Cidades

Paróquia São Pedro Alcântara vai recorrer da proibição de badaladas do sino

A disposição da igreja conta com o apoio de alguns fiéis, para os quais as festas são mais perturbadoras do sossego dos moradores do que as chamadas sonoras à oração

Naira Trindade
postado em 24/11/2010 08:09
Padre Givanildo não está conformado com a decisão judicial e avisa: A decisão de silenciar os sinos da Paróquia São Pedro de Alcântara, na QI 7 do Lago Sul, ameaça parte das celebrações de Natal dos fiéis. A 6; Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Território (TJDFT) manteve o entendimento da 16; Vara Cível de Brasília e a desobediência poderá custar ao caixa da igreja uma multa de R$ 1 mil por cada tilintar. Diante desse posicionamento do Judiciário local, o padre Givanildo Ferreira dos Santos suspenderá as badaladas que convidam os católicos para as cerimônias natalinas, programadas para 21 e 24 de dezembro.

A Justiça acolheu os argumentos dos moradores de que o barulho dos sinos ultrapassa o limite para as áreas residenciais. Registrado como poluição sonora, o problema no bairro nobre atinge todo o Distrito Federal. Dados do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) mostram que, desde 2007, paróquias de pelo menos 13 cidades candangas foram notificadas por incomodarem o sossego de moradores dos arredores dos templos.

O Ibram recebe ao longo do ano reclamações de todas as regiões administrativas. Algumas denúncias acabam infundadas e nem sequer viram advertências legais. Até este mês, o Ibram registrou infrações em cinco igrejas localizadas em diferentes localidades do DF. O número é inferior ao assinalado em 2007, quando o órgão somou 13 advertências (veja quadro). Em 2008, foram cinco casos. Ano passado, sete templos responderam ao instituto por perturbaram os vizinhos. As queixas vão desde o barulho dos sinos às pregações em tons exageradamente altos de pastores evangélicos durante cultos. ;Já chegamos a interditar igrejas no Sudoeste, na Estrutural e em outras regiões por atrapalharem a tranquilidade dos vizinhos com som alto;, explicou o presidente do Instituto Brasília Ambiental, Gustavo Souto Maior.

No Lago Sul, os toques do sinos da Paróquia São Pedro de Alcântara levaram o Ibram a advertir a igreja em junho deste ano. Os técnicos comprovaram que o som emitido pelos campanários chegava a 56 decibéis, enquanto o máximo permitido em áreas residenciais é 50 decibéis. Para resolver a situação, o Ibram pediu ao pároco Givanildo Ferreira que reformasse os campanários afim de reduzir o barulho emitido. ;Para diminuir o volume do ruído, os sinos teriam que ser substituídos;, explicou o padre. A troca não é simples: ;Eles (os sinos) são doações recebidas pela igreja;, completou.

Os sinos são tocados quatro vezes ao dia para convidar a comunidade para orações: às 8h25, às 12h, às 18h e às 18h30 durante a semana. Aos sábados e aos domingos, o primeiro convite soa às 9h.

ReflexãoMelissa com a filha, Maria Mel, acha que a proibição prejudica os rituais
A prática começou em 1989, quando a igreja foi construída e faz parte da vida da web designer e acrobata circense Melissa Patusco, 31 anos. Moradora da quadra mais próxima ao templo, ela encontra um sinônimo de religiosidade nos toques dos campanários. ;As pessoas poderiam aproveitar as badaladas para refletir sobre as ações. Os toques despertam um momento de serenidade;, acredita. Ao lado da filha, a pequena Maria Mel, 6, a acrobata circense aproveita a proximidade do clima natalino para ensinar conceitos de tolerância e paciência à menina. ;A suspensão pode prejudicar os rituais da igreja. Além disso, há o risco de o Natal perder sua essência sem as badaladas. É preciso repensarmos nossas atitudes para que a opinião de uma pessoa não se sobreponha à vontade dos demais.;

Morador da Q 15, no Lago Sul, o estudante Anderson Miranda Júnior, 18, critica a decisão da Justiça. ;Os sinos não incomodam. Já as festas particulares e os eventos frequentes na região, sim. O som desses eventos nos fins de semana é extremamente alto e invade a madrugada. Já a igreja, tem seu último toque às 18h30, horário que não interfere em nada o sono dos vizinhos;, justifica. O morador que ajuizou ação contra a igreja preferiu não se pronunciar.

Ontem, apesar da decisão judicial, o padre Givanildo Ferreira ainda permanecia com a programação dos sinos ininterrupta. ;Não fui notificado oficialmente;, disse justificando a continuidade do som. Esta é a segunda vez que o pároco perde a queda de braço na Justiça. Em meados de agosto, quando o debate comunitário chegou aos tribunais, o Givanildo Ferreira foi derrotado na primeira instância. Ele recorreu da decisão judicial e assegurou o direito de manter o tilintar do sinos. Mas, agora, foi novamente impedido. ;Vou acionar os advogados da Arquidiocese de Brasília. A proibição fere a liberdade ao culto, garantida pela Constituição Federal. Vamos recorrer;, avisou. Enquanto isso, os sinos devem se silenciar.

O QUE DIZ A LEI

O artigo primeiro da Lei n; 1.065, de 1996, estabelece as normas de preservação ambiental quanto à poluição sonora, fixando níveis máximos de emissão de sons e ruídos, de acordo com o local e a duração da fonte. Nela, considera-se poluição sonora qualquer som indesejável, principalmente quando interfere em atividades humanas ou ecossistemas a serem preservados. Também consideram-se ruídos o som o fenômeno acústico que consiste na propagação de ondas sonoras produzidas por um corpo que vibra em meio material elástico ou o barulho constituído por grande número de vibrações acústicas com relações de amplitude e fase distribuídas ao acaso. Fica proibido perturbar o sossego e o bem-estar público e da vizinhança pela emissão de sons de qualquer natureza que ultrapassem os níveis máximos de intensidade fixados nesta lei. Os infratores sujeitam-se às penalidades previstas na Lei n; 41, de 13 de setembro de 1989, que podem ir de multa a interdições do espaço.

PARA SABER MAIS
Desembargadora foi voto vencido

Os autores da ação se basearam na Lei do Silêncio para garantir a proibição das badaladas da igreja, alegando incômodo à vizinhança. Para comprovar o pedido liminar, foram juntados ao processo o auto de infração ambiental e o relatório da vistoria lavrados pelo Ibram, atestando que o barulho do sino ultrapassa o limite permitido. Apesar da relatora do recurso, a desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito, ter votado pela manutenção das badaladas, os demais membros do plenário consideraram o barulho exagerado para a área residencial. ;É fato público e notório que a Paróquia São Pedro de Alcântara funciona há mais de 30 anos na capital federal, congregando, em seus cultos diários, centenas de fiéis da Igreja Católica. Seus sinos, que remontam à sua criação, constituem tradição litúrgica imanente aos rituais realizados no templo; defendeu a desembargadora. E acrescentou: ;Os ajustes no equipamento do sino da paróquia já foram realizados para diminuir o número de badaladas, bem como o volume dos sinos, o que demonstra a boa-fé da paróquia em tomar as providências e diligências a fim de promover o harmonioso diálogo entre interesses díspares, sem prejuízo da dimensão simbólica cristã concernente à matéria;. Mesmo assim, os membros decidiram cassar o direito do pároco de tocar os sinos da igreja.

PARA SABER MAIS II
Tradição existe antes de Cristo

Os sinos surgiram na Ásia. No século 9 a.C., eles já eram conhecidos na China. Cada campanário tem uma nota musical característica e requer um estudo cuidadoso antes mesmo de ser fundido. As notas musicais são determinadas pelas suas dimensões, forma geométrica, diâmetro da boca e pela relação da espessura da aba, ou seja, a parte terminal do sino e onde bate o badalo. No início do século XX, os campanários faziam quase tudo: anunciavam nascimento, parto complicado, morte, doença grave, incêndios, missas. Por meio do ritmo é que os sineiros articulam o toque mensageiro dos seus companheiros constantes: o garrido ou sino pequeno, o meião ou sino médio e o bronze ou sino grande. O número de toques nas paróquias trazia um significado. Quatro pancadas antes da missa: era sinal que o vigário iria celebrar a oração. Cinco pancadas: o bispo comandaria a cerimônia. Seis pancadas: quem celebraria era o arcebispo. Em alguns lugares do país, os sinos também são utilizados em caso de morte. Há casos em que, se o defunto fosse homem, três dobros anunciariam o falecimento. Se morresse uma mulher, dois. Se fosse uma criança, o sino utilizado era o menor. Se fosse um jovem, o sino médio. E no caso de adulto, o maior sino. O toque fúnebre é lento e compassado.

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