Ana Maria Campos
postado em 27/11/2010 08:00
Um ano depois, além dos desdobramentos políticos, a Operação Caixa de Pandora já produziu pelo menos quatro ações penais e cinco de improbidade administrativa. Mas o Ministério Público Federal (MPF) ainda colhe evidências e provas para embasar a denúncia mais importante, relacionada ao suposto esquema de desvio de recursos dos cofres públicos para abastecer o mensalão pago a deputados distritais e secretários e enriquecer o grupo político comandado por José Roberto Arruda.A Polícia Federal (PF) concluiu o relatório sobre o caso, mas a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge ainda estuda informações, laudos e provas colhidos até agora antes de preparar o texto das denúncias. Há uma expectativa entre integrantes do Ministério Público de que a coordenadora da Operação Caixa de Pandora divida a investigação em várias ações penais, levando em conta os crimes e os alvos. A demora na conclusão das investigações não é fato isolado. Em 2008, o MPF ajuizou ação penal no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra 61 pessoas acusadas de envolvimento em desvios de recursos que favoreceram a empreiteira baiana Gautama apenas um ano depois da Operação Navalha, também da PF.
Até agora, Raquel Dodge protocolou duas denúncias contra Arruda no STJ. Em uma das ações penais, ela acusa o ex-governador de falsidade ideológica. A subprocuradora considera que houve fraude na elaboração dos recibos em que o ex-secretário de Relações Institucionais do DF Durval Barbosa atesta ter entregado dinheiro a Arruda para a compra de panetones que seriam distribuídos todos os anos a famílias carentes. Na denúncia, o Ministério Público anexou laudo comprovando que os documentos referentes a ;doações; de vários anos foram emitidos na impressora da residência oficial de Águas Claras em uma mesma data. Arruda afirma que pediu os comprovantes quando soube que havia ameaça de divulgação das imagens, mas sustenta que o dinheiro foi mesmo usado para comprar panetones.
Raquel Dodge também denunciou o ex-governador pelo motivo que o levou para a prisão, em fevereiro: crime contra a administração da Justiça. Ele passou 60 dias em uma sala da Polícia Federal sob a acusação de tentar alterar provas do Inquérito n; 650, em curso no STJ, que trata do suposto pagamento de propinas a distritais. Além de Arruda, são alvo da ação o ex-chefe da Agência de Comunicação Weligton Moraes; o ex-secretário particular do governador Rodrigo Arantes; o deputado distrital Geraldo Naves (DEM); o ex-servidor da CEB Haroaldo Brasil, além de Antônio Bento, apontado como o intermediário do pagamento que seria destinado ao jornalista Edson Sombra para alterar provas.
Foro
Esses dois processos tramitam no STJ, mas deverão em breve ser baixados para a primeira instância do Tribunal de Justiça do DF. Não há mais nada que os segure na corte superior, uma vez que Arruda, depois de perder o mandato de governador, não tem mais foro especial. O Inquérito 650 só permanece no STJ por força de uma prerrogativa de um dos investigados, o conselheiro Domingos Lamoglia, do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF).
Lamoglia também tem a conduta funcional sob investigação em processo administrativo disciplinar no TCDF. O relator do caso, conselheiro Manoel de Andrade, afirma que o caso está parado aguardando uma posição do Ministério Público. ;Não posso tomar qualquer providência para pedir a aposentadoria de Domingos Lamoglia ou inocentá-lo sem antes saber qual é a posição do Ministério Público sobre a responsabilidade dele no inquérito do STJ. Até hoje não temos denúncia;, afirma Andrade. Lamoglia foi um dos alvos da ação de busca e apreensão da Operação Caixa de Pandora. Ele aparece em uma das gravações feitas por Durval Barbosa guardando dinheiro em uma pasta. Em diálogo interceptado pela Polícia Federal, Lamoglia também foi citado por Arruda como uma das pessoas que distribuía dinheiro a deputados.
MP na berlinda
A Operação Caixa de Pandora também provocou uma série de ações penais contra o ex-procurador-geral de Justiça do DF Leonardo Bandarra. No Tribunal Regional Federal da 1; Região, tramitam pelo menos duas denúncias, por concussão (quando um servidor público usa o cargo para obter qualquer tipo de vantagem), formação de quadrilha, violação do sigilo funcional e extorsão. No caso de Bandarra e da promotora Deborah Guerner, por envolver integrantes do Ministério Público, os processos correm em segredo de Justiça.
Os dois são acusados de cobrar propina para vazar informações sigilosas da Operação Megabyte e de se unirem para exigir dinheiro de Arruda. Bandarra e Deborah respondem ainda a uma investigação administrativa no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e podem sofrer a pena máxima, que é a aposentadoria compulsória. O pedido de afastamento cautelar da função de promotores do Ministério Público do DF deve ser analisado pelo CNMP no próximo dia 13.
Na esfera cível, onde não há foro especial, os processos estão em situação bem mais avançada. Os promotores de Justiça do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc) do Ministério Público do DF conseguiram até agora bloquear os bens de cinco distritais envolvidos no escândalo: Leonardo Prudente (sem partido), Eurides Brito (PMDB), Júnior Brunelli (sem partido), Benedito Domingos (PP) e Rogério Ulysses (sem partido). Eles são acusados de receber mesada em troca de apoio ao governo Arruda.
A indisponibilidade dos bens, decretada pelo juiz Álvaro Ciarlini, da 2; Vara de Fazenda Pública do DF, é uma forma de garantir futuro ressarcimento aos cofres públicos de dinheiro desviado de contratos do GDF para pagamento aos distritais. Novas ações deverão envolver Aylton Gomes (PR), Benício Tavares (PMDB), Rôney Nemer (PMDB), Pedro do Ovo (PRP) e Berinaldo Pontes (PP), todos citados como beneficiários do suposto esquema.
Os principais personagens do escândalo político
Veja quem é quem na operação que completa hoje um ano
José Roberto Arruda
Ex-governador do DF, foi o principal alvo da Caixa de Pandora. Filmado recebendo dinheiro das mãos de Durval Barbosa e gravado em conversas comprometedoras com aliados do governo, acabou sendo suspeito de comandar o esquema de pagamento de propina. Ficou preso por dois meses na carceragem da Polícia Federal (foto) porque foi acusado de tentar subornar testemunhas. Responde a duas ações penais, uma por obstrução da Justiça e outra por falsidade ideológica. Teve o mandato de governador cassado por infidelidade partidária, como desdobramento das denúncias de corrupção.
Paulo Octávio
Ex-vice governador do DF, renunciou ao cargo de chefe do Executivo pressionado pelas denúncias de envolvimento na Caixa de Pandora. Um de seus principais assessores, Marcelo Carvalho, que dirigia as empresas Paulo Octávio, chegou a ser gravado em companhia de Durval Barbosa em conversa suspeita. Recentemente, Carvalho deixou a direção dos negócios de Paulo Octávio, que está afastado da política e tem dido a assessores que não pretende retomar a vida pública. Ele tem dado expediente em seu escritório.
Durval Barbosa
[FOTO2]Foi o pivô da Operação Caixa de Pandora. A partir de um acordo feito com o MP e a PF em troca de redução de pena referente aos processos que responde na Justiça, Durval abriu detalhes do esquema de corrupção. Entregou ao MP cópia dos vídeos que guardava em casa com imagens comprometedoras contra Arruda, deputados distritais e integrantes do primeiro escalão do governo. Depois do furacão político, Durval circula com desenvoltura pela cidade. Casou recentemente com Kelly Melchior, com quem costuma frequentar bons restaurantes na cidade.
Distritais dos vídeos
Leonardo Prudente, Eurides Brito e Júnior Brunelli protagonizaram cenas que potencializaram o escândalo de corrupção no DF. Prudente, que em 2009 era o presidente da Câmara, foi filmado guardando dinheiro entregue por Durval nos bolsos e nas meias. Eurides enfiou maços na bolsa e Brunelli fez a oração da propina, que pedia pelo bem-estar do financiador do esquema. Os três saíram da Câmara. Prudente e Brunelli renunciaram para escapar do processo de cassação de mandato e Eurides renunciou. Os três respondem a ações de improbidade administrativa e estão com os bens bloqueados.
Distritais poupados
Rôney Nemer (PMDB), Benício Tavares (PMDB), Benedito Domingos (PP), Aylton Gomes (PR) e Rogério Ulysses (PRTB) se livraram de processo por quebra de decoro. Na tarde de ontem, integrantes da Comissão de Ética da Câmara arquivaram as ações contra os parlamentares citados no inquérito 650, que investiga o esquema de corrupção revelado pela Operação da Caixa de Pandora. Com exceção de Rogério Ulysses, que foi expulso do PSB, os outros distritais acusados por Durval de participar dos esquemas ilegais foram reeleitos. Benedito e Rogério responde a ação de improbidade administrativa e também tiveram os bens bloqueados.
Leonardo Bandarra e Deborah Guerner
O ex-procurador-geral de Justiça Bandarra e a promotora Deborah Guerner foram denunciados à Justiça por concussão (tentativa de obter vantagem usando do cargo público), formação de quadrilha e quebra de sigilo funcional. Durante as investigações, a PF e a Procuradoria Regional da República apreenderam vídeos comprometedores contra Deborah, o marido dela, Jorge Guerner, e Bandarra. No próximo dia 13, o Conselho Nacional do MP vai julgar o afastamento dos dois promotores de Justiça.
Presos por obstrução da Justiça
Em fevereiro, cinco pessoas ligadas a Arruda e suspeitas de participar de uma tentativa de suborno para dificultar as investigações da Caixa de Pandora foram presas na Papuda: o ex-presidente da Agência de Comunicação do DF Weligton Moraes; o secretário particular de Arruda Rodrigo Arantes; o distrital Geraldo Naves; o ex-diretor da CEB Haroaldo Brasil e Antônio Bento, que levou o dinheiro do suposto suborno a uma testemunha.
Primeiro escalão sob suspeita
Quando veio a público a Operação Caixa de Pandora, um a um dos principais assessores do governo, pessoas da confiança de Arruda, foram caindo de seus postos. Gravado em escutas telefônicas, o ex-chefe da Casa Civil José Geraldo Maciel é citado no inquérito 650 do STJ. O então chefe de gabinete de Arruda, Fábio Simão, também é investigado no âmbito da Pandora. Os secretários de Educação à época, José Valente; o de Saúde, Augusto Carvalho; e o de Planejamento, Ricardo Penna; e o corregedor-geral do DF, Roberto Giffoni, acabaram alijados do poder porque seus nomes foram incluídos na lista de acusações que Durval entregou à polícia e ao MP.