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Tio que ameaçou sobrinho com faca teve surto psicótico, argumentará defesa

Uma criança de 10 anos passou três horas como refém do tio, ontem, no apartamento onde mora com a família, em um prédio da Octogonal 7. Eram 7h quando o funcionário público de 31 anos, em um momento de descontrole, trancou-se com o sobrinho em um dos quartos do imóvel da irmã, que é mãe da vítima. Bombeiros e policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope) foram chamados para fazer o resgate. Depois de mais de duas horas de negociação, o homem liberou o sobrinho às 10h05 e se entregou. Ele será indiciado por crime de cárcere privado. Apesar do susto, a criança passa bem e não sofreu ferimentos.

Morador do Cruzeiro Velho, o funcionário público chegou à casa da irmã por volta da meia-noite da última terça-feira com um facão de mais de 50cm na mochila. Na alvorada desta quarta-feira, começou a gritar palavras desconexas e, com a arma na mão, prendeu o menino. Além da vítima e de sua mãe, estavam no apartamento o irmão do garoto, de 5 anos, a avó das crianças ; mãe do funcionário público ; e a empregada da família. A gritaria chamou a atenção de outros moradores, que acionaram a polícia. Familiares e vizinhos conseguiram tirar o garoto mais novo do apartamento.

Descontrole emocional
;Ele dizia que era Jesus e que tinha que salvar o mundo e a primeira pessoa que salvaria seria o sobrinho mais velho;, conta a síndica da quadra, Ana Gilda de Sá Carvalho. ;O tio não fazia ameaças diretas à criança. Mas a gente sabia que ele tinha um facão.; Segundo o capitão da PM Luciano André da Silveira e Silva, que comandou as negociações, o servidor público demostrou descontrole emocional durante todo o tempo em que manteve o sobrinho preso. ;Em alguns momentos ele se mostrava agressivo e, em outros, aberto à conversação. Dizia que teve uma visão e que teria que iluminar o mundo;, disse.

Surto
Depois de duas horas de conversa, o capitão conseguiu convencer o homem a soltar o sobrinho. A porta do quarto foi aberta e o menino saiu com o facão enrolado em um lençol. A criança estava assustada, mas sem ferimentos. Nesse momento, dois policiais do Bope subiram em uma escada de um caminhão, tipo Magirus, até a janela do apartamento do 6; andar para acompanhar os momentos de rendição. A operação envolveu 12 viaturas do Bope, uma da PM e três do Corpo de Bombeiros.

Levado à 3; Delegacia de Polícia (Cruzeiro), o funcionário público não prestou depoimento. Segundo o delegado-chefe, Aluízio Carvalho, ele não esclareceu nada sobre o ocorrido. ;Não mostrou arrependimentos e disse que não se lembra de nada. Não há indícios de que ele tenha consumido álcool ou drogas, mas ele será submetido a um exame no Instituto Médico Legal (IML);, afirmou. Ele será indiciado por cárcere privado com o agravante de a vítima ser menor. Se condenado, poderá pegar de dois a oito anos de prisão.

A mãe do algoz e avó da vítima chamou um advogado para defender o filho. A defesa quer provar que o cliente teve um surto psicótico (veja O que diz a lei) no momento em que fez o sobrinho refém. O acusado é descrito pelos vizinhos como uma pessoa discreta. Pelo que a família informou à polícia, é a primeira vez que o homem apresenta desequilíbrio emocional. Ele não tem passagem pela polícia. O chefe da 3; DP solicitou à Justiça um exame que ateste a sanidade mental do funcionário público. Ao deixar à delegacia e seguir para o IML, o acusado limitou-se a dizer: ;Digam às pessoas que Jesus voltou.;

O QUE DIZ A LEI

De acordo com o artigo 26 do Código Penal, está ;isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento;. O advogado do servidor público que fez o sobrinho refém na manhã de ontem argumenta que o cliente se enquadra nesse perfil, por isso não poderá ser condenado. São considerados inimputáveis (não suscetíveis de pena) os doentes mentais ou a pessoa que possua desenvolvimento mental incompleto ou retardado, e os menores de 18 anos. Os inimputáveis são isentos de pena mas, se doente mental, fica sujeito a medida de segurança e, se menor de 18 anos, fica sujeito às normas estabelecidas na legislação especial. Wanderley Leal Chagas, advogado do servidor público, argumenta que o cliente estava em surto psicótico no momento em que fez o sobrinho refém, por isso não poderia ser punido criminalmente.