postado em 28/11/2010 08:37
Os últimos levantamentos sobre criação de postos de trabalho no Distrito Federal revelam um cenário positivo, em sintonia com as demais unidades da Federação. A última Pesquisa de Emprego e Desemprego no DF (PED-DF) do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta queda de 15,1% para 13,1% da taxa de desemprego em 12 meses. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, mostra que os postos criados em Brasília e região no acumulado de 2010 superam em 4,73% os abertos no mesmo período de 2009. Uma parcela significativa da população tem tido mais acesso a oportunidades, em razão do aquecimento econômico do país. No entanto, o desemprego segue sendo uma mazela de difícil solução, local e nacionalmente. Há um longo caminho a percorrer para equacioná-la. No Distrito Federal, onde 185 mil pessoas ainda estão atrás de uma oportunidade no mercado de trabalho, ele terá de passar, necessariamente, pelo Entorno.Dados levantados pelo Dieese a pedido do Correio mostram um movimento interessante em um período de 10 anos. Entre 1999 e 2009, a ocupação cresceu em ritmo acelerado. A quantidade de contratados anualmente com carteira assinada saltou de 144 mil no fim dos anos 1990 para 217.099 pessoas no ano passado, um incremento de 104%. A População Economicamente Ativa (PEA) ; inclui desempregados e trabalhadores informais ; também aumentou, o que é considerado normal. Chama a atenção, entretanto, o fato de ela ter crescido principalmente nas regiões mais carentes do DF.
A PED-DF é realizada em 19 regiões administrativas, divididas em três grupos, segundo a renda dos habitantes. No grupo com a faixa de renda mais baixa estão incluídas
Brazlândia, Ceilândia, Samambaia, Paranoá, São Sebastião, Santa Maria e Recanto das Emas. Nessas sete cidades, a PEA subiu de 406 mil pessoas, em 1999, para 651 mil em 2009, aumento de 60%. Em Taguatinga, Sobradinho, Gama, Planaltina, Núcleo Bandeirante, Guará, Cruzeiro, Candangolância e Riacho Fundo, locais onde a renda é intermediária, a população sem ocupação ou sem emprego formal foi de 451 mil para 599 mil no mesmo período, o seja, cresceu 33%. Na região central do DF, a mais rica ; Brasília, Lago Sul e Lago Norte ; deu-se o fenômeno inverso. A População Economicamente Ativa passou de 137 mil para 128 mil em uma década. Recuou, portanto, 7%.
;O crescimento da ocupação não tem sido suficiente para absorver a PEA, e o fenômeno está ocorrendo especificamente nas regiões de renda mais baixa. Isso faz com que a taxa de desemprego não caia, ou diminua de forma relativamente lenta;, destaca o economista Tiago Oliveira, do Dieese, um dos responsáveis pela PED-DF. Para ele, a escalada contínua da população ativa nas áreas pobres ou menos ricas do Distrito Federal tem explicação na pressão exercida pelas cidades do Entorno sobre o mercado de trabalho local. ;(A situação) coloca na ordem do dia a necessidade de se pensar em um modelo de desenvolvimento regional;, destaca Tiago, que aponta também para a importância de investimentos em educação, qualificação técnica e transporte público. ;A erradicação do desemprego não passa só por políticas econômicas e de mercado;, afirma.
Características acentuadas
Para o economista Carlos Alberto Ramos, professor da Universidade de Brasília (UnB) especialista em emprego e desemprego, a falta de vagas em Brasília tem características semelhantes às encontradas em outras metrópoles brasileiras que recebem fluxos migratórios, mas manifestas de maneira acentuada. ;O rendimento e a renda per capita do DF são os maiores do país. O emprego público, que paga salários altos, pauta o custo de vida. Mesmo com um dispêndio mensal alto, a população pobre de outros estados tem a possibilidade de ganhar mais do que ganharia em seu local de origem;, analisa.
À parte esses traços peculiares, o retrato do desemprego no DF não difere do verificado em outros grandes centros. A maior parte dos desempregados é jovem, do sexo feminino, tem a pele negra e possui escolaridade mediana. A pouca idade de quem está à procura de trabalho tem relação com a alta rotatividade nos empregos em um período de construção de carreira, falta de experiência, necessidade de conciliar trabalho e estudo, entre outros fatores. O sexo e a cor da pele são resquícios da desigualdade e discriminação.
Por fim, a desocupação entre pessoas com qualificação mediana explica-se pela grande competição por postos nessa fatia do mercado. ;Para menos qualificados é mais fácil encontrar trabalho, porque aceitam funções que pessoas um pouco mais instruídas rejeitam. Já o nível superior e a pós-gradução diminuem o risco de desemprego. A briga entre os que têm formação média é a mais acirrada;, diz Tiago Oliveira, do Dieese.
VIZINHANÇA
Microrregião que gravita em torno da economia e dos serviços de saúde, educação e outros oferecidos no Distrito Federal. Engloba os municípios de Goiás, Minas Gerais e Bahia que estão próximos geograficamente da capital federal e mantêm alguma relação de dependência com ela.
ELES NÃO CONSEGUEM TRABALHO
Ajuda do governo
O pintor Valdemar Lima Milhomem, 53 anos, é o típico chefe de família. Sempre manteve a esposa, a dona de casa Adalgisa Pereira Silva, 64 anos, e a filha, hoje já crescida e casada. Valdemar se orgulha de ser o provedor do lar, mas nos últimos anos a realidade tem sido bem diversa daquela que ele conheceu quando era mais jovem. Por 15 anos, o pintor foi empregado da extinta empresa de engenharia Encol, que foi à falência nos anos 1990. Em 1996, recebeu uma indenização trabalhista que lhe permitiu comprar a casa própria em Samambaia, mais tarde vendida e substituída por uma na Expansão do Setor O de Ceilândia. Após o fim da Encol, Valdemar foi vinculado a algumas construtoras e imobiliárias, mas decidiu tornar-se autônomo. ;Eu conseguia tirar mais dinheiro;, conta. Mas, recentemente, a demanda vem escasseando. ;Se pego três trabalhos por mês é muito. Acho que é culpa desses programas do governo que encheram a cidade de obras. Está tudo nas mãos das empresas.; Preocupada, Adalgisa correu atrás do Bolsa Família, benefício federal de R$ 130. Com o dinheiro, e a venda de picolés da sorveteria de um primo de Valdemar, o casal tem se sustentado.
Com o amparo da família
Criado no interior de Minas Gerais, José Alons Francisco Neri (foto acima), 47 anos, não conhece outro ofício além de lavrar a terra. Todos os empregos que teve foram em fazendas e chácaras. Mas, do início da década para cá, a situação começou a ficar mais e mais difícil para ele. O ano de 2000 foi o último em que ele teve a carteira de trabalho assinada por um empregador. Na época, ele era caseiro em uma chácara da Colônia Agrícola Governador, em Águas Claras. Depois disso, só conseguiu ser admitido informalmente. Até o fim de 2009, ainda tinha um emprego regular, embora sem carteira assinada. Ajudava uma família a lavrar a terra em uma chácara na Colônia Agrícola Cana do Reino, em Vicente Pires. Com a morte do pai do patrão, entretanto, o local foi vendido. José Alons tentou empregar-se novamente, mas um problema inesperado o impediu. ;Comecei a sentir um amargor na boca e uma dor na região do fígado. Acho que estou doente, mas ainda não consegui marcar exames para comprovar;, conta. Morador da Estrutural, o lavrador depende do Hospital Regional de Taguatinga (HRT) para ter atendimento de saúde. Sem fonte de renda, mora com uma irmã, e é ajudado por ela e pela mãe. ;Como estou há muito tempo sem ser fichado, não posso contar com a Previdência;, lamenta.
Prestes a serem despejados
Esmeralda Taveira dos Santos, 47 anos, e Ivanildo Januário da Silva (foto acima), 52, permanecem unidos na adversidade. Desempregados, eles ocupam um barraco na Estrutural, cujo aluguel custa R$ 150. O valor baixo é adequado à parca renda dos dois, mas está atrasado desde maio. O dono do lote já pediu o lugar de volta. Esmeralda e Ivanildo, ela de Tocantins e ele de Pernambuco, não sabem onde irão morar quando forem despejados. Esmeralda é empregada doméstica e nunca teve a carteira assinada. Ela admite que, em muitas ocasiões, foi ingênua. ;Já teve patrão que quis assinar, mas eu recusei porque achei que isso ia me prender aqui. E eu tinha saudade dos meus meninos;, conta Esmeralda, que deixou os filhos aos cuidados da mãe. Atualmente, está difícil arranjar trabalho regular. ;Fiz só umas diárias este ano. Deixei currículo em agências, mas é difícil. Muitos querem empregada que durma. Na última casa onde fiz entrevista, a dona ;esfriou; quando eu disse que morava na Estrutural. Tem preconceito;, opina. Até outubro de 2009, Ivanildo foi auxiliar de serviços gerais em uma empresa de engenharia. Com a chegada das chuvas, houve dispensa de pessoal. ;Agora, como vou achar outro emprego fichado na minha idade?;, questiona ele, que chegou a chorar enquanto falava com a reportagem.
O sonho continua
Apesar de bastante jovem, a operadora de telemarketing Edcleia de Lima, 24 anos, está no mercado de trabalho há oito. Antes mesmo de concluir o ensino médio, aos 16 anos, ela já aprendia os ossos do ofício de lidar com clientes ao telefone. O primeiro emprego veio por meio de indicação do Instituto Elvauldo Lodi (IEL), que encaminha estudantes para estágios. ;Comecei como estagiária, e aos 18 anos fui contratada;, relata Edcleia. A vida corrida ainda não deixou tempo para a jovem correr atrás de um curso de qualificação. Edcleia acredita, entretanto, que seu currículo fala por ela. ;Eu ganhei experiência fazendo mesmo. Já estive em quatro empresas;, informa. A trajetória que enche Edcleia de orgulho tem espaço para uma mágoa. Atualmente em busca de emprego, a operadora de telemarketing foi dispensada pela última empresa em que atuou após ficar dois meses afastada para tratar uma hérnia de disco. ;Quando retornei, imediatamente me botaram de férias e me mandaram embora. É triste, mas você só serve para o mercado se estiver saudável, produzindo;, comenta a jovem, que não se deixa desanimar. Sonha em fazer faculdade de gestão em marketing quando a situação financeira estiver mais equilibrada. ;Assim, vou poder ocupar qualquer posto na área e batalhar por um salário melhor.;