Adriana Bernardes
postado em 16/11/2010 08:01
O sofrimento e a indignação de quem perde um parente ou amigo nessas circunstâncias são óbvios. O que nem sempre fica claro é a devastação que uma tragédia como essa pode provocar na vida dos parentes de quem é responsabilizado pela morte alheia pela irresponsabilidade de dirigir após ter bebido.Em uma casa simples de Santo Antônio do Descoberto (GO), a profundidade das palavras de Fabrícia (nome fictício), de apenas 12 anos, destoa da sua pouca idade. Dos casos listados pelo Correio, o pai dela é o único condenado pela Justiça por ter se envolvido em um acidente fatal, em 2008, em que três pessoas morreram, sendo duas crianças.
A menina diz que o convívio com o pai jamais será o mesmo. ;Quando ele sair da prisão, não será o mesmo homem. E nós não seremos mais aquelas meninas pequenas com quem ele brincava na rua e ensinava os deveres de matemática;, afirma, com a voz embargada, porém firme. Durante a entrevista, Fabrícia comenta que não era tão apegada ao pai quanto a irmã mais velha, Marcela*, 17. Mas conta que sofreu muito quando a irmã completou 15 anos e o pai não estava na festa.
Quando Marcela fez aniversário, havia três meses que o pai estava preso. Ela, que sempre sonhou com uma festa, não queria comemorar. Mas a mãe e os familiares a surpreenderam com uma comemoração surpresa. ;Eles alugaram um carro de som e colocaram a música do Rick e Renner chamada Filha. Foi triste, mas também foi feliz porque naquele momento eu senti todo o amor do meu pai.;
A mãe das garotas, Maria*, 41 anos, houve o relato das filhas e chora em silêncio. Diz que diariamente sofre pela família das vítimas. Nem por isso, as três defendem a impunidade. ;Me coloco no lugar deles e sei que também ia lutar por Justiça. Se existe uma lei, ela tem que valer para todos. E não é isso que eu vejo. A lei só está valendo para o meu marido.;
No fim da entrevista, Maria pergunta se pode fazer um pedido às famílias das vítimas do acidente provocado pelo marido. Devota de Nossa Senhora de Aparecida, ela diz que diariamente reza um terço em intenção às vítimas e aos parentes delas. ;Se eu pudesse fazer um pedido, pediria que não guardem ódio no coração deles e que perdoem o meu marido por essa tragédia.;
Altos e baixos
A contadora Butitiere Fernanda de Assis representa o outro lado das tragédias envolvendo álcool e direção: o de que perde parentes nas tragédias. Aos 28 anos, ela perdeu a capacidade de sonhar. Enterrar a filha Giovanna Vitória de Assis, 5 anos, vestida de Barbie, logo após o Natal de 2008, é uma tristeza da qual ela não consegue se livrar. ;Tenho altos e baixo. Nos momentos ruins, peço a Deus para me levar para junto da minha filha. Eu sei que é um sentimento errado, egoísta e estou lutando para superar;, desabafa.
Há pouco tempo, Butitiere retomou a terapia. Com a ajuda do psicólogo, está descobrindo que após a morte da filha, ela esqueceu da própria vida. ;Hoje, estou tentando redescobrir meus sonhos. Quem sabe casar, ter outros filhos;, cogita, como se essas fossem possibilidades para um futuro distante. Butitiere tem mãe, uma irmã e o padrasto que Giovanna tratava como pai. A vida de nenhum deles voltou a ser como antes. ;Minha mãe segura a barra de todo mundo aqui em casa. Mas sinto que ela não está mais suportando essa situação. Meu padrasto sofre demais com a falta da Giovanna e é o que mais acredita que a Justiça será feita;, comenta.
O processo contra o condutor que atropelou a menina e a babá sobre uma faixa de pedestre em Planaltina tramita no Tribunal do Júri. Recentemente, foi decidido que ele será julgado pelo Júri Popular porque teria agido com dolo ; não teve a intenção, mas assumiu o risco de matar ao dirigir alcoolizado. O Ministério Público deu parecer contrário ao recurso que seguirá para análise dos desembargadores do Tribunal de Justiça do DF. Não tem prazo para uma decisão.
Para se poupar do sofrimento, ela decidiu não acompanhar os trâmites do processo. ;Dói muito ver que ele não se arrepende. Em momento algum, nos depoimentos, ele mostra arrependimento. Pelo contrário, tenta jogar a culpa na minha filha;, lamenta. A família espera justiça. Justiça para a família é ver o condutor condenado. ;Sei que ele não vai ficar nem três anos na cadeia. Mas acho que ele precisa ser condenado e ficar preso para refletir sobre o que fez. Espero a Justiça divina. Mas quero a dos homens também.;
Menos rigor
; Em 12 de outubro deste ano, uma decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfraqueceu o rigor da Lei Federal n; 11.705/08, a lei seca. Por unanimidade, a Sexta Turma do tribunal decidiu que, sem o teste do bafômetro ou o exame de sangue, o condutor flagrado sob efeito de álcool não pode ser processado criminalmente, ficando sujeito apenas a punições administrativas. A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus n; 166.377, que pedia a extinção de uma ação penal contra um motorista paulista. Segundo a acusação, o homem dirigia seu veículo na contramão, quando foi abordado pela polícia. A defesa dele alegou a inexistência de provas, uma vez que o acusado foi submetido apenas a exame clínico, ;o qual não é apto para constatar a concentração de álcool por litro de sangue;.