postado em 08/11/2010 08:31
Ao olhar-se no espelho, João Victor Santiago, 6 anos, faz a mesma pergunta à mãe, todos os dias. O menino quer saber por que ele é diferente dos irmãos. Não se enxerga igual aos coleguinhas da escola. É pequeno demais para entender a razão pela qual é alvo de olhares fixos quando passeia e brinca pelas ruas da cidade onde mora, Águas Lindas de Goiás, a aproximadamente 50km de Brasília. Os vizinhos, indiscretos, perguntam aos pais qual é o problema daquela criança. Tudo porque João Victor tem o olho esquerdo tapado pela pálpebra.Pode parecer simples, à primeira vista, mas não é bem assim. João sofre de ptose palpebral . A deformidade pode ser congênita ou adquirida. No caso dele, a família acredita na segunda opção. Até completar 3 anos, João não havia desenvolvido o problema, que vai além da estética. Desde então, os pais fazem uma peregrinação em consultórios de médicos públicos e particulares em busca de uma solução.
João Victor começa a ser alfabetizado. Sofre com as limitações impostas pelo problema. Gosta de desvendar as letras, as cores. Esforça-se em dobro para o aprendizado. Além da ptose, a criança convive com o estrabismo, um desvio dos olhos da direção correta, que pode prejudicar a visão para sempre.
A deficiência, mesmo sendo leve, começa a deixar marcas na vida do garoto. Na escola, João Victor foi chamado de cego pelos coleguinhas, em pleno Dia das Crianças, apesar de enxergar perfeitamente.
Em festas de aniversário, a alegria fica abafada pela vergonha do menino, na hora de cantar os parabéns, quando ele se vê no centro das atenções. ;Em alguns momentos, ele esquece. Mas na hora dos parabéns, no momento das fotos, é um problema. Ele nunca quer fazer porque o destaque vai todo para o olhinho caído;, lamenta a mãe, a dona de casa Adriana Sabino, 35 anos.
Em 2005, a família teve acesso ao consultório de um oftalmologista da rede pública, que diagnosticou o problema. O doutor, de acordo com relatos da família, não tocou no menino. ;Marcamos a consulta para as 10h. O médico chegou às 15h. Estava com pressa. Só deu uma olhada e encaminhou para o cirurgião;, relata o pai de João, o taxista Francisco Santiago, 34 anos.
Solução
Desde então, Francisco acredita que uma cirurgia é a única maneira de resolver o problema. Há dois anos, eles tentam a tal consulta com um cirurgião na rede pública de saúde. Fizeram até cartão do Sistema Único de Saúde (SUS). Não conseguiram sequer um encontro. ;Eu sei que existem pessoas com problemas muito mais graves, mais urgentes. Mas é duro você ver um filho crescer traumatizado por conta de uma coisa tão simples de resolver;, desabafa.
A família, porém, demonstra força. A situação afeta o orçamento, que já é bem reduzido. Os pais matricularam João em uma modesta escola particular do Entorno. Esperam protegê-lo com a atitude e encontrar professores preparados para lidar com as necessidades do filho. ;Nós temos feito de tudo. Até o que não dá;, diz Francisco, emocionado.
Mesmo com tantos esforços, problemas parecem ser inevitáveis. Pessoas, mesmo as adultas, riem do menino. Hoje, João Victor consegue ignorar. Tem muita energia acumulada, corre e sorri o tempo todo. No futuro, porém, o bullying pode trazer consequências. ;Tenho medo de que ele cresça agressivo ou sem confiar nele mesmo. Ou que esse problema tire dele opções de vida. Já vi muita gente ser dispensada do Exército, por exemplo, por coisa menor;, teme Francisco.
Abandono
Nem todo caso de ptose, porém, é cirúrgico. Enquanto não têm a certeza, os familiares vivem uma eterna espera. Segundo as pesquisas de Francisco, na rede particular, uma operação como essa custa entre R$ 2 e R$ 5 mil. Com o salário de taxista, o pai sustenta a família ; mulher e três filhos ;, mas não consegue ainda juntar dinheiro ou pagar à vista pela cirurgia. ;Trabalho no táxi de uma companhia. Todo dia, os primeiros R$ 80 que ganho em corrida vão para a empresa. Mesmo se eu não rodar, tenho que pagar. Então, não sobra.; O Correio entrou em contato com a Secretaria de Saúde, que garantiu uma consulta para João Victor, dia 10, no Hospital Universitário de Brasília (HUB).
O bairro Cidade do Entorno, em Águas Lindas, onde vive a família de João, parece estar fora do mapa. Ao andar pelas ruas, a sensação é de que aquele lugar foi esquecido. As calçadas enlameadas levam sujeira para dentro das casas, tornando o trabalho de homens e mulheres que limpam seus quintais ainda mais difícil. Nem mesmo um aparelho GPS, um localizador via celular, identificou o local.
O único hospital da região está sucateado. ;As pessoas esperam o dia todo e voltam sem atendimento. Não quero expor meu filho a tanta frustração;, explica o pai. ;A gente paga impostos e quando precisa de um retorno, fica sem saída.; Enquanto não entende a dimensão das dificuldades, João Victor vai vivendo a vida, brincando distraído com seus carrinhos e lápis de cor. Pinta o papel, inocente, e colore a própria vida.
O que é
Normalmente, as pálpebras cobrem os olhos até a parte do terço superior. A ptose palpebral ocorre quando a pálpebra superior está cobrindo o olho mais do que o normal. Quando se trata de causa congênita, o músculo responsável pela elevação da pálpebra perdeu essa função. Mas a anomalia também pode ser relacionada com o envelhecimento ou ter como causa cirurgias intraoculares ou de outra natureza. Em casos menos frequentes, a ptose pode ser, ainda, sintoma da manifestação de outras doenças ou da ação de medicamentos.