Cidades

Alunos de escola no Recanto das Emas aprendem princípios básicos do cinema

Eles produzem curtas que são exibidos para todos os colegas. Tratando de temas de interesse geral, como adolescência, sexo e bullying, os trabalhos mostram bom nível e um deles já está inscrito em um concurso da TV Câmara

postado em 26/11/2010 08:30
Os olhos brilharam quando os alunos do 1; ano do Centro Educacional 104 perceberam que as instalações do colégio tinham mesmo virado um set de filmagem. Pela primeira vez, os estudantes do Recanto das Emas colocaram as mãos em uma câmera de vídeo e deixaram a veia cinematográfica fluir. As lentes capturaram o os medos e segredos dos adolescentes. O empenho do grupo resultou em três minutos de depoimentos sobre o preconceito e a violência escolar. Nas telonas, os garotos compartilham os traumas do passado e tentam contribuir com um futuro melhor.

A discussão sobre o bullying (veja Para saber mais) não entrou por acaso no roteiro do curta-metragem Mais do que os olhos podem ver. A ideia inicial de abordar a preservação do meio ambiente só saiu de cena depois que os professores e orientadores ouviram os 20 participantes da oficina. Durante a conversa, o grupo deixou claro que queria mostrar para o mundo os conflitos de quem se sente discriminado e perseguido. ;Isso realmente ocorre, principalmente com os alunos mais tímidos e quietinhos;, analisa uma das estudantes.

O filme fica pronto hoje e participará do concurso Câmara Ligada, da TV Câmara, com início das votações marcado para o ano que vem. A primeira oportunidade de assistir ao curta, no entanto, já tem data marcada. A sessão inaugural ocorre neste domingo, no pátio do CED 104, e tem como público principal a própria comunidade do centro de ensino. ;Com a exibição, os alunos poderão entender e refletir sobre as consequências do bullying;, espera a professora de artes Cléia Amaral, uma das responsáveis pela realização do projeto.

As imagens enfatizam a história e a opinião de cada aluno. Mostram com detalhes o rosto e o drama de cada um. Em histórias mais delicadas, os quadros focam apenas olhos e mãos nervosas, tudo para não expor o depoente a toda a escola. ;O documentário se molda de acordo com o desenrolar das gravações. O trabalho tem a missão de entender a urgência da escola e transparecê-la no filme;, explica o orientador da oficina, Gil Sampaio. ;Só oriento o projeto, dou o suporte técnico e técnico. Todo o restante é fruto dos desejos dos meninos;, ressalta.

Sonho
Os estudantes viveram dias de Hollywood. Tudo começou com a parte teórica. O grupo conheceu a história e os conceitos da sétima arte. Roteiro, iluminação, fotografia e enquadramento. ;Nunca estudei cinema, nem tinha pensado que um dia na vida tivesse essa oportunidade;, admitiu a aluna do 1; ano Andressa da Silva, 16 anos. Passados os dois dias de aprofundamento técnico, os aprendizes partiram para a ação.

Uma das estudantes se arrepiou ao ficar pela primeira vez de frente para a câmera. ;Fiquei emocionada ao dar minha opinião sobre o bullying. É um assunto delicado e toda a escola vai ver;, descreveu.

Os participantes não deixarão de lado o que aprenderam com a oficina. Alan Barbosa, 17 anos, pretende se tornar um verdadeiro cineasta. ;É o meu sonho. Quero me profissionalizar, talvez fazer um faculdade;, especula. Apaixonado por ficções de terror, o rapaz se revezou em todas as funções que a produção de um filme pode oferecer. Participou da elaboração do roteiro, segurou a câmera, operou os microfones e atuou no set de gravações, improvisado no estacionamento da escola. ;Cada etapa tem sua importância;, observa.

[FOTO2]Ao todo, os meninos filmaram 35 minutos. Fizeram malabarismo para enxugar o material bruto e escolher as tomadas que entrarão nos três minutos do curta. A montagem ficou por conta de uma produtora, mas o parecer final será dos alunos. Hoje eles se reúnem na ilha de edição para assistir à fita e bater o martelo. ;Posso dizer que matei a curiosidade de como é fazer cinema;, arremata Jader de Oliveira, 18 anos. ;Na sala de aula o estudo não tem tantos atrativos. Atividades como essa despertam o nosso interesse;, conta.

Dedicação
Com mais de 160 mil moradores, o Recanto das Emas não tem salas de projeções. As mais próximas ficam em Taguatinga. Para estimular o contato da comunidade com a arte, a administração regional desenvolveu o projeto Cinepraça Recanto. O CED 104 é a terceira escola a participar da iniciativa. Os dois primeiros colégios que receberam o programa também fizeram filmes (veja quadro). Os curtas foram exibidos em áreas públicas da cidade para um público médio de 200 pessoas. Segundo o órgão, o orçamento ficou em apenas R$ 8 mil.

A oficina ocorreu a partir de uma parceria da administração regional com a Diretoria Regional de Ensino do Recanto das Emas e com o Serviço Social do Comércio (Sesc-DF). Há um ano, a entidade atua com a inclusão do cinema em escolas de todo o Distrito Federal. ;Os alunos sempre demonstram interesse em participar. É uma oportunidade de trabalhar temas conceituais e abordar assuntos como a ética;, explica a coordenadora de Cultura do Sesc-DF, Juliana Valadares.

A professora de artes do CED 104 acredita que o projeto só existe por conta da dedicação dos alunos. ;A imaginação fluiu e eles falaram do que queriam. Os trabalhos que ficam bons surgem assim, vêm de dentro;, analisa Cléia Amaral.

Não perca
A primeira exibição do curta-metragem Mais do que os olhos podem ver ocorrerá domingo, a partir das 19h, no pátio do CED 104. Haverá apresentação de danças dos alunos e uma sessão do filme O livro de Eli. A entrada é gratuita e aberta a toda a comunidade. Local: Área Especial da Quadra 104, Recanto das Emas.

Para saber mais
Valentões e indefesos

O bullying é um termo em inglês ainda sem tradução definida para nosso idioma. A palavra representa comportamentos agressivos no ambiente escolar, praticados por meninos e meninas. A violência, física ou não, ocorre de forma proposital e repetitiva. Os valentões normalmente escolhem pessoas que não indicam resistência ou defesa às agressões. O aluno pode ser vítima de ofensas verbais, físicas, materiais, psicológicas, sexuais ou virtuais.

Os episódios mais comuns são quando os garotos batem, empurram, beliscam ou destroem pertences da vítima. Os indefesos também podem ser humilhados, discriminados ou excluídos. Em alguns casos, têm de ouvir insultos e xingamentos e recebem apelidos pejorativos. Existe ainda a forma virtual de bullying, em que a criança ou o adolescente recebe ofensas por meio de sites de relacionamentos ou da publicação de vídeos difamadores.

Em cartaz
Confira os filmes produzidos pelos alunos do Recanto das Emas:

Sexualidade e adolescência
Produzido em setembro pelos alunos do Centro de Ensino Médio 111 Sinopse: Garotos e garotas conversam sobre o início da vida sexual e a relação com a gravidez

Só sei que foi assim
Realizado em outubro pelos estudantes do Centro de Ensino Médio 804 Sinopse: Uma sátira à truculência da polícia nas ruas do Distrito Federal

Mais do que os olhos podem ver
Realizado em novembro pelos alunos do Centro Educacional 104Sinopse: Casos e opiniões sobre episódios de bullying em ambiente escolar

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