Roberta Machado
postado em 04/11/2010 08:29
Inaugurada como um comércio que prometia ser o mais valorizado do Plano Piloto, a Entrequadra 205/206 Norte completa 30 anos como um conjunto de prédios que é sinônimo de prejuízo e abandono. Moradores das quadras vizinhas são afastados pelo aspecto de ruínas dos oito blocos e consumidores da comercial se confundem ao encontrar paredes e vagas de estacionamento onde deveriam estar as entradas das lojas. Os poucos empresários cujos negócios ainda sobrevivem no local lamentam o abandono do comércio, que ainda sofre com o estranhamento da população à quadra construída do avesso.
"As pessoas não conseguem ver o que tem, parece fundo de loja. Assim ninguém sobrevive", critica Maria do Carmo Lancini, a comerciante mais antiga da entrequadra. Dona de um petshop, ela faz o que pode para manter o negócio há 19 anos. Até mesmo mudou o nicho do negócio - a loja, originalmente para animais de grande porte, hoje vende acessórios e ração para cães e gatos. Maria do Carmo conta que conquistar clientes não é a única dificuldade em manter uma loja na quadra: segundo ela, o maior desafio é a resistência dos vizinhos em permitir mudanças arquitetônicas. "Aqui é tudo muito difícil, os condôminos sempre dizem não", lamenta a empresária, que, por conta de um protesto dos companheiros de comércio, já teve de derrubar uma cerca de R$ 4 mil que construiu nos fundos da loja.
Revitalização
Embora o erro de planejamento tenha causado prejuízo, poucas transformações foram feitas. Além da derrubada do muro que separava os prédios da pista, comerciantes mudaram a cor das tradicionais fachadas brancas dos prédios há um ano. As paredes também sofreram mudanças: a Agência de Fiscalização (Agefis) ordenou aos lojistas que retirassem as placas de concreto que cobriam a parte superior dos blocos. Segundo a Agefis, havia o perigo de queda da cobertura, que escondia até mesmo colmeias de abelhas. A retirada das placas resultou na perda da maioria dos letreiros das lojas locais e também aumentou o aspecto fantasmagórico da comercial.
O síndico dos oito blocos que compõem a comercial garante que em breve a revitalização dos prédios terá início. Além de adaptações na arquitetura e pintura das fachadas, o projeto prevê a melhora da iluminação e a instalação de proteções nas rampas para a época chuvosa. "Precisamos prestigiar os comerciantes que ali estão para valorizar a quadra", avaliou Aloízio Pereira. O responsável pelo condomínio local não soube adiantar se os arcos e os jardins de terraço característicos dos prédios serão mantidos na reforma. Segundo ele, o resultado final depende da vontade dos condôminos.
Novos negócios
Comerciantes continuaram a investir no local, atraídos pelo amplo estacionamento e pelo baixo aluguel %u2014 as salas chegam a ser 50% mais baratas que em outras comerciais. O negócio mais novo da entrequadra é a academia de Saulo Avelino. O proprietário admite encontrar obstáculos para manter o negócio, mas garante que recuperou o investimento feito há um ano - a academia tem hoje 300 alunos. "Somos os únicos que trazem movimento para a quadra. Estamos tentando fazer com que ela melhore", diz. "Hoje não tem mais sala desocupada, a tendência é só melhorar", acredita Avelino.
O Espaço Cena, que abriga o Festival Cena Contemporânea, também não deve sair da excêntrica entrequadra tão cedo. O centro de formação e montagens cênicas tomou o espaço de uma galeria, local que, segundo o coordenador, o ator e diretor teatral Guilherme Reis, caiu como uma luva para o Cena. "A estrutura foi perfeita para a instalação de um teatro de câmara", explica Reis. A proximidade com a UnB e a carência local por cultura também são aspectos apreciados pelo Espaço Cena. "Disseram que aqui nada dava certo, mas em Nova York também há teatros em locais não recomendados. A gente tem esse charme", compara. Mas admite: a reforma dos prédios é necessária. "É inevitável. Amanhã ou daqui a 20 anos, deve haver uma reconstrução para adequar os prédios aos dias de hoje."
Palavra de especialista
AINDA HÁ COMO REPARAR
"A arquitetura tem uma série de boas intenções, e, no caso do comércio, não resolveu a situação que era objeto da crítica inicial e ainda criou outros problemas. As salas ficam isoladas, sem a iluminação e ventilação que o prédio exigiria. Esse, para mim, é um dos problemas fundamentais. É evidentemente necessário um corredor na frente do prédio, com as salas abrindo para as fachadas. É um exemplo bom para as pessoas verem como o padrão original de Brasília, com sua aparente simplicidade, tem sofisticação e coerência de um conjunto harmonioso. Ainda é possível consertar, porque deixaram muito espaço livre onde se possa liberar o comércio do térreo. O projeto poderia ser simplificado e ganhar uma feição de arquitetura mais verdadeira: se você tirar os arcos, a janela ainda existe. Ele é um aplique puramente decorativo"
Claudio Villar Queiroz
Professor de Projetos da Faculdade de Arquitetura da UnB
Claudio Villar Queiroz
Professor de Projetos da Faculdade de Arquitetura da UnB