Cidades

Programa baseado em trabalho com floricultura ajuda jovens

Roberta Machado
postado em 16/11/2010 08:13
Idealizadora do programa Semeando Flores e Colhendo Esperança, Clarice Aragão ensina jovens, como Luciano Alves, a fazer belos arranjos. Nascido em Bom Jesus da Lapa (BA), Ismar da Conceição Souza, 19 anos, foi separado da mãe ainda criança, quando ela se mudou para Brasília em busca de emprego. Na tentativa de se reunir com a família na capital federal, o menino sofreu mais do que a ansiedade causada pela distância: sua educação atrasou e o estudante ainda não havia completado o ensino fundamental aos 17 anos. A história de Ismar é semelhante à de muitos alunos da Escola do Parque da Cidade, da Promoção Educativa do Menor (Proem), centro de ensino individualizado que acolhe adolescentes com dificuldade de seguir o ritmo do ensino público tradicional. O que diferencia Ismar de muitos dos colegas é que, menos de um ano após terminar o ensino fundamental, ele já tem um emprego. Graças à formação num curso de floricultura que recebeu na escola, ele pode se sustentar enquanto conclui o ensino médio.

A vida de Ismar começou a mudar quando ele foi chamado para participar do programa Semeando Flores e Colhendo Esperança, iniciativa que consiste em ensinar os jovens a lidar com as plantas e a prepará-las para a venda. ;Eu nem imaginava trabalhar com isso. Minha vontade era mesmo de terminar o ensino médio;, confessa. Em um ano, a oportunidade inesperada se tornou paixão, e Ismar não deixou mais o mundo das flores. ;Eu estava meio perdido. Agora vi que a vida é cheia de oportunidades, só depende do nosso esforço;, alegra-se o futuro designer floral.

Hoje, ele trabalha em uma loja especializada, aprende a fazer sofisticados arranjos e ganha o dinheiro necessário para ajudar a família e manter a casa onde mora com sua noiva ; Ismar pretende fazer sozinho os arranjos do próprio casamento, marcado para dezembro. A empresária Mara Abrahão conta que a empresa confia na criatividade do novato, e que vai investir na formação do funcionário. ;Este é um mercado em que as pessoas sabem o básico, mas é muito difícil achar um profissional flexível para aprender a criar sob o nosso conceito;, ressalta.

Trampolim
A idealizadora do Semeando Flores, Clarice Aragão, explica que o programa é novo, mas que há algum tempo cultiva a prática de dar chances a jovens que precisam. Ela conta que o primeiro adolescente que usou sua floricultura como trampolim para o mercado de trabalho foi um guardador de carros. O menino passou quatro anos trabalhando em sua loja. ;Nós choramos de emoção quando vemos que podemos transformar a vida de uma pessoa;, orgulha-se Clarice. No ano passado, acompanhada de dois outros profissionais, a florista começou a ensinar a arte dos arranjos florais a 16 alunos que estavam prestes a concluir o ensino fundamental no Proem. Metade deles conseguiu indicações de emprego após concluir os estudos.

Enquanto aprendiam a lidar com as flores, os meninos ainda tiveram aulas de ética e cidadania, assim como lições de atendimento ao cliente. Clarice
revela que o conteúdo do curso tem o objetivo de adaptar o futuro profissional ao mercado de trabalho, pois, além da defasagem de aprendizado, muitos ainda sofrem com problemas econômicos e de comportamento ; alguns dos alunos do Proem são encaminhados ao colégio pelo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). Na próxima turma, o objetivo é incluir no programa a participação de um advogado, que vai mostrar aos jovens noções de direito.

Para fazer do projeto realidade, é necessário negociar com fornecedores a doação da matéria-prima, além de dedicar horas de trabalho e paciência aos meninos. O curso, oferecido gratuitamente ao grupo, custaria cerca de R$ 2 mil mensais em uma escola tradicional. Clarice garante que o esforço vale a pena. ;As flores têm o dom de transformar as pessoas, fazem com que elas fiquem mais amenas. Elas se transformam em pessoas melhores.;

Oportunidade
Luciano Alves, 18 anos, planejava ser brigadista assim que terminasse os estudos, mas sua carreira sofreu uma grande mudança quando ele conheceu a arte de formar buquês e arranjos. Hoje, o estudante comemora o que aprendeu nos últimos meses no curso de arte floral. ;Quando a pessoa entra no mundo das flores, esquece os problemas;, explica o aluno da 7; série. O atraso nos estudos, segundo Luciano, já é coisa do passado. Quando era mais novo, o estudante faltava às aulas e cedia às pressões de colegas mal-intencionados, comportamento que teve influência negativa em sua carreira escolar. ;Eu era muito bagunceiro, minha mãe ficava preocupada com o desinteresse. Depois me arrependi, agora sou outro rapaz;, garante o adolescente, que termina o curso no final do ano.

A professora de língua portuguesa Márcia Regina Pereira conta que Luciano não é o único nessa situação. Segundo ela, a mudança de comportamento é ainda mais visível devido ao sistema individualizado de ensino do Proem. A proximidade contribui para a quebra das barreiras afetivas entre alunos e professores e para a intimidade dos professores com a história de vida de cada um, como uma espécie de padrinhos dos pupilos. ;A gente vê o crescimento, até da postura. Essas iniciativas mudam a vida deles, fazendo-os enxergar outras possibilidades;, diz a professora.

A diretora do Proem, Maria dos Anjos Muniz de Menezes, aprovou a iniciativa. Segundo a educadora, o efeito do curso vai além do crescimento pessoal e da formação profissional: as aulas de arranjos florais são oferecidas somente aos alunos que mantiverem bom desempenho escolar. ;Eles adoram fazer as aulas; então, ficam ;santos;;, conta. Mas o crescimento dos adolescentes vai além: a nova ocupação ainda abre possibilidades para os jovens que precisam mudar de vida para sobreviver. Maria dos Anjos ressalta que, somente este ano, quatro alunos da Escola do Parque da Cidade morreram de causas violentas. Para a diretora, projetos como o Semeando Flores são essenciais para jovens que enfrentam essa realidade. ;Ficamos mais tranquilos ao ver que eles não vão para a rua. Eles sofrem uma dificuldade muito grande, e nos preocupamos muito com o futuro deles.;

José Ribamar Chaves da Silva, 17 anos, já teve a vida mudada pelo Proem, mas agora espera que o curso de arte floral contribua para seu futuro. O adolescente chegou ao colégio na 4; série, mas sem ler ou escrever um texto completo. José Ribamar não teve uma educação regular, pois cresceu no interior do Piauí, onde não tinha acesso ao ensino primário. A única opção de aprendizado do estudante eram as aulas da 5; série a que assistia como clandestino, na sala de aula onde sua tia atuava como professora, na cidade de Pedro II (PI). Hoje, o estudante consegue decifrar os livros sobre flores e planeja diferentes carreiras na floricultura, no ensino e na música. ;Minha mãe diz que sonho alto demais. Mas sei que, se a gente não tentar, não vai para a frente;, ensina. Por enquanto, José Ribamar trabalha como garçom à noite, mas ele já espera indicação para começar a atuar em breve em uma floricultura.

Ensino diferenciado
O Proem se consolidou como uma instituição de ensino de atendimento socioeducativo. O centro de educação busca ações que possam contribuir efetivamente para promover a reinserção na escola e na sociedade dos adolescentes em situação de vulnerabilidade social e pessoal. O sistema diferenciado é voltado para adolescentes que sofrem com a defasagem de idade/série devido a desvios de comportamento, problemas familiares ou delitos cometidos. São, no máximo, 15 alunos por sala, e eles ainda têm direito a fazer cursos de informática e línguas após o término das aulas. Os estudantes também recebem cinco refeições diárias e transporte gratuito para o colégio.

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