Renato Alves
postado em 12/11/2010 07:36
Investigadores da Polícia Civil do Distrito Federal têm provas da relação dos mafiosos chineses que atuam em São Paulo com os compatriotas donos de bancas na Feira dos Importados. Dois dos asiáticos que ligam os grupos baseados na capital paulista e em Brasília estão entre os 30 detidos na Operação Hai-Dao, desencadeada na quarta-feira. Eles organizavam as viagens e a distribuição das mercadorias piratas, trazidas da China em navio.A dupla chinesa apontada como líder da máfia em Brasília controlava boa parte das bancas ocupadas por asiáticos na feira do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). Para enganar a fiscalização e dificultar investigações, os comerciantes chineses faziam rodízio nos pontos da Feira dos Importados e passaram a usar brasileiros como vendedores e laranjas. Também vinham arrancando as placas de identificação das bancas, que trazem o número e o setor.
O esquema criminoso e os nomes dos seus protagonistas estão em relatório da Divisão de Combate ao Crime Organizado (Deco) da Polícia Civil, ao qual o Correio teve acesso. Ele aponta Chein Baomin, 45 anos, como um dos dois líderes da máfia no DF. Agentes o prenderam em flagrante na manhã de quarta-feira, em casa, na Quadra 605 do Cruzeiro Novo. Além de moradia, o apartamento onde Baomin mora com a mulher e o filho, também chineses, servia de depósito para produtos piratas.
No imóvel alugado pela família Baomin há cerca de um ano, os policiais apreenderam 3.360 óculos e 700 relógios falsificados. O chinês ainda estava com R$ 12.332 em espécie. A mulher e o filho dele também são apontados como integrantes do bando. Em toda a operação de quarta-feira, os policiais recolheram cerca de 40 mil produtos pirateados, além de dólares e euros. Tudo estava em depósitos no Cruzeiro, em Águas Claras e na Asa Sul.
Origem e distribuição
A investigação que culminou na Operação Hai-Dao - que significa pirataria em mandarim, dialeto chinês - se baseia, entre outras provas, na filmagem dos chineses que moram e atuam no DF. Agentes flagraram todo o esquema, da chegada dos produtos ao Brasil à distribuição em São Paulo, além do transporte por rodovias até a venda na Feira dos Importados. E, nesse acompanhamento, os agentes identificaram Baomin e outro colega - que tem o nome mantido sob sigilo - viajando frequentemente à capital paulista.
As mercadorias piratas vendidas em Brasília são produzidas na China, chegam ao porto de Santos (SP), são levadas para São Paulo e lá distribuídas a gerentes da máfia chinesa de várias partes do Brasil. No caso dos asiáticos que moram na capital federal, alguns são escalados para buscar os produtos em ônibus de carreira. "Tudo é muito organizado. As viagens são feitas com a mesma regularidade e os produtos entregues em São Paulo, numa mesma distribuidora", conta o delegado Giancarlos Zuliani Jr., da Deco.
Os piratas não usam ônibus fretados nem carros particulares para driblar a fiscalização. "É um trabalho de formiguinha. Cada chinês traz, em média, quatro ou cinco caixas e desce em Luziânia (GO), onde toma um táxi. Se estiverem em um carro próprio e forem pegos pela Receita, perdem o veículo, além dos produtos", explica o delegado. Ao atravessar a fronteira Goiás-Distrito Federal, os chineses seguem direto para as casas dos compatriotas, onde deixam a mercadoria de cada um.
Laranjas brasileiros
Uma iniciativa tomada pelo GDF no ano passado facilitou a ação dos piratas. Na época, a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) vendeu as mais de 2,1 mil bancas da Feira dos Importados aos ocupantes, sem licitação. Com isso, o espaço público passou a ser privado, e os feirantes puderam vender seus pontos. Logo os chineses expandiram seu domínio. Somente Chein Baomin, por exemplo, tem quatro bancas no nome dele.
Diferentemente de quando começaram a se instalar na feira, os chineses passaram a deixar apenas brasileiros nas bancas. Outra estratégia para dificultar as investigações. "Eles fazem isso para chamar menos atenção. Quem está na banca responde pela mercadoria e, em caso de flagrante, pelo crime. Em setembro, por exemplo, flagramos uma situação assim e a brasileira acabou recendo multa milionária da Receita Federal que dificilmente terá condições de pagar", alerta o delegado Giancarlos Jr.
O rodízio de bancas também se tornou frequente entre os chineses. "É comum uma banca ter uma dupla e vender bolsas num ponto e, no outro, ter outros dois asiáticos com relógios, por exemplo. Eles fazem isso porque sabem que estão sendo investigados. Querem nos confundir", revela o delegado que combate o crime organizado no DF.
LAVAGEM DE DINHEIRO
Como fizeram em Ciudad del Este, no Paraguai, chineses radicados em Brasília têm aberto pequenas empresas para lavar o dinheiro da pirataria. E esse é um dos alvos da investigação da Divisão de Combate ao Crime Organizado (Deco) da Polícia Civil do Distrito Federal. Na Operação Hai-Dao, além de dinheiro e da mercadoria falsificada, os agentes apreenderam documentos nos imóveis onde moram os 30 asiáticos levados para depor na quarta-feira.
Em uma análise preliminar, os investigadores da Deco descobriram que os dois homens apontados como líderes dos piratas têm empresas de importação e exportação no nome deles. Mas os agentes também querem saber se eles e os compatriotas já possuem outros negócios, como postos de gasolina e restaurantes, a exemplo do que fizeram os chineses de Ciudad del Este.
Na cidade paraguaia, o entreposto muambeiro na fronteira com Foz do Iguaçu (PR), os chineses recebem as instruções e o apoio para entrar no Brasil. Quando atravessam os limites entre os dois países sul-americanos, dividem-se entre Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Na capital do país, as mercadorias ilegais, também vindas do Paraguai, chegam em vans e carros nas madrugadas. A distribuição é rápida para não chamar a atenção da polícia e da vizinhança do Cruzeiro Novo.
Na divisa com o Brasil e a Argentina, Ciudad del Este é responsável por metade do Produto Interno Bruto (PIB) paraguaio e terceira maior zona de comércio franca do mundo (após Miami e Hong Kong). De lá sai parte dos produtos piratas fabricados em países asiáticos e vendidos no Brasil.
Chefões
A Polícia Civil também procura elementos para identificar com qual dos grupos da máfia chinesa os asiáticos moradores do DF têm ligação. O mais famoso dos chefões criminosos no Brasil é o chinês Law Kin Chong, tido como o maior contrabandista do país. Outro chefe da máfia chinesa é Li Kwok Kwen, conhecido como Paulo Li. Ambos moravam em São Paulo, onde estão presos. "Ainda não temos como afirmar a quem os chineses daqui estão ligados. Mas é certa a relação com a máfia chinesa", garante o delegado Giancarlos Zuliani Jr., da Deco.