhecer as células do fígado (principalmente hepatócitos) como estranhas. Isso desencadeia uma inflamação crônica e a destruição progressiva dessas células. A enfermidade tem, geralmente, desdobramentos e leva a outras doenças.
COLABORE
Quem quiser ajudar Jasmin pode procurar Edvânia, pelos telefones: 3357-7472 e 9223-5675.