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Mostra Arte em movimento, de Bárbara Lemos, pode ser vista até esta sexta

Depois de receber prognósticos nada animadores dos médicos, a jovem, portadora de necessidades especiais múltiplas, hoje leva uma vida além do comum

postado em 11/11/2010 08:21
Durante muito tempo, Bárbara Lemos guardou dentro de si um mundo só dela. Não podia falar, dançar, desenhar ou escrever para dividir com as outras pessoas o modo muito particular de enxergar e sentir a vida. Bárbara tem 32 anos. Desde o nascimento, é portadora de múltiplas necessidades especiais, decorrentes de uma paralisia cerebral. Enfrenta um desafio diário: transformar o que os outros consideram impossível em possibilidades inesgotáveis. Aos 23 anos, em sessões de terapia no Hospital Sarah Kubitschek, ela se descobriu.

Encontrou a própria linguagem e por meio das artes gráficas passou a comunicar-se como sempre desejou. Com a ajuda de um programa de computador, Bárbara tornou-se artista. Desenha telas coloridas, que alegram os olhos. Hoje, cria sem parar. Até amanhã, quem quiser conhecer o trabalho dela pode visitar o Centro de Ensino Supletivo da Asa Sul (Cesas), onde está em cartaz a exposição Arte em movimento. Há 30 quadros. Cada um deles conta um pouco sobre a artista e sua grande capacidade de amar e demonstrar satisfação em viver.

A ideia de mostrar aos desenhos ao público partiu da professora de artes Mônica Kokay. Mais de 100 visitantes já passaram por ali. A exposição tem um gosto especial para Bárbara e sua família. Quando nasceu, a menina recebeu diagnóstico fatalista vindo de um médico. Por conta de uma paralisia cerebral causada pela falta de oxigênio no momento do parto ; um erro médico ;, ela não poderia andar ou falar. Não se desenvolveria nem conseguiria levar uma vida feliz, nas palavras do doutor. ;O médico disse: ;Para a sua filha, a vida será cama, comida e banho;;, lembra a mãe de Bárbara, a artista plástica Fernanda Curado, 54 anos.

Depois de receber prognósticos nada animadores dos médicos, a jovem, portadora de necessidades especiais múltiplas, hoje leva uma vida além do comumInconformismo
Depois de chorar durante uma semana, a mãe resolveu se reerguer. Fernanda, que nunca foi de se conformar com imposições cruéis, visitou diversos consultórios em Brasília. Ouviu opiniões diferentes. Foram 20 anos de fonoaudiologia e fisioterapia. Na peregrinação em busca de melhoras, passou por São Paulo, Rio de Janeiro e planejava ir aos Estados Unidos. Mas não seria o ideal. ;Nossa família estava desmembrada. Voltamos para Brasília e para o Sarah (Hospital Sarah Kubitschek);, lembrou Fernanda, que chegou a ouvir de um médico que era louca por insistir tanto assim.

Aos 12 anos, Bárbara deu os primeiros passos, com o apoio de muletas. Começou a provar que aquela previsão pessimista estava errada. Na mesma época, começou a frequentar a escola. Três anos depois, estava alfabetizada. Bárbara passou a entender os comandos do computador. Iniciou então as aulas de arte gráfica no Sarah. O que a princípio seria apenas um exercício revelou um talento. ;Mesmo sendo artista plástica, eu nunca influenciei a Bárbara. A gente nem desconfiava dessa habilidade;, conta Fernanda. O primeiro desenho que ela fez foi uma bicicleta. Apontou para a imagem e fez um pedido à mãe em somente uma palavra: ;Compra;.

Depois de receber prognósticos nada animadores dos médicos, a jovem, portadora de necessidades especiais múltiplas, hoje leva uma vida além do comumFernanda nunca havia imaginado o desejo da filha ; que não anda, fala ou movimenta os membros com perfeição ; de ter uma bicicleta. ;Eu sabia que não poderia ser uma bicicleta comum, porque ela cairia. Mas tinha de haver uma opção. Nós estávamos na praia, bem longe daqui, quando vi uma pessoa andando em um triciclo. Comprei um igual e a Bárbara passeou para todo lado.;

O computador funciona para Bárbara como uma porta que dá acesso ao mundo. As limitações dela são mais motoras que cognitivas. ;Ela pesquisa fotos na internet, associa as imagens ao conteúdo das aulas. Até nas provas, ela usa os desenhos. Faz equações, sequências de soma e subtração. É ótimo trabalhar com ela porque a resposta é sempre imediata;, elogiou a professora de ciências naturais do Cesas, Silvia Roncador.

Bárbara gosta de desenhar sozinha. Tem incontáveis arquivos guardados em CDs e pen drives. Nem a mãe conhece todos. ;A Bárbara me dá lições o tempo todo. Ela mostra para as pessoas que elas precisam acreditar, lutar. Todos nós temos algo em que somos bons;, disse Fernanda.

Vendas
Depois de receber prognósticos nada animadores dos médicos, a jovem, portadora de necessidades especiais múltiplas, hoje leva uma vida além do comumDos 30 quadros selecionados para a exposição, 23 já foram vendidos, mas permanecem ali até o fim da mostra. O preço varia entre R$ 50 e R$ 85. A menina que para o médico não passaria de cama, comida e banho hoje ganha até dinheiro trabalhando. Em casa, no Lago Norte, arruma a própria cama, dobra as suas roupas, toma banho sozinha.

Aos sábados, vai ao salão de beleza dirigindo a cadeira de rodas que obedece a comandos especiais. Faz escova, unha, depilação, pinta os cabelos. É a alegria do lugar. Vaidosa, gosta de brincos e anéis. Sente-se uma bela mulher. ;Estou preparando a Bárbara para viver sem precisar de ninguém. Eu e o pai dela não somos eternos;, destaca Fernanda.

Hoje, ao olhar para Bárbara, a mãe sorri, aliviada. ;Eu tive estrutura familiar e financeira para correr atrás de mudanças. Fico imaginando quem tem um filho assim e ouve uma coisa dessas de um médico e não pode fazer tudo que eu fiz. Só tenho um conselho a dar: por pior que seja o diagnóstico, não acredite, não se conforme. Aquilo não é absoluto.; Esta semana, a artista recebeu convite para fazer uma nova exposição, em uma faculdade. Bárbara é assim, tem mania de surpreender.

Confira
Arte em movimento. Exposição de Bárbara Lemos.
Local: Centro de Ensino Supletivo da Asa Sul (Cesas), na Quadra 602 (via L2). Aberta ao público. Visitação: das 8h às 22h. Até amanhã.

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