postado em 26/10/2010 07:30
Darcy Ribeiro tinha a Universidade de Brasília (UnB) como uma filha. Pai cuidadoso, pensou em cada detalhe. Quis dar à comunidade muito além de um complexo recheado de salas de aula. Ofereceu calor humano, espaços verdes, locais de socialização. Sonhava com uma instituição fora do convencional, pronta para ser palco de revoluções. Ali, sentia-se em casa. Queria dividir a sensação com quem mais a frequentasse. Era um antropólogo. Entendia de gente como ninguém. Hoje, ele completaria 88 anos. Em 30 de novembro, Brasília vai conhecer o último presente de Darcy para a UnB: o Memorial Darcy Ribeiro, mais conhecido como Beijódromo.O projeto é uma parceria com o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, famoso por ter erguido toda a 108 Sul, a primeira quadra de Brasília, e muitos outros prédios históricos da capital. A princípio, em 1996, o plano era levar o acervo pessoal de livros e documentos do antropólogo da Fundação Darcy Ribeiro (Fundar) para o câmpus. Seria construído também um teatro de arena, para palestas e festas, com capacidade para 200 pessoas. Ali os estudantes poderiam passar as horas livres namorando ; por isso o apelido de Beijódromo, dado pelo próprio Darcy. Somente uma galeria de artes seria acrescentada, posteriormente, ao local.
Depois de 14 anos, a Fundar conseguiu a liberação de um terreno ao lado da reitoria, com 7 mil metros de extensão, para construir o memorial. Era preciso alterar detalhes da planta para viabilizar a obra. A fundação, ao lado de Lelé, fez 10 versões até chegar ao projeto final, em execução atualmente. ;Acrescentamos uma cobertura ao anfiteatro. Decidimos também expandir as atividades. Vamos ter salas de aula, biblioteca, cabines de pesquisa, cafeteria, livraria e cineclube;, enumera o presidente da fundação, Paulo Ribeiro, sobrinho de Darcy.
Acervo
O memorial será instalado no Complexo da Praça Maior ; que engloba a Reitoria, o Minhocão e a Biblioteca Central ; com capacidade para abrigar 30 mil livros, entre eles as 165 publicações de Darcy Ribeiro. Muitos exemplares estão esgotados. Outros carregam em si preciosas anotações feitas pelo antropólogo. Mais de mil horas de vídeo poderão ser consultadas. São amostras de trabalhos de campo feitos pelo estudioso. Haverá também quadros e outras obras de arte.
Os itens que eram guardados pela primeira esposa de Darcy, a antropóloga Berta Gleizer Ribeiro, também serão levados para o complexo. ;É como uma volta para casa. Darcy considerava a UnB sua obra mais importante, o projeto mais transformador;, explicou Paulo. ;Esse espaço é muito mais que um museu, é um centro cultural ativo. Com o conteúdo do acervo, vamos lançar 20 livros inéditos. O acervo não estará estático.;
Formatos
O mais novo prédio da UnB começa a ganhar forma. O arquiteto Lelé é conhecido por sua capacidade de encontrar soluções sustentáveis e ousadas. Foi ele quem trouxe para Brasília a tecnologia do concreto e da argamassa armada. Na mais recente obra, usará aço naval.
Em entrevista à UnB Agência, o arquiteto contou que Darcy o escolheu para fazer o projeto do memorial, e não a Oscar Niemeyer, porque assim o antropólogo teria mais chances de dar palpites. Ao entregar os esboços do edifício, Lelé escreveu ao amigo: ;Foi assim que concebi uma casa digna para guardar seus livros, seu beijódromo e tudo o mais que você imaginar. Lembra um pouco um disco voador ou uma mistura de maloca dos xavantes com a dos kamayurás que você tanto admira;.
Os detalhes que primeiramente vão saltar aos olhos do público foram devidamente descritos por Lelé: ;A sua característica marcante: uma grande cobertura com 34m de diâmetro e com um círculo central de 12m vazado, revestido de policarbonato transparente com lâminas externas de fibra de vidro, que evitam a transferência de calor para o interior;.
Custos
A construção representa um investimento de R$ 7,2 milhões, já com mobiliário e funcionamento completos. O dinheiro veio de um convênio com o Ministério da Cultura, por meio do Fundo Nacional de Cultura. ;Quando passamos pelos nossos jardins, vemos estudantes sob as árvores com seus estudos, suas emoções e seus beijos. Darcy foi um fundador de instituições ousado, mas muito afetivo;, avaliou o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, durante a assinatura do documento.
A inauguração atrasou duas vezes. O primeiro prazo era 21 de abril deste ano, em comemoração ao aniversário de Brasília. Depois, ficou definido que a obra seria entregue hoje, quando Darcy completaria 88 anos. A UnB, porém, teve de esperar mais um pouco. Darcy morreu vítima de câncer, aos 74 anos, em 1997. Em seus últimos anos, dedicou-se a preparar seu legado para a Fundar. Queria eternizar-se. Agora, mesmo depois da morte, ;a vida vai se construindo;, como dizia Darcy.
Parecer do autor
;Ainda melhor que isso é o prédio que o Lelé projetou pra mim. Será um disco voador enorme, pousado no pedaço mais bonito do câmpus da UnB. Com medo de minha Fundar parecer vetusta demais, consegui do Lelé fazer dela um Beijódromo, que corresponderá, em Brasília, ao Sambódromo que criei no Rio. Trata-se de um amplo palco ao ar livre para serestas e leitura de teatro e poesia, defronte de uma arquibancada para duzentos olharem a lua cheia e se acariciarem. Eu, lá de longe, estarei vendo, feliz;
Darcy Ribeiro
PARA SABER MAIS
Apaixonado pela educação
Darcy Ribeiro era filho de um farmacêutico e de uma professora. Nasceu em Montes Claros (MG). Passou a morar no Rio de Janeiro quando quis estudar medicina. Chegou a fazer faculdade, mas largou o curso três anos depois. Viveu em São Paulo, onde estudou ciências. Em 1949, trabalhou para o Serviço de Proteção aos Índios (antecessor da Funai). Traçou ali sua trajetória de defesa das causas indígenas.
Colaborou para a fundação do Museu do Índio e a criação do parque indígena do Xingu. Iniciou batalhas, ao lado de Anísio Teixeira, em defesa da qualidade na educação pública. Em 1961, foi ministro da Educação no governo Jânio Quadros. Trabalhou também como chefe da Casa Civil no governo João Goulart. Com o Golpe Militar de 1964, Darcy Ribeiro teve os direitos políticos cassados e foi exilado. Viajou por vários países da América Latina, para defender a reforma universitária.
Entre suas publicações mais famosas estão os títulos de antropologia da civilização, em seis volumes. Voltou ao Brasil somente em 1976. Em 1982, elegeu-se vice-governador do Rio de Janeiro. Trabalhou com o então governador Leonel Brizola na criação dos Centros Integrados de Educação Pública (Ciep). Em 1990, foi eleito senador. Dois anos depois, passou a integrar a Academia Brasileira de Letras. Além da obra antropológica, Darcy é o autor de romances.