postado em 27/11/2010 08:25
A carioca Helena Maria Viveiros de Sousa Carvalho veio a Brasília por uma estrada que não existia. Em cima de um jipe, precisou desbravar o caminho que a traria do Rio de Janeiro até aqui. Deixou sua terra natal ao lado do marido, o engenheiro Aluízio de Sousa Carvalho, em janeiro de 1959. Em um pedaço de papel, o casal trazia a rota oferecida por um primo.O ;mapa; havia sido entregue aos dois como um roteiro pontual. Mas era, na verdade, um planejamento de construção da estrada que seria feita somente 10 anos depois. ;O primo se confundiu. Achou que a estrada estava pronta. Mas a gente não desistiu, mesmo assim;, lembra a pioneira.
Aventuraram-se entre árvores e animais, na intenção de, finalmente, ter diante dos olhos o cerrado de terra vermelha que tanto sonhavam conhecer. À época, eram jovens recém-casados. Mudaram-se para Brasília dias depois da cerimônia. Queriam viver em um mundo novo. Quando aqui pisaram, Aluízio apontou uma ;manchinha no meio do nada;. Era o Núcleo Bandeirante. ;Me apaixonei pela manchinha na hora;, conta Helena. Ao chegar, o casal já tinha onde morar: o endereço era a Fundação da Casa Popular, Quadra 23, casa 62. Ali, viveram momentos felizes.
Helena se lembra com carinho do clima de amizade entre os candangos. ;Logo na chegada, eu e Aluízio adoecemos, ao mesmo tempo, de gripe. Mal conseguíamos cozinhar. Um dia, uma senhora bateu à minha porta, com uma sopeira de porcelana enorme. Estava cheia de canja. Ela me disse: ;Você não me conhece, mas eu soube que vocês estavam doentes e vim ajudar;. Isso era Brasília. O sonho de um mundo melhor, onde todos estavam dispostos a construir algo;, relatou.
Aluízo ; hoje já falecido ; havia sido convidado a trabalhar como engenheiro da Novacap. Era um dos encarregados de medir as rodovias construídas no DF. Anos depois, passou a estar também entre os principais responsáveis pela construção de diversas superquadras. Ergueu espaços ilustres, como o prédio no qual Juscelino Kubitschek viveu em um apartamento com a família, antes da inauguração, na 208 Sul. Helena, que ainda não tinha filhos ou formação profissional, acompanhava o marido por todo lado.
Assim, participou ativamente da construção de estradas e edifícios de todo o Distrito Federal. No dia da inauguração, lá estava Helena. Carregando uma barriga de cinco meses de gravidez, ela se espremeu ao lado de Aluízio, entre uma multidão para assistir à primeira missa da capital, rezada em frente ao Supremo Tribunal de Justiça (STF).
;Quando a gente chegou, já estava tudo muito cheio. Eu vi as portas do STF, que ainda estava em obra, e quis saber, por curiosidade, se nenhuma estava aberta. A terceira que eu testei abriu. Entrei, levando meu marido e um casal de amigos, e vi a missa de camarote. Sentei em uma poltrona lá dentro do STF, com vista privilegiada.;
No dia seguinte, ela chegou cedo para o desfile de inauguração, entre os candangos. Seguia com os olhos em JK, seu ídolo e ;melhor presidente que o Brasil já teve;, como diz. ;Nunca se viu um governante como ele. Estava no meio das pessoas, com as botas cheias de barro. Inacreditável.; O barrigão onde se alojava Cristiano, o primeiro filho do casal, não a desanimava. A emoção era maior. Um arco-íris misterioso pairava no céu. ;Não tinha uma nuvem, nem chuva. Ninguém conseguia explicar o arco-íris.; Era o céu participando da festa. Helena fotografava tudo com uma câmera muito simples, que ganhara na infância.
Primeiros tempos
Ela registrou em imagens as obras de Brasília, a W3 Sul cheia de lama, o Lago Paranoá em cada etapa de preenchimento, as belezas naturais (como as cachoeiras), os fogos de artifício no céu escuro na noite da inauguração e a euforia de uma vida que apenas começava. Naquela época, já pensava em contar a experiência em um livro.
Hoje, 50 anos depois, deu forma ao plano. Lançou em 2010 a publicação Brasília: o despertar do gigante. Em 237 páginas, a escritora eternizou as memórias da construção da capital com textos e fotos. De segredo, só guarda a própria idade. ;Tenho horror a preconceito. E há o preconceito etário;, justificou.
Helena conhece Brasília em seu íntimo. ;Vejo a cidade como se fosse a minha filha mais velha. Brasília não foi feita de cimento, mas de solidariedade. Tem espírito. É um sonho do qual jamais vou desistir;, afirmou. Em 1962, a então jovem Helena prestou o primeiro vestibular da Universidade de Brasília (UnB), para arquitetura. E foi aprovada.
A pioneira nunca vai esquecer o dia em que assistiu a uma aula no Auditório Dois Candangos: o professor foi o próprio Juscelino Kubitschek. ;Ele estava prestes a sair do país, em exílio, e foi até lá. Quando já estava de saída, JK passou por mim e me deu um abraço inesperado. Reconheceu meu rosto. Eu disse: ;Muito obrigada por Brasília;. E ele saiu;, recorda, emocionada.
Nos anos 1980, Helena passou a trabalhar no Senado Federal, como consultora legislativa concursada. Durante muito tempo, redigiu projetos de lei e, principalmente, os discursos pronunciados pelos parlamentares.
Aposentou-se com direito a homenagens e diploma de honra ao mérito. O maior orgulho da candanga, porém, é ter deixado outra contribuição para a cidade: uma parte da nova geração. Helena teve quatro filhos, dos quais três estão vivos. Hoje, é avó de 10 netos. Todos orgulhosamente brasilienses.