postado em 07/11/2010 11:54
Juscelino Kubitschek de Oliveira trabalha no Hospital Oftalmológico de Brasília (HOB). É mineiro, alto, magro e tem 38 anos. Não, não é um delírio. O médico é um homônimo do criador de Brasília. Compartilha, além do nome, a mesma profissão e o estado natal. Foi batizado em homenagem ao político, um grande amigo de seu pai, José Maria. Os dois ; o pai e o então futuro presidente ; encontraram-se em Belo Horizonte (MG). José trabalhava em uma ferrovia e conheceu JK quando ele era médico, antes da carreira política. Criaram um vínculo de admiração mútua.À época em que JK precisou deixar o Brasil, pressionado pelo governo militar, o idealizador da nova capital trocou cartas com vários amigos durante o exílio nos Estados Unidos, em Portugal e na França. Muitas eram endereçadas a José Maria. O ex-presidente escrevia sobre tristeza, amargura em ficar longe de seu país. José respondia com mensagens positivas e pedia conselhos ao amigo ilustre sobre trabalho.
Quando o filho nasceu, José Maria não pensou duas vezes antes de dar a ele o nome do ídolo. ;Meu pai ficou emocionado com a atenção que recebeu, com o respeito e consideração que JK demonstrava. Minha família já tinha o sobrenome Oliveira, então combinou certinho;, explicou Juscelino.
Seu José lia as correspondências trocadas com JK para os filhos pequenos. Queria que soubessem desde cedo quem foi aquele homem. Juscelino tornou-se o primeiro médico da família, seguindo os passos de JK. ;Mas não pensem que vão me ver na política. Isso, nem pensar. Eu gosto dos bastidores, de falar sobre o assunto, mas não tenho vontade nenhuma de me candidatar;, avisou.
Hoje, Juscelino cuida dos olhos dos brasilienses. É oftalmologista, coordenador do Setor de Glaucoma do HOB. Nasceu em Januária, de onde conserva o sotaque, com direito a muito ;sô; e ;uai;. Mudou-se para o DF depois de casar-se com a brasiliense Renata, uma colega de profissão, há 13 anos. O doutor enfrenta olhares surpresos a cada vez que se apresenta a um paciente ou a qualquer pessoa na rua.
Nem longe de Brasília Juscelino tem sossego. Até na Espanha, onde cursou especialização, o médico precisou explicar várias vezes a origem do nome. ;Todo mundo acha que sou parente de JK. Mas não sou. Tenho um orgulho enorme e me sinto cheio de responsabilidades por carregar uma homenagem como essa no meu nome;, afirmou. Sempre que vai a congressos, seja como palestrante ou ouvinte, Juscelino é alvo de brincadeiras. ;E aí, presidente?; ou ;Como vai, doutor JK?; são cumprimentos frequentes. Ele adora.
Reações
Alguns assustam-se de verdade com a coincidência. Outros colegas do oftalmologista encaminham pacientes ao consultório dele no HOB quando precisam de um especialista em glaucoma. Eles dizem: ;Esse assunto não é comigo. Você precisa procurar o doutor Juscelino Kubitschek;. Segundo o médico, pode haver outra razão: ;Muitos pensam que eles estão aconselhando uma cirurgia espiritual;.
Juscelino fala, aos risos, dessas confusões. Certa vez, uma mulher brigou com o médico que fez tal indicação. ;Eu não vou procurar espírito coisa nenhuma. Minha religião não permite. Não me aconselha uma coisa dessas. Não faço cirurgia assim, não;, ela disse. Antes que o colega de Juscelino pudesse explicar o mal entendido, a senhora deixou o consultório batendo o pé, nervosa com a proposta.
Há também quem se surpreenda e fique feliz com a coincidência. ;Pessoas mais idosas, pioneiras, por se sentirem parte do sonho de JK, adoram quando eu falo meu nome. Admiram demais o presidente. Eu percebo a satisfação das pessoas, ganho a simpatia delas logo de cara. Recebo muito carinho;, relatou.
Um desses pioneiros é José Ari de Souza, 75 anos, paciente de Juscelino. Ele está em Brasília desde 1959 e chegou a trabalhar no Catetinho. ;Eu achava que o doutor era parente de JK. Tinha certeza. Mas se ele nega;;, contou, meio na dúvida. ;Os dois Juscelinos têm a simpatia em comum, o jeito de tratar as pessoas, bem de perto;, elogiou José Ari.
Juscelino atende, inclusive, membros da família Kubitschek. Sente-se honrado. ;Quando alguém me escolhe como médico, seja quem for, é como se eu fosse homenageado;, disse. Até a placa do carro do doutor leva as iniciais JKO. O médico, porém, é obrigado a ocultar o sobrenome famoso, a contragosto, às vezes.
No trabalho, por exemplo, assinar o nome completo já provocou equívocos. O médico escreve artigos com frequência e dá entrevistas sobre oftalmologia na televisão e em outras mídias. ;Quando a gente manda e-mail com sugestão de artigo, por exemplo, e o anexo vai com o título de ;Entrevista com Juscelino Kubitschek;, muita gente nem abre. Acha que é vírus. Para evitar confusão, nesses casos, eu assino Juscelino Oliveira.;
Em 1997, Juscelino Kubitschek de Oliveira conheceu Brasília. Ficou encantado pela dinâmica da cidade. ;É diferente de lugares maiores. Você encontra os amigos por acaso, vê a mesma pessoa várias vezes;, admirou-se. As tesourinhas, as superquadras, o Parque da Cidade. Tudo encheu os olhos do médico, que valoriza as qualidades e tenta esquecer os defeitos. ;Quem chega a Brasília dá de cara com um sonho, o sonho de Dom Bosco. É o encontro com o futuro, encontro de todos os brasileiros. Aqui eu me sinto bem, afagado. Eu me reencontro todos os dias em Brasília;, declarou-se.
Falar do céu de Brasília corre o risco de parecer um clichê, mas não quando é Juscelino quem o descreve: ;O céu parece não ter fim. Sinto-me seduzido;. Ao juntar Juscelino e sua Brasília, o diagnóstico não poderia ser outro: é um caso de amor, irremediável.