Naira Trindade
postado em 05/11/2010 08:21
Sustentabilidade. A moderna palavra saiu dos dicionários para ganhar as ruas. Sinônimo de independência, o conceito virou princípio de vida para pessoas mais conscientes. As discussões sobre o tema chegaram às salas de aula, às empresas. Mas por que ter cidades sustentáveis? Nossos condomínios horizontais e nossas cidades verticais oferecem sustentabilidade? A professora chilena Marta Adriana Bustos Romero incitou o debate entre dezenas de alunos de especialização em Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística (Reabilita) de diferentes regiões do país, ontem, no auditório da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB). Em quase duas horas, teorias, propostas e mapas ilustraram um futuro melhor e equilibrado.Os pilares para fazer um Distrito Federal sustentável estão em usar os recursos naturais para satisfazer as necessidades do condomínio de forma ecologicamente correta, economicamente viável, socialmente justa e culturalmente aceita. A construção da capital do país, há 50 anos, trazia conceitos inovadores. ;Lucio Costa enxergou benefícios na geografia do terreno de Brasília. Ele construiu a cidade de maneira a aproveitar os espaços. Um exemplo é o escorrimento da água para o Lago Paranoá. Ele percebeu como funcionava a topografia. Essa orientação é essencial;, disse a professora para os mais de 40 alunos que acompanhavam atentamente a palestra na UnB.
Os condomínios horizontais ; a maioria parcelada irregularmente por grileiros ; abrigam milhares de habitantes ao redor do Plano Piloto e algumas cidades verticais, como Águas Claras, que foram construídas sem planejamento estratégico. Agora, a ausência de projeção resulta em graves problemas de infraestrutura, saneamento e qualidade de vida para a população. ;As comunidades não têm sistemas eficientes de drenagem pluvial. A enxurrada escorre pelas ruas, derruba muros e casas. Poderia haver um aproveitamento do paisagismo, com tipos de plantios para absorver água da chuva;, disse.
Caçula do Distrito Federal, Águas Claras está com mais de 60% de prédios construídos. As ruas estreitas com poucos bueiros impedem a vazão da água da chuva. Não é preciso cair uma tempestade para a Avenida Flamboyant ficar praticamente submersa. E o pior, após a queda d;água, os moradores ficam ilhados em casa, sem poder sair de carro. ;Os bueiros existentes são insuficientes e estão entupidos com os detritos das obras. Com isso, o asfalto também está danificado;, disse o administrador Cláudio Firatel, morador da região. ;As pessoas que escolheram apartamentos nessas regiões compraram por uma qualidade de vida que não vão ter;, ressalta a professora.
;Águas Claras aumentou o gabarito de 12 para até 33 andares sem mudar o sistema viário. Quando se projeta uma cidade, tudo deve ser pensado;, ensinou Marta Adriana Bustos Romero. Marcado há meses, o encontro dos estudantes objetiva estudar métodos para sanar problemas de infraestrutura enfrentados no DF, que está com pelo menos 26 regiões comprometidas, segundo balanço divulgado na quarta-feira pela Defesa Civil. Entre os principais contratempos apontados pelo órgão está a falta de sistema de drenagem de águas pluviais. Por isso, as famílias correm risco de desabamentos, enxurradas, alagamentos. ;O governo precisa retomar algumas áreas para transformá-las em espaços de vivências, em parques e praças;, sugeriu a especialista.
DF tem 26 áreas de risco
Um balanço divulgado pela Defesa Civil do Distrito Federal aponta 26 regiões de risco na capital federal. De acordo com o supervisor de serviços da Defesa Civil, Major Alexandre Ataíde, todas as áreas já apresentavam erosões. "Com a vinda da comunidade os problemas aumentaram", explica. Entre os principais dificuldades identificadas pelo órgão nas áreas estão a falta de sistema de drenagem de águas pluviais, falta de saneamento básico, lixo, esgoto a céu aberto, estrutura precária das casas, má fixação dos telhados das residências, casas em encostas com mais de 45 graus e residências a menos de 20 metros da erosão. As famílias correm risco de desabamento, incêndio em residências, doenças causadas por lixo e águas contaminadas, enxurradas, alagamentos e dano ambiental.
DEPOIMENTO
Morador deve ser ouvido
Quem vem de fora toma logo um choque com a sensação de falta de aconchego. A gente sente que predomina o uso do carro, que não é uma cidade humana, que você não consegue andar por aí. Diferentemente de Salvador (BA), que é íngreme, cheia de curvas e encontros . Os percursos aqui parecem mais distantes. Vimos que aqui temos um horizonte infinito, mas com muito concreto. Eu sinto falta de árvores. É importante discutir a sustentabilidade. Perceber a convivência das pessoas, a importância em gerar vida em cidades e conviver com vizinhos. Acho que é preciso ouvir ; depois de 50 anos de apropriação da cidade ; o que sente o morador de Brasília. Talvez a gente esteja muito envolvida em discussão técnica e se esqueça de ouvir o povo. Por que determinada quadra se fecha e faz estacionamento em vez de praças? Por que temos a necessidade de fechar, criar muros, cercas-vivas? A gente precisa entender de onde está vindo essa tendência para viver em comunidade.
Mariana Barreto Alfonso, 27 anos, arquiteta de eficiência tica,moradora de Salvador (BA)