Ana Maria Campos
postado em 13/11/2010 07:13
Levando em conta outra frente da investigação relacionada ao suposto envolvimento dos promotores de Justiça Leonardo Bandarra e Deborah Guerner nas denúncias relacionadas à Operação Caixa de Pandora, o procurador regional da República Ronaldo Albo ajuizou nova denúncia contra os dois integrantes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A ação foi protocolada às 16h27 de ontem no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1; Região, mas tramita sob segredo de Justiça e o teor da acusação não foi revelado pelo Ministério Público Federal (MPF). Esse é o segundo processo nas mãos do desembargador federal Antônio de Souza Prudente sobre o caso. Na semana passada, ele recebeu em seu gabinete a ação contra Bandarra e Deborah por concussão (quando um servidor público usa o cargo para obter vantagem), formação de quadrilha e violação do sigilo funcional.Na primeira denúncia, Albo tratou do suposto vazamento de informações sobre as buscas e apreensões que seriam realizadas pelo MPDFT e pela Polícia Federal para apurar supostos desvios de recursos de contratos de empresas de informática e lavagem de dinheiro, tendo como um dos alvos Durval Barbosa. Os promotores são investigados também por favorecer prestadoras de serviço de coleta de lixo e por suposta extorsão ao ex-governador José Roberto Arruda. Em depoimento prestado ao procurador Ronaldo Albo, Arruda disse que, semanas antes da deflagração da Operação Caixa de Pandora, em novembro de 2009, Deborah ameaçou divulgar a gravação em que ele aparecia recebendo dinheiro das mãos de Durval. Arruda poderia evitar a exposição pública caso se dispusesse a pagar por isso. Nesse depoimento, prestado em julho, o ex-governador disse que alertou Bandarra sobre a extorsão cometida pela promotora.
Parte das provas incluídas nas ações foi produzida pela própria Deborah. Câmeras de segurança dentro e fora da casa da promotora registraram encontros, conversas e situações suspeitas. As imagens foram obtidas pelo Ministério Público em busca e apreensão realizada na residência de Deborah, no Lago Sul. Uma das gravações registrou diálogo entre Deborah e o marido, Jorge Guerner, em 29 de novembro, dois dias depois da Operação Caixa de Pandora. Eles falam sobre a possibilidade de a PF vasculhar a casa deles no bojo da investigação. Por isso, o casal discute como usar e esconder dinheiro que mantinha em cofre no escritório da casa (veja Transcrição). De fato, a pedido do procurador Ronaldo Albo, a PF esteve duas vezes no imóvel no Lago Sul, onde encontrou dois cofres, um deles enterrado no jardim, o outro num fundo falso. O casal guardava dinheiro, documentos e gravações.
Bope
De acordo com depoimentos prestados por Durval Barbosa, Deborah Guerner era o contato que mantinha para ter informações sobre investigações do MPDFT obtidas graças ao cargo estratégico exercido por Bandarra como procurador-geral de Justiça do DF até julho. Durval entregou um telefone pelo qual se comunicava com a promotora, usando codinomes e diálogos cifrados. Segundo a denúncia ajuizada, ele chamava Deborah de ;missionária; e se identificava como ;pastor;. Bandarra seria ;Fernando; e ;Ricardo; seria a senha para identificar Arruda. Com as pessoas próximas, Durval se referia aos promotores que de fato exerciam suas funções como ;Bope;.
Na última segunda-feira, o Conselho Superior do Ministério Público do DF e Territórios aprovou requerimento para que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) afaste os dois promotores do trabalho enquanto durarem as investigações. Albo também pediu ao relator do caso no TRF, Antônio Prudente, o afastamento cautelar dos dois promotores, sem prejuízo dos salários, enquanto as denúncias estiverem em tramitação. O conselheiro do processo administrativo disciplinar no CNMP, Luiz Moreira, ainda não tomou nenhuma providência sobre o pedido do Conselho Superior do MPDFT e só deverá tratar do assunto quando concluir o trabalho de investigação sobre a conduta dos dois.
Bandarra sustenta que manteve com Deborah uma relação profissional, como colegas da mesma instituição. O ex-procurador-geral de Justiça afirma que não há nenhuma prova das denúncias feitas por Durval e que elas seriam uma forma de atingir a imagem dele e do Ministério Público, uma vez que a instituição é responsável por vários processos que correm na Justiça contra o ex-secretário de Relações Institucionais do GDF. Deborah Guerner não comenta o assunto e, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a promotora ainda questiona o trabalho de seu acusador.
HABEAS CORPUS
Em pedido de habeas corpus, Deborah sustenta que medidas foram adotadas pelo procurador regional da República Ronaldo Albo sem autorização da Justiça, como estabelece a lei para processos com foro especial. Com base nesse argumento, a relatora do caso no STJ, ministra Laurita Vaz, deferiu liminar que suspendeu o depoimento de Deborah e do marido dela ao MPF.
"Atitudes estranhas"
Na primeira denúncia, o procurador regional da República Ronaldo Albo apontou atitudes que considerou ;estranhas e não condizentes; ao cargo de procurador-geral de Justiça do DF que teriam sido praticadas por Leonardo Bandarra nos contatos com a promotora Deborah Guerner. São elas:
; Ao chegar de moto numa visita ao casal Guerner, Bandarra se preocupava em colocar e retirar o capacete dentro da casa, aparentemente para evitar ser reconhecido por alguém do
lado de fora;
; Dentro do escritório na casa do casal Guerner, ele sempre se preocupava em desligar os seus aparelhos celulares e retirar as baterias. Bandarra falava no ouvido de Deborah, dificultando a captação do diálogo travado entre eles e registrado no circuito interno da residência;
; Bandarra permitia o uso de um aparelho bloqueador de celular dentro do escritório do casal Guerner, para evitar que o telefone fosse rastreado ou usado como uma espécie de microfone para captar diálogos. O equipamento teria sido doado a Deborah por Durval Barbosa e, depois, apreendido em busca pela Polícia Federal. Segundo a denúncia, o uso do bloqueador é proibido.
Transcrição
Leia trecho de um diálogo travado entre o casal Deborah e Jorge Guerner, em 29 de novembro do ano passado, dois dias depois da Operação Caixa de Pandora. A conversa foi registrada pelo circuito interno da residência e encontrada pela Polícia Federal seis meses depois. Eles desconfiam de que seriam alvo de busca e apreensão, o que de fato ocorreu:
; Jorge ; É isso que eu digo: por exemplo, esses dois aqui, tem 55, tem 90 a 100 mil aqui. Esses dois são dinheiros quentes, que tirou da conta do Banco do Brasil. Esse pode ficar aqui no cofre para chamar atenção pros ;cara; pensar que tem dinheiro e levarem. Esse vai voltar. Entendeu o que eu tô falando? Esse dinheiro; Esse dinheiro tá comprovado que retirou.
; Deborah ; Então deixa esse aí e vamos pagar com os outros, né?
; Jorge ; É lógico! Aí o que acontece? A gente deixa esses, se eles acharem esse aqui num cofre, vou botar esses no cofre e esse no outro. Se eles acharem, pensam que a gente só tem esse dinheiro. E, aí, o que é que acontece? Eles não procuram mais nada. Entendeu o que eu tô falando? Ou não?
Torpedos virtuais
No inquérito da PF, também está registrada a troca de torpedos em dois telefones que seriam usados apenas entre Durval Barbosa e Deborah Guerner. Nas mensagens, Deborah seria a ;missionária;, Durval é apontado como ;pastor; e a residência do casal Guerner seria ;igreja;.
Mensagens que partiram do telefone usado por Durval
30 de setembro de 2008, às 16h29
; ;Missionária, a Bíblia está completa. Foi entregue na sua casa hoje, ao meio, agora estou querendo as fervorosas orações. Não estou recebendo os livramentos.;
4 de outubro de 2008, às 10h56
; ;Tem algum trabalho bíblico que eu não esteja sabendo? Tem movimentação dos diáconos com medo dos castigos do Senhor. Busque a verdade pregada.;
7 de outubro de 2008, às 17h31*
; ;Gostaria de melhor vigilância. O pessoal do Bope tá solto. O Ricardo tá fazendo terror em nome do Fernando. Pastor;
Do telefone que seria de Deborah para o de Durval
7 de outubro de 2008, às 16h55
; ;Pastor, você está precisando de ajuda? Conte com seus protetores espirituais. Missionária;
* Fernando seria Leonardo Bandarra e Ricardo é apontado como o ex-governador José Roberto Arruda. O Bope seria o Ministério Público.