Cidades

MPDF vai buscar informações sobre o surto no Hras

No fim de semana, três crianças morreram, mas nenhuma estava na UTI

postado em 15/11/2010 08:01

As mortes de recém-nascidos no Hospital Regional da Asa Sul (Hras) serão investigadas pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A situação no centro de saúde é considerada preocupante pela própria equipe médica da unidade, conforme laudo divulgado com exclusividade ontem pelo Correio. O deficit de funcionários, a falta de material básico e a superlotação da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal facilitaram a propagação de bactérias que tiraram a vida de 11 bebês em 40 dias. Outros seis permanecem isolados, com diagnóstico de infecção confirmado.

Assim que o surto foi divulgado, na última sexta-feira, o promotor Jairo Bisol, titular da Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos da Saúde (Prosus), começou a reunir informações sobre os casos. Amanhã, a investigação será aberta oficialmente no MP. O promotor já entrou em contato com representantes da Secretaria de Saúde e pretende ir ao hospital conversar com o diretor da unidade, Alberto Henrique Barbosa. ;Precisamos entender o porquê dessas mortes. Evidentemente, há uma relação entre elas e os problemas de gestão do sistema público;, disse Bisol ao Correio.

O risco de infecção, sustentou o promotor, ronda qualquer UTI. Ele explica que as chances de propagação de bactérias são ;inerentes; a lugares em que há procedimentos de alta complexidade. ;No entanto, os protocolos têm de ser respeitados;, ponderou Bisol. ;E a gente sabe como a rede pública enfrenta dificuldade de abastecimento. O sistema de compras estava completamente desorganizado;, acrescentou. Até o fim desta semana, o diretor do Hras espera receber todos os pedidos de insumos feitos com urgência à Secretaria de Saúde.

Novos casos
No início da manhã de ontem, uma criança de nove meses morreu no Hras. Ela não estava na UTI neonatal, onde se constatou a propagação de três bactérias: Estafilococos, Serratia e Klebsiella. Foi a terceira morte de bebê do fim de semana, segundo o diretor. Em outubro, de acordo com ele, 18 recém-nascidos perderam a vida no hospital, sem estarem infectados. ;Não é porque a criança morre que há relação com as bactérias. E não é porque ela pegou infecção que ela vai morrer;, comentou Barbosa.

Apesar da negativa do chefe da unidade de saúde, familiares da criança suspeitam que a morte possa ter relação com o surto. Ela chegou ao hospital há dois meses, com gripe. Era a primeira filha de uma casal que mora e trabalha em uma casa no Lago Sul. A mãe é diarista e o pai, jardineiro. ;Essas mortes não podem continuar. Alguém tem que fazer alguma coisa para evitar mais sofrimento;, disse um tio.

Os pais, muito abalados, não quiseram falar com a reportagem, nem disseram seus nomes. Uma irmã da mãe da bebê, que a acompanhou nos fins de semana, contou que os profissionais do hospital não tinham cuidado com a higiene. ;Não sei se a morte da minha sobrinha tem a ver ou não com essa infecção. Mas que há falhas, há. Um dia deram uma injeção nela (no bebê) e sangrou tudo, até o lençol da cama. Eles não se preocupavam em limpar direito;, disse.

Vulneráveis
A infectologista Silvia Figueiredo Costa, professora da Universidade de São Paulo (USP), lembrou que os recém-nascidos são muito mais vulneráveis: ;Devido à fraqueza do organismo, qualquer infecção pode levar à morte;. Ela explicou que as bactérias Klebsiella e Serratia, encontradas no Hras, são multirresistentes e os bebês não possuem defesa contra elas. ;Se houve um surto dos três tipos de bactérias, esse é um fato muito raro. Normalmente, a propagação envolve apenas um tipo;, completou.


De acordo com Silvia, as dicas básicas de prevenção valem para combater todos os microorganismos. ;Materiais como álcool em gel, sabão, luvas e aventais são indispensáveis para os profissionais de saúde que lidam com crianças hospitalizadas;, enumerou. O tratamento é feito à base de antibióticos. A infecção por Serratia costuma estar associada a pneumonias e a septicemias. A Estafilococos, por sua vez, é encontrada na pele e a transmissão pode ocorrer pelo contato com os bebês.

O governador eleito Agnelo Queiroz (PT) comentou ontem a situação no Hras. Segundo ele, falta ;administração de risco; na rede pública de saúde do DF. ;Unidades como o Hras, referência no atendimento a crianças, precisam de atenção especial. No meu governo, não permitiremos que um centro de saúde chegue a condições precárias como nesse caso;, comentou, antes de alfinetar o atual governador, Rogério Rosso. ;Em vez de reformar os centros de saúde, os recursos do governo deveriam ser aplicados em situações mais urgentes, como essa;, disse. ;Os hospitais precisam ser prioridade permanente;, justificou.

A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, colegiado responsável pela análise e fiscalização de temas relacionados à saúde na Casa, debaterá na reunião da próxima quarta as mortes no Hras. O deputado Lael Varella (DEM-MG) afirmou que levará o tema para a comissão e poderá apresentar requerimento convocando autoridades responsáveis para apresentar um panorama da situação das UTIs neonatais no país. O parlamentar criticou a falta de investimentos em saúde no Brasil. ;A saúde está um caos. Todos os hospitais estão caindo aos pedaços, a UTI neonatal não é diferente disso. Tem dinheiro para tudo no governo, menos para a saúde;, afirmou o parlamentar.

Colaboraram Rebeca Ramos, Larissa Leite e Josie Jeronimo

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