As mães de Luziânia caíram no esquecimento. Seis meses após terem enterrado seus filhos, as mulheres mais guerreiras do município goiano ; distante 66km de Brasília ; levam uma vida sombria e cheia de limitações. Ainda assim, há aquelas que conseguem dar continuidade à rotina, trabalhando e dedicando tempo aos afazeres domésticos e aos filhos. Outras amargam problemas de saúde, como a depressão.
Aldenira, Sônia, Cirlene, Mariza, Valdirene, Maria Lúcia e Benildes ficaram conhecidas pelo país afora depois de enfrentar o drama da morte dos filhos, assassinados brutalmente por um maníaco. O desaparecimento dos jovens uniu as sete mulheres para sempre. Até então, elas não se conheciam. A luta para encontrar os meninos que sumiram misteriosamente atraiu olhares e solidariedade de diversos cantos do país.
O sumiço dos jovens de Luziânia começou em dezembro de 2009. Diego Alves Rodrigues, 13 anos, Márcio Luiz de Souza Lopes, 19, George Rabelo dos Santos, 17, Fábio Augusto dos Santos, 14, Divino Luiz Lopes da Silva, 16, Paulo Victor Vieira de Azevedo Lima, 16 e Eric dos Santos, 15, desapareceram misteriosamente. Depois de o caso chegar à imprensa e com o apoio da Polícia Federal, as investigações apontaram o envolvimento do pedreiro Ademar de Jesus Silva, que confessou as mortes. Ele se suicidou em uma cadeia de Goiânia em abril, logo após ser detido.
O caso ganhou espaço no noticiário policial dos principais jornais do Brasil durante cinco meses. Os passos das ;mães de Luziânia; ; como ficaram conhecidas ; eram acompanhados por jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas diariamente. Com os holofotes direcionados para elas, não foi difícil encontrar espaço em agendas de autoridades, como políticos interessados em pegar carona na popularidade dos familiares das vítimas.
Promessas surgiram de todas as partes. De doações de cestas básicas à possibilidade de ganhar a casa própria. Houve ainda políticos que propuseram a criação um fundo de amparo às famílias de vítimas de violência. Mas tão logo o assunto dos sete jovens caiu no esquecimento ; depois da descobertas dos corpos e da prisão do maníaco ; as autoridades políticas saíram de cena. Os telefones que antes não paravam de tocar, agora raramente recebem ligações. Uma assistente social da Prefeitura de Luziânia chegou a virar o rosto ao cruzar com uma das mulheres.
O descaso não para por aí. O nome das mães ainda está na lista de espera por um benefício concedido pelo Centro de Referência de Assistência Social (Creas) a famílias carentes do município, apesar das inúmeras promessas de que a assistência estaria garantida para todas. ;As mães que estiverem precisando de ajuda podem procurar o Creas. E as que forem cadastradas vão receber o cartão Renda Cidadã na próxima semana;, assegura o secretário de Promoção Social do município, Jauri Francisco de Souza.
A polícia também é alvo de críticas das sete mães que perderam os filhos para a violência. Nem o inquérito policial ficou pronto ainda, mesmo com a investigação concluída pela Polícia Federal. Segundo o promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás Ricardo Rangel, o que atravanca o desfecho do caso é o laudo cadavérico de Diego Alves Rodrigues, uma das vítimas. ;O IML de Luziânia prometeu me entregar o exame, mas ainda não recebi nada. A demora é uma realidade de todo o Entorno do Distrito Federal, não só daqui;, explicou Rangel. Para o promotor, o caso está concluído. Ele não acredita na participação de uma segunda pessoa no crime. ;O trabalho da Polícia Federal foi muito bem executado;, avaliou.
O delegado-chefe do Departamento de Polícia Judiciária de Luziânia, Josuemar Vaz, disse que o inquérito não foi encerrado porque falta concluir algumas perícias. ;Não há elementos que comprovem a participação de uma outra pessoa. Ele (Ademar) agiu sozinho;, garante o policial. Uma das queixas das mães das vítimas é a morte misteriosa do maníaco. A responsabilidade foi investigada pelo Ministério Público de Goiânia, porém ninguém chegou a ser punido. ;É muito estranho: o cara se mata e ninguém vê nada. Para mim, isso foi queima de arquivo;, desabafou Sônia Vieira Azevedo Lima, 46 anos, mãe de Paulo Victor Vieira, 16, que desapareceu em 4 de janeiro.
Memória
Crime brutal chocou o país
Em 16 de janeiro deste ano, o Correio Braziliense publicou, com exclusividade, a primeira reportagem sobre o caso dos desaparecimentos de jovens no bairro Estrela Dalva, em Luziânia. A matéria destacou o clima de medo que rondava a cidade que, à época, já registrava o sumiço de Diego Alves Rodrigues, 13 anos; Paulo Victor Vieira de Azevedo Lima, 16; George Rabelo dos Santos, 17, e Divino Luiz Lopes da Silva, 16. Dois dias depois, seria a vez da quinta vítima, Flávio Augusto dos Santos, 14 anos, deixar a casa da família para nunca mais voltar. Em 22 de janeiro, Márcio Luiz de Souza Lopes,19 anos, tornou-se o sexto jovem a desaparecer em Luziânia.
Depois das primeiras reportagens do Correio, o caso ganhou repercussão nacional e mobilizou parlamentares e até o Ministério da Justiça. As investigações, comandadas pela Polícia Civil de Goiás, receberam o reforço da Polícia Federal. Em 20 de março, mais uma vez, o jornal foi o primeiro a revelar a notícia de mais um sumiço. Tratava-se de Eric dos Santos, 15 anos, que saiu de casa, no bairro Santa Fé, para dar aulas de dança. Em 10 de abril, a polícia prendeu o pedreiro Ademar de Jesus Silva, 40 anos, que confessou os crimes.
No dia seguinte, o homem acompanhou os investigadores até a Fazenda Buracão, distante 1,8 km de Luziânia, e indicou o local onde havia enterrado os corpos. Os restos mortais recolhidos no local foram encaminhados para o Instituto Médico Legal, onde, por 30 dias, foram periciados. Em 18 de abril, oito dias depois de ser preso, Ademar de Jesus Silva suicidou-se em uma cela de 6m; do complexo da Polícia Civil em Goiânia (GO). Os agentes encontraram o pedreiro morto com uma tira no pescoço feita com o pano que envolvia o colchonete.
A série de reportagens sobre o desaparecimento e morte dos adolescentes de Luziânia rendeu ao Correio Braziliense o prêmio Imprensa Embratel, na categoria Centro-Oeste. O troféu foi entregue à equipe responsável pelas matérias, liderada pelo jornalista Ary Filgueira.
Em busca de indenização
Ao contrário de algumas mulheres que enfrentam muita dificuldade para se reerguer depois da tragédia, a mãe de Paulo Victor Azevedo Lima não se entrega. Sônia Vieira Azevedo Lima, 46 anos, organiza passeatas. Está sempre em contato com as outras mães: ora para ajudar com recursos, ora para cobrar mais empenho das autoridades. Nos momentos de depressão, ela busca forças para continuar a caminhada. Sônia quer a conclusão do inquérito policial. Somente com ele pronto, pode ingressar com uma ação de indenização contra a Justiça do Distrito Federal, que concedeu progressão da pena para o maníaco Ademar de Jesus Silva. Ele recebeu o benefício apesar de só ter cumprido quatro anos da pena de 14 anos de prisão por abusar de dois menores de idade no DF.
Quanto à conclusão das investigações, Sônia acha a decisão prematura. Disse não acreditar que Ademar tenha agido sozinho. ;Ele não pode ter feito tudo aquilo sem a ajuda de ninguém. Nada me tira da cabeça que meu filho e os demais foram mortos para que seus órgãos fossem vendidos ilegalmente;, disse. O suicídio do maníaco também trouxe desconfianças. ;Ficou muita coisa sem explicação. Por que ele se matou? E como ninguém viu?;, questiona.
Se estivesse vivo, Paulo Victor teria hoje 17 anos. O aniversario do jovem ocorreu justamente no dia em que se homenageiam os mortos: 2 de novembro. ;No ano passado, eu comprei presente para ele. Este ano, flores;, lamentou. Sônia também faz uso de antidepressivos. E admite: ;Tem dias que me dá vontade de sumir. Mas preciso continuar, porque meu filho me via como uma guerreira;.
Dificuldade para reagir
Para Aldenira Alves de Souza, 52 anos, o sofrimento não acabou. Diego Alves Rodrigues, 13 anos, foi o primeiro a desaparecer, em 30 de dezembro de 2009. Mas, até hoje, o laudo cadavérico do rapaz ainda não ficou pronto. O Instituto de Medicina Legal (IML) de Luziânia não recebe Aldenira, nem dá explicações. ;Sumiram todos: políticos, prefeito, assistentes sociais. Estamos desamparadas;, disse a ex-costureira, que largou o emprego assim que soube da morte do filho. ;Tudo em minha vida parou;, admitiu.
Segundo ela, a assistência social da Prefeitura de Luziânia prometeu ajudá-la, pelo menos na compra de remédios para depressão. Uma caixa com 60 comprimidos custa R$ 65. Nem isso conseguiu do município. ;Não tenho ânimo para nada. Sem esses comprimidos, não consigo viver;, desespera-se. Com quatro quilos a menos, Aldenira diz que não tem mais prazer em viver. ;Já venci muitas batalhas. Mas essa, não estou dando conta;.
Sem renda, Aldenira depende da caridade dos filhos: ;Um dia, almoço na casa de um; janto na casa de outro. É assim que eu tenho vivido;. Apesar da dificuldade, nunca atrasou uma prestação do computador que comprou a prazo para Diego. Este mês, pagou a última parcela. ;O quarto dele continua do mesmo jeito. Não tirei nada;, afirmou. Mesmo com a conclusão do laudo de DNA, que confirmou ser de Diego a última ossada encontrada na Fazenda Buracão, até hoje ela não acredita no que aconteceu.