Renato Alves
postado em 20/11/2010 08:00
Alguns dos pontos em comum entre os depoimentos dos supostos autores do crime da 113 Sul são a maneira, a rota e os horários da fuga de Brasília após os assassinatos do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela, 73 anos, da mulher dele, Maria Carvalho Mendes Villela, 69, e da empregada Francisca Nascimento da Silva, 58. Ambos contaram ter permanecido na capital do país por cerca de 15 horas no dia do triplo assassinato e escapado por um caminho nada convencional, tomando seis veículos e desembarcando em duas cidades baianas até finalmente chegarem a Montalvânia, o município mineiro distante 640km do Distrito Federal onde acabaram presos.O Correio conferiu as linhas e os horários descritos pelos réus confessos. As informações contidas nos depoimentos prestados nas delegacias de Montalvânia e do Setor de Indústrias e Abastecimento (8; DP) batem com as colhidas pela reportagem na Rodoviária de Brasília. No entanto, funcionários da empresa de ônibus que eles usaram para deixar o DF disseram ser impossível conferir os dados preenchidos pelos dois passageiros no verso da passagem para eventual recebimento de seguro, em caso de acidente. Os documentos teriam sido rasgados, pois não faria sentido mantê-los arquivados.
Os depoimentos demonstram que os acusados não planejaram o crime de forma detalhada. Eles tomaram a iniciativa de entrar no apartamento 601/602 dos Villela para roubar bens de valores duas horas antes da ação, sentados em um gramado da entrequadra 110/111 Sul. Também de forma improvisada, empreenderam fuga. Mas tiveram cuidado de seguir uma rota inusitada para evitar o rastro, recorrendo inclusive a transporte pirata e carona. No interrogatório prestado na 8; DP quarta-feira passada, o ex-zelador do Bloco C Leonardo Campos Alves, 44 anos, contou que ele e o sobrinho Paulo Cardoso Santana, 23, deixaram Montalvânia na tarde de 27 de agosto de 2009, uma quinta-feira.
Atrás de emprego
Ambos, de acordo com Leonardo, não tinham intenção de cometer um crime. Queriam apenas emprego em Brasília. De preferência, de porteiro em um dos prédios residenciais do Plano Piloto. Os dois pagaram R$ 35 em cada passagem da empresa Santo Antônio, com saída às 16h. Viajaram um ao lado do outro, desembarcando na Rodoferroviária às 5h30 do dia seguinte, apenas com a mochila de Leonardo, onde havia ;três mudas; de roupa para cada um. Tomaram café no antigo terminal. Pegaram um ônibus até a Rodoviária do Plano Piloto, aonde chegaram por volta das 6h.
Começaram a caminhar pelas quadras 100 da Asa Sul às 7h. Na SQS 103, estiveram em todos os blocos perguntando aos porteiros se havia vaga de trabalho. Seguiram até a 107 Sul, sempre ouvindo ;não;. Ao meio-dia, decidiram retornar caminhando à Rodoviária, para almoçar. Mas, no Setor Comercial Sul, Leonardo encontrou José Guilherme perto do Edifício Denasa, onde o ex-ministro tinha um escritório de advocacia. O ex-porteiro perguntou se o ex-ministro poderia conseguir emprego para ele. José Guilherme, segundo Leonardo, devolveu uma pergunta: ;Quantas vezes já lhe perguntei o valor do condomínio?;. O desempregado interpretou como uma grosseria.
Mesmo se sentindo humilhado, o ex-porteiro insistiu no pedido de uma oportunidade de trabalho. ;Ele (José Guilherme) disse que, se fosse arrumar emprego para todo mundo que trabalhou no condomínio, teria de montar uma agência de emprego;, contou Leonardo. O advogado encerrou a conversa e se retirou. Já Leonardo contou o diálogo ao sobrinho, que estava distante. O rapaz questionou se o ex-ministro tinha muito dinheiro e propôs um assalto ao apartamento de José Guilherme. Leonardo se calou.
Trama na quadra
Após almoçarem em um restaurante do mezanino da Rodoviária, os dois voltaram andando à Asa Sul. Nas imediações do Clube Vizinhança, ambos pararam, cansados. Leonardo queria tomar um ônibus para o Pedregal, no Novo Gama (GO), onde morava um irmão dele. Mas Paulo propôs o roubo novamente e Leonardo aceitou. Tramaram o crime na quadra de esportes da 110/111 Sul. Entraram em ação às 19h, quando o casal de advogados costumava chegar em casa. Encontraram aberta a portaria do Bloco C da 113 Sul e tomaram o elevador de serviço. Esperaram a chegada da primeira vítima, José Guilherme, por 20 minutos.
Carona com um pastor
A dupla levou de 30 a 40 minutos para pegar joias, dólares e reais e matar as três vítimas, de acordo com Leonardo Alves. Deixando as duas facas usadas no crime na cozinha do apartamento 601/602 do Bloco C da 113, ambos deixaram o imóvel por volta das 20h de 28 de agosto de 2009. Eles contaram ter corrido até o Eixinho W, com as roupas manchadas de sangue. Mas ninguém teria notado porque as camisetas eram de cor escura. Foram de ônibus até a Rodoviária do Plano Piloto.
De lá, pegaram outro coletivo, mas para a Rodoferroviária. Os dois compraram passagens para Santa Maria da Vitória (BA). Após quase sete horas de viagem, desembarcaram em Santa Maria, em 29 de agosto, onde tomaram outro ônibus para Cocos (BA). Rodaram 110km pela BR-135.
Ambos contaram que lá pegaram uma lotação clandestina para Pitarana, cidade mineira, onde ficaram por uma hora. Por fim, para chegarem a Montalvânia, pediram carona a um pastor. (RA)