postado em 30/11/2010 07:49
A falta de unidades de terapia intensiva (UTIs) pode agravar a crise na saúde pública do Distrito Federal. O paciente em estado grave que depende desse serviço corre o risco de padecer à espera de socorro. Isso porque a rede particular ameaça suspender o atendimento nos 125 leitos distribuídos em 16 hospitais conveniados e pagos com dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS). Até agora, duas unidades privadas ; o Hospital das Clínicas, na 910 Sul, e o Alvorada, em Taguatinga ; decidiram não mais atender pacientes transferidos da rede pública, mesmo por força de decisão judicial. Os gestores alegam que a Secretaria de Saúde não paga pelo serviço. Com isso, já são 21 leitos a menos.A dívida total, segundo o Sindicato Brasiliense dos Hospitais (SBH), é de R$ 103 milhões. Entre setembro e dezembro do ano passado, o valor não pago seria de R$ 41 milhões. Este ano, o débito ultrapassa R$ 62 milhões. A secretária de Saúde, Fabíola Nunes, garante que o governo está em dia com os pagamentos. ;Estamos adimplentes com a rede contratada e todas as tabelas que comprovam esse pagamento de 2010 podem ser conferidas no nosso site;, disse. Ela explicou que os valores referentes aos meses de setembro e outubro deste ano ainda não foram debitados porque, antes, é preciso fazer uma auditoria nos gastos. A secretária, porém, admitiu que existe uma dívida de 2009, mas que o GDF não tem recurso suficiente para pagar.
De acordo com Fabíola Nunes, o atraso no pagamento é resultado de um contrato firmado em 2004 entre GDF e a rede particular, que estipula valores três vezes maiores que o da tabela do Ministério da Saúde. ;Eu tenho que pagar do jeito que eu recebo do governo federal. Não tenho como reconhecer uma dívida que não está no orçamento. Sem contar que os valores que eles querem são insustentáveis, com preços muito acima da tabela. Se tivermos um problema maior por causa dessa omissão, vou entrar na Justiça, com certeza;, garantiu.
O diretor do Hospital das Clínicas (HCB), Moacir Zanata, acusa o GDF de agir com ;descaso;. Apenas no HCB, existem mais de 200 liminares expedidas pela Justiça garantindo o atendimento nas UTIs que foram cumpridas e não pagas, de acordo com o diretor. Segundo ele, a dívida da rede pública com a unidade hospitalar chega a R$ 20 milhões. Agora, o hospital não irá receber nem mesmo aquelas pessoas encaminhadas pela Justiça. ;Não vou aceitar transferências porque não posso ser negligente de colocar um paciente em um leito sem equipe médica suficiente. Não tenho condições de atender porque todos os leitos do hospital também estão ocupados;, disse.
Via crucis
A dificuldade de conseguir uma UTI no DF é uma realidade para muitos brasilienses. Ontem, o atendente de lanchonete Renato Pereira da Silva, 25 anos, protocolou um pedido de leito na Defensoria Pública para o primeiro filho chamado Caio. O bebê nasceu prematuro há quatro dias no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) e respira com ajuda de aparelhos. ;O médico disse que ele nasceu com complicações e que se eu não conseguir logo uma UTI, pode acontecer o pior. Tentei transferir para algum outro hospital público, mas está tudo lotado. O jeito é o particular;, contou, com os olhos cheios de lágrimas, o morador de Taguatinga.
Para evitar que mais pessoas tenham dificuldade em conseguir um leito na UTI, hoje, o promotor Jairo Bisol, da 1; Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos da Saúde, agendou uma reunião com a secretária Fabíola Nunes e o subsecretário de Saúde, Eduardo Guerra. Bisol quer que haja um consenso entre as partes, mas adiantou que a existência de um contrato obriga a Secretaria de Saúde a cumpri-lo. ;Contrato é contrato. O Ministério Público vai exigir o cumprimento dele e, por outro lado, cobrar dos hospitais particulares que eles cumpram a parte deles. Se alguém se recusar a atender, mesmo com existência de liminar, pode ser responsabilizado criminalmente;, alertou. A rede pública de saúde dispõe de 223 leitos em UTIs. Devido a um surto de bactérias, a unidade de terapia intensiva neonatal do Hospital Regional da Asa Sul (Hras) está recebendo apenas casos considerados gravíssimos.
MEMÓRIA
Situação que se arrasta
A crise envolvendo Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) não é de hoje. No fim de abril, o quadro era semelhante. Conforme divulgou o Correio, os hospitais particulares cobravam uma dívida de quase R$ 60 milhões da Secretaria de Saúde, referente às diárias desses serviços que não são totalmente absorvidos pela rede pública.
O valor se referia a 10 meses de atraso no pagamento, segundo os donos de hospitais particulares. Na ocasião, assim como agora, os empresários do setor ameaçaram romper os contratos com o governo local e o Ministério Público teve de entrar no caso.
Logo após assumir o Executivo, o governador Rogério Rosso (PMDB) fez um acordo com o setor e acabou com o impasse, que agora volta a ameaçar o atendimento daqueles pacientes que precisam de uma vaga nas UTIs. Na ocasião, o GDF prometeu uma auditoria nos contratos.