postado em 28/11/2010 08:03
O Ministério Público de Goiás investiga a construção de um conjunto habitacional em antigo lixão de Valparaíso de Goiás, município goiano distante 36km do Plano Piloto. Grupo de vereadores da cidade denunciou o caso à 3; Promotoria de Valparaíso, pois há indícios de que as novas casas do bairro Pacaembu tenham sido construídas sem estudos de impacto ambiental. Acredita-se, assim, que a prefeitura agiu ilegalmente ao emitir o alvará de construção à empresa proprietária do terreno. O empreendimento está em andamento e prevê pelo menos 19 imóveis na localidade.Além do perigo de desabamentos, o Ministério Público alertou para os riscos à saúde dos futuros moradores. A Vigilância Sanitária de Valparaíso confirmou oficialmente a ausência de estudos de impacto ambiental na região e a existência de sucessivas camadas de lixo recobertas de terra no subsolo. ;Com passar do tempo este lixo entra em decomposição liberando gases e chorume, isto é, trará sérios problemas de saúde para os futuros moradores deste empreendimento;, atestou o então gerente do órgão, Paulo Viana da Rocha, no ofício 018/2010 (leia fac-símile). ;O terreno oferecerá sérios problemas para as estruturas das edificações ali construídas pelas acomodações destas camadas, podendo ocasionar até deslizamento de terra (sic);, completou.
Rocha, hoje afastado das funções pela prefeitura local, usou o documento para responder, em setembro deste ano, ao presidente da Comissão de Meio Ambiente e 2; secretário da Mesa Diretora da Câmara, vereador Antônio Bites (PT). O petista tomou a iniciativa ao saber que o projeto previa a construção de 1,4 mil residências no condomínio do bairro Pacaembu. Enviou solicitações a vários órgãos da cidade, mas apenas a Vigilância deu um parecer. ;Passou todo esse tempo e não recebemos qualquer documento. De acordo com a Lei Orgânica da cidade, quando é emitido um requerimento pela Câmara Municipal à prefeitura, ela tem 15 dias para respondê-lo, mas isso não aconteceu;, afirmou Bites.
O Correio esteve na casa do ex-gerente da Vigilância Sanitária de Valparaíso Paulo da Rocha. Ele confirmou a destituição do cargo dias após ter redigido o parecer sobre os riscos do condomínio. ;Aquele lixão funcionou por cerca de 20 anos recebendo os detritos da cidade, incluindo os hospitalares. Mas depois de um tempo o lixo hospitalar passou a não ser jogado exatamente no lixão, mas em um local ao lado, ou melhor, onde estão construindo o condomínio. Então, aquela área é ainda mais perigosa;, afirmou. ;A Vigilância Sanitária recebeu várias reclamações da população. Eu, inclusive, fui ao local;, acrescentou.
Afastamento
Após conseguir poucas informações a respeito do empreendimento, Paulo da Rocha solicitou à Construtora Costa, proprietária do terreno, a suspensão das obras até a realização de um estudo de impacto ambiental. ;Queriam que eu voltasse atrás na minha decisão, mas eu não quis fazer isso. Foi então que me tiraram do cargo e me afastaram. Se fizeram esse tipo de coisa com alguém em cargo de chefia, imagine você como estão se sentindo acuados os fiscais da região hoje;, sugeriu.
A prefeita de Valparaíso, Lêda Borges (PSDB), afirma que os vereadores de oposição estão levantando um assunto arquivado pela Câmara Municipal. ;Não é verdade que o condomínio está sendo construído em cima do antigo lixão. Nós temos toda a documentação. O loteamento está aprovado com todas as licenças técnicas, inclusive a empresa pleiteou a licença ambiental na Secretaria de Meio Ambiente do estado;, justificou. ;A área onde era depositado o lixo fica a 300m do local da construção. De forma alguma os futuros moradores vão ter problema, já que o solo não sofreu impacto. Aquela área do lixão sempre foi particular, inclusive a prefeitura respondeu por crime ambiental na ocasião em que ele ainda funcionava. Agora, o espaço será revitalizado;, acrescentou. Segundo Lêda, Viana responde a sindicância por ter dado um parecer ;inverídico e tendencioso;.
Lixão
O novo condomínio habitacional está em construção na área da Fazenda Santa Maria, que hoje ocupa parte do bairro Pacaembu. É ali onde também uma área de 96 mil m; acabou usada como lixão por mais de duas décadas. Também havia o depósito de resíduos hospitalares.
Investigação aberta
O promotor Bernardo Boclin Borges, da 3; Promotoria de Valparaíso, disse que o fechamento do lixão era reivindicado pela população, a maioria do bairro Pacaembu, há mais de 12 anos. ;Fizemos um acordo com a prefeita e ela retirou o lixão. A novidade é que recebemos uma representação sobre uma suposta construção de casas em cima desse antigo lixão. Assim, encaminhamos ofício à prefeita e ela nos respondeu no dia seguinte confirmando que expediu alvará de construção para uma área que fica próxima;, contou.
Ainda segundo Borges, a promotoria está levantando informações a fim de verificar possíveis danos ambientais na área, além da documentação da empresa responsável pelo empreendimento. ;Eu fiz uma solicitação à Secretaria de Meio Ambiente de Goiás e, na terça-feira, uma equipe técnica irá realizar uma perícia no terreno;, adiantou. O promotor também pediu levantamento para identificar a exata localização do condomínio. ;Temos que saber, primeiro, se as casas estão em cima do lixão ou próximas a ele. Nossa atuação é na área ambiental e na área de proteção ao cidadão;, explicou.
A reportagem procurou a Construtora Costa. Por meio de contato telefônico, o Correio se apresentou como possível comprador. De acordo com um dos três vendedores ouvidos, serão construídas, na primeira etapa do empreendimento, 48 casas. A previsão é de imóveis de dois cômodos, abrigados em 102 metros quadrados. O morador terá direito a até três vagas de garagem. E a média de preço será de R$ 85 mil. ;Em dezembro, vamos começar a entrega. Ela acontecerá também em janeiro. A pista que passa pelo condomínio, inclusive, será asfaltada;, informou o atendente. Outra disse que seria possível o financiamento do imóvel pela Caixa Econômica Federal (CEF), por meio do Minha Casa, Minha Vida.
Procurada, a Caixa informou, por meio da assessoria de imprensa, que a obra de Valparaíso não conta com recursos recursos de nenhum programa social do governo. Ouvido pelo Correio, um representante da Construtora Costa, negou qualquer vínculo com o Minha Casa, Minha Vida. Também deu informações diferentes daquelas prestadas pelos funcionários. ;Eu não sei qual a conotação dos dados levantados por esses vereadores, já que a própria prefeitura me concedeu o alvará. O alvará não é para 1,4 mil casas, mas para 200. Em um primeiro momento, serão construídas 19;, esclareceu o engenheiro, que não quis se identificar.
O professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Murrieta alertou que, independentemente da posição das construções, o fato delas estarem próximas a um antigo lixão é um problema. ;Eu não proponho que áreas de aterro sanitário récem-fechadas recebam qualquer tipo de construção. Mesmo sendo perto, é necessário fazer uma sondagem no local, isto é, cavar um buraco para verificar o material encontrado no subsolo;, explicou Murrieta. ;Também é importante estar atento para a contaminação do lençol freático;, concluiu.