postado em 07/12/2010 07:57
A Câmara Legislativa emprega atualmente 41 servidores cedidos pela Polícia Civil para prestar serviço de assessoria aos distritais. Todos são remunerados, no entanto, com dinheiro do Fundo Constitucional ; verba da União destinada ao pagamento de salários dos servidores da Saúde, da Educação e da Segurança Pública. Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) denuncia o problema e cobra da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) os valores correspondentes aos contracheques dos funcionários emprestados para a Câmara. Em reiteirados ofícios enviados à sede do Poder Legislativo, a corporação demonstra ter tentado receber o dinheiro. Em outubro, a Mesa Diretora da Casa quitou os atrasados de 2008 e 2009, mas ignorou os dados referentes a 2010, cuja dívida é de R$ 2,1 milhões. A inadimplência da Câmara coloca em risco a lisura na aplicação dos recursos repassados pela União ao DF. Uma das constatações da Auditoria n; 246.555 da CGU é que a Polícia Civil do DF liberou os servidores para outros órgãos sem o devido ressarcimento ;com desvio de finalidade dos recursos do Fundo Constitucional;. Destacam os auditores: ;Há policiais cedidos para outros órgãos cuja remuneração do cargo efetivo na polícia deveria ser ressarcida por estes órgãos cessionários, o que não vem ocorrendo a contento;. Os auditores responsáveis pelo relatório chamam a atenção para o fato de já terem exigido da PCDF o pagamento. Levantamento feito pela própria Polícia Civil em 2009 aponta dívida de R$ 22,9 milhões referente aos funcionários cedidos para a Câmara e para o governo.
A direção da Polícia Civil se justificou à Controladoria-Geral da União enviando ao órgão de controle do governo federal cópia dos ofícios de cobrança remetidos sistematicamente para a Câmara Legislativa e demais repartições do Executivo que não repuseram a quantia referente aos salários dos policiais em desvio de função. O repasse é previsto em dois decretos, um presidencial e outro do GDF (leia O que diz a lei). O Correio teve acesso às cópias de 10 documentos de 2010 endereçados à Câmara em que a PCDF reclama o pagamento relativo aos funcionários emprestados.
Ultimato
Diante da falta de retorno, em 25 de agosto, a direção da Polícia deu um ultimato ao Legislativo. Em carta encaminhada à Diretoria da Divisão de Recursos Humanos da Casa, o diretor da Divisão de Recursos Humanos da Polícia Civil, Welligton Ribeiro, cita a auditoria da CGU e pede que os policiais cedidos sejam notificados de que deverão retornar ;imediatamente; ao órgão de origem ;sob pena de suspensão do pagamento da remuneração;. A própria Polícia enviou carta a todos os 41 servidores da corporação com mesmo tom de ameaça.
A pressão surtiu efeito. Em 2 de outubro, a Mesa Diretora da Câmara aprovou o parecer da Procuradoria-Geral determinando o pagamento de R$ 5,72 milhões devidos à Polícia Civil relativos aos anos de 2008 e de 2009. O problema é que a Câmara ignorou a dívida de 2010, como demonstram novos alertas feitos pela PCDF. Em 10 de novembro, a instituição informou, em ofício, sobre a pendência e solicitou que os ;ressarcimentos sejam creditados até 23 de dezembro para viabilizar a conciliação e a respectiva regularização contábil dentro do exercício;. Não há previsão, no entanto, de quando a Câmara vai acertar as contas com o Fundo Constitucional do DF.
Áreas vitais
Criado em 2002, o Fundo Constitucional abastece áreas consideradas vitais na administração do DF. Em 2010, a verba federal para pagamento de professores, médicos, auxiliares da saúde e educação, além de policiais chegou a R$ 7,6 bilhões.
DÍVIDA DA CÂMARA COM A PC
2008 - R$ 3,42 milhões
2009 - R$ 2, 91 milhões
2010 - R$ 2,15 milhões
DENUNCIE
Em dezembro de 2001 foi publicado o Decreto Presidencial n; 4050, que cria normas para a cessão de servidores custeados com recursos da União. Uma das regras é justamente o dever do órgão que pede o funcionário emprestado de reembolsar a repartição de origem, restituição que deve incluir até mesmo os encargos sociais. Outro decreto, esse publicado em 3 de janeiro de 2008 e de autoria do então governador José Roberto Arruda, determina em seu artigo 2; que, quando tratar-se de servidor cedido da área de segurança pública, o órgão com a iniciativa de pedir o funcionário deverá proceder ;mensalmente o reembolso das despesas realizadas com o pagamento da remuneração respectiva do servidor;.
[FOTO2]CONTAS MAQUIADAS
O Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindical) acusa a Câmara Legislativa de maquiar a gestão financeira para se livrar das punições previstas na legislação aos órgãos e gestores que descumprem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). De acordo com a direção do Sindical, a Mesa Diretora da Câmara evita pagar à Polícia Civil para diminuir o índice de gastos com pessoal.
Desde agosto, os deputados estão impedidos de fazer novas contratações de servidores comissionados porque atingiram percentual de despesa acima do limite aceitável pela LRF. O repasse dos valores à Polícia Civil agravaria o problema. ;Em vez de fazer uma restruturação administrativa, a Câmara opta por burlar a lei e mascarar a sua real situação fiscal;, diz o presidente do Sindical, Adriano Campos.
De acordo com cálculos do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo, se a Câmara pagar a Polícia Civil a dívida referente ao exercício financeiro de 2010 vai ultrapassar o limite prudencial de gastos com pessoal e praticamente encostar no teto estabelecido pela legislação. Se isso ocorrer, o mais provável é que os distritais, inclusive os da nova legislatura, continuem proibidos de contratar assessores. O recurso apresentado pela Procuradoria da Casa na tentativa de reformar a liminar impedindo as nomeações está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF).
A manobra da Câmara para disfarçar sua condição fiscal, no entanto, tem o risco de comprometer o repasse de verbas da União para o DF. O diretor da Polícia Civil, Pedro Cardoso, confirma que a instituição foi alertada pela Controladoria-Geral da União sobre o problema. Cardoso alega que a corporação tomou todas as providências para atender à recomendação do órgão de controle. ;O que está ao nosso alcance foi feito. Somos oficialmente contra ceder esses profissionais especializados e, em último caso, quando o policial acaba emprestado, defendemos que seja com ônus para o órgão que fez o pedido;, afirmou o diretor da Polícia Civil.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Câmara Legislativa disse que realizou os pagamentos de 2008 e de 2009 e que tão logo tenha recursos fará o mesmo com a dívida de 2010. Não há, no entanto, nenhuma previsão de quando ocorrerá o pagamento referente a este ano.