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Leilão traz benefício de valor mais baixo que o de mercado, mas tem riscos

No caso de imóveis, além dos inquilinos, é preciso verificar dívidas pré-existentes e se há escritura

postado em 29/11/2010 08:22
O casal Ricardo e Volneide Silva arrematou um apartamento em leilão em junho de 2009: gastos com reforma superaram a economia feita ao optar pela venda públicaNo cinema e na TV, leilões costumam ser frequentados por pessoas dispostas a pagar quantias consideráveis por uma peça rara ou de desejo. É claro que esse mercado existe, mas essas vendas públicas têm se tornado cada vez mais populares e acessíveis, representando uma boa oportunidade para variadas aquisições ; desde carros e obras de arte até joias e imóveis ;, a preços mais em conta. Leva o bem que der o maior lance. Mesmo assim, em investimentos mais vultuosos, como a compra de um imóvel em leilão judicial ou extrajudicial, por exemplo, ainda é possível economizar pelo menos 40% se comparado ao valor de mercado. No entanto, antes de ouvir a batida do martelo, é preciso pesquisar sobre o objeto pretendido, além de avaliar o custo-benefício e os riscos envolvidos na negociação para evitar arrependimentos.

Embora vantajosa, a compra de imóvel em leilão é a que costuma trazer mais inconvenientes aos consumidores. Antes de tudo, é preciso estar disposto a enfrentar uma briga na Justiça para obter a emissão de posse, já que a maior parte dos imóveis leiloados judicialmente ou extrajudicialmente são vendidos ainda ocupados. ;Esse é o principal motivo que leva os participantes de leilão a nos procurarem. O valor do bem é mais baixo porque há riscos e gastos com advogados que devem ser contabilizados no cálculo final. Em uma ação mais demorada, em que não se consegue uma liminar, a retirada dos atuais moradores pode demorar até cinco anos. Por isso o comprador não pode ter pressa de morar no local;, avalia o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), José Geraldo Tardin.

O casal Ricardo André Batista da Silva, 41 anos, e Volneide Coelho Bizerra Silva, 34, compraram seu primeiro imóvel em um leilão da Caixa em junho do ano passado. ;Fui contemplado em um consórcio e usei a carta de crédito como lance no leilão de um apartamento na QNL 15, em Taguatinga Norte;, conta o acupunturista Ricardo, que preferiu correr o risco inerente ao negócio em razão da economia. Antes de arrematar o bem, ele tomou todos os cuidados, como checar sobre a existência de outras penhoras, de dívidas anteriores e de mensalidades de condomínio atrasadas. ;Na época, a Caixa se responsabilizou em pagar o condomínio atrasado. Então, a única pendência seria promover a desocupação do imóvel;, recorda-se Ricardo, que ainda hoje espera a Caixa cumprir o prometido.

Ação judicialO advogado Cristiano de Freitas aconselha: verifique a situação do bem
Ele e a esposa entraram no apartamento no fim de julho deste ano. Mas antes foi preciso enfrentar uma ação judicial para obter a emissão de posse e realizar uma reforma completa. Isso porque, ao deixarem o apartamento, os antigos moradores quebraram todo o lugar. ;Arrancaram a fiação e as fechaduras, retiraram os lustres e interruptores, marretaram os azulejos, sujaram as paredes, quebraram o vazo, a pia, os vidros e um armário;, lembra-se Ricardo, que no fim das contas, gastou mais com a reforma do que conseguiu economizar na aquisição do apartamento. O seguro da Caixa se recusou a cobrir danos com vandalismo. Os gastos com advogado não terminaram com a emissão da posse. Agora, o casal move ação contra os antigos proprietários pela destruição causada. Até o fechamento desta edição, a Caixa não enviou resposta ao Correio.

Some-se à dificuldade de retomar o imóvel outros transtornos. Entre eles, a inexistência de escritura, a aquisição de bem penhorado ou já vendido para mais de um comprador e dívidas pré-existentes que incidem sobre o bem, como IPTU e condomínios atrasados. Além disso, há o risco da anulação da compra, caso todos os passos da lei não forem cumpridos, inclusive, se o atual proprietário não foi notificado sobre a realização da venda pública.

O especialista em direito processual civil e sócio da Advocacia Fernandes Melo, Cristiano de Freitas Fernandes, aconselha aos que buscam bons descontos a participarem do segundo leilão. ;No primeiro, não pode haver preço menor que o de mercado. A grande maioria dos compradores aguardam o segundo leilão, no qual é possível arrematar por até 60% do valor praticado normalmente. Abaixo disso, a venda pode ser anulada em razão de prática de preço vil e prejuízo excessivo ao devedor;, explica Cristiano.

Há ainda outros fatores que pesam contra a aquisição do imóvel. A orientação é que o comprador obtenha todas as certidões da Justiça e do cartório de registro de imóveis para verificar a situação do vendedor e do bem. ;Cheque a certidão de ônus do imóvel atualizada para saber se existem outras penhoras, hipotecas ou alienações. Em geral, deve-se evitar imóveis que estejam em situação complexa na Justiça. Vale pesquisar também na Justiça comum e federal a situação do proprietário, afinal, a existência de problemas com o imóvel ainda não retratados na certidão de ônus, mas constantes de processo judicial público, podem ser usados contra o comprador, ou seja, ele não pode alegar ignorância quanto a isso;, afirma Cristiano Fernandes.

Dívidas com IPTU e as taxas de condomínio incidem sobre o bem, por isso o comprador deverá quitar tais pendências. Entretanto, existe também um caso em que os débitos não ficam sob responsabilidade do novo dono. ;Se a dívida foi adquirida antes do leilão, será possível ajuizar ação regressiva contra o antigo dono, para que o arrematante possa ser ressarcido do que pagou. Mas se o leilão ocorreu justamente por conta de dívida de IPTU e condomínio, eles serão quitados no ato da arrematação, pelo que, obviamente, não será possível a ação regressiva;, esclarece Cristiano Fernandes.

Bens móveis
Os leilões de bens móveis, como carros, joias, obras de arte e eletroeletrônicos, não costumam envolver tantos riscos. Nem por isso a negociação está livre de cuidados. ;Cheque se a avaliação do bem está correta e verifique o seu estado de conservação. Também é preciso saber onde o objeto está fisicamente, se em poder do devedor, do credor ou do depositário público;, orienta Cristiano.

Segundo ele, os carros exigem cuidados principalmente com dívidas pendentes como multas e IPVAs não pagos. ;Quem comprou o veículo é considerado responsável solidário pela dívida de IPVA. O não pagamento do imposto dá direito ao DF de ajuizar execução fiscal para penhorar o automóvel e vendê-lo em um futuro leilão;, alerta Cristiano. Há também os casos em que os bancos credores não concordam com o valor arrematado e se recusam a entregar a documentação. Aí é preciso entrar com ação judicial.


AS DIFERENÇAS
Um bem é leiloado judicialmente quando, em razão de alguma decisão da Justiça, ele foi penhorado e está em processo de execução. Já no caso de financiamento imobiliário, pelo Sistema Financeiro de Habitação, o credor pode vender o bem imóvel financiado em leilão para quitar a dívida do próprio empréstimo sem a necessidade de autorização judicial, ou seja, extrajudicialmente.


Antes de bater o martelo

Compra de imóvel

; Leia o edital com atenção. Esse documento traz todas
as características do bem, sua procedência, situação burocrática etc.

; Avalie a situação do imóvel com antecedência. Cheque a certidão de ônus atualizada para saber se existem outras penhoras, hipotecas ou alienações envolvendo o bem.

; É interessante também pesquisar a situação do atual proprietário na Justiça comum e federal. Isso pode indicar a existência de outras dívidas envolvendo o bem.

; Consulte sobre pendências anteriores, como IPTU e mensalidades de condomínio atrasadas. Essas dívidas devem ser assumidas pelo novo comprador, já que o seu não pagamento pode levar à perda do imóvel.

; Se o imóvel estiver ocupado, inclua no cálculo econômico a contratação futura de um advogado para fazer a emissão de posse (retirada dos moradores).

; Se pretende conseguir um bom desconto, participe do segundo leilão. No primeiro, o preço praticado deve ser compatível com o de mercado.

; Peça ajuda de um advogado para ter certeza de que não há falhas no processo para a realização do leilão. Caso contrário, a venda pública poderá ser anulada na Justiça a pedido do atual proprietário.

; Verifique se a execução é definitiva. Se não for, o antigo proprietário pode conseguir um recurso na Justiça e você ficará sem a carta de arrematação.

; Visite o imóvel.

; O leilão também perderá a validade se for praticado um preço vil, muito abaixo de valor de mercado e que cause prejuízo excessivo ao devedor. Em geral, considera-se um razoável a venda por 60% do praticado no mercado.

; Evite participar de leilão cujo bem seja levado à venda pública por meio de execução provisória. Nesse caso, o proprietário do imóvel pode ganhar recurso na Justiça e dificultar a arrematação do bem.

; Após a compra, peça que a carta de arrematação seja expedida o mais rápido possível. Somente após o registro em cartório imobiliário, o comprador se torna realmente o proprietário do imóvel.

Compra de bens móveis (carros, obras de arte, joias etc.)

; Cheque se a avaliação está correta. A prática de preço muito abaixo ao de mercado pode levar à anulação do leilão.

; Certifique-se sobre o estado de conservação do bem.

; Avalie a dificuldade para obter a posse do bem. Procure saber, por exemplo, onde o objeto está fisicamente, se em poder do devedor, do credor ou de um depositário público.

; Antes de comprar automóveis em leilões, confira a existência de pendências com multas e IPVA não pago.

; Quem comprou o veículo é considerado responsável solidário pela dívida de IPVA. O não pagamento do imposto dá direito ao Distrito Federal de ajuizar uma execução fiscal para penhorar o automóvel e vendê-lo em um futuro leilão.

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