Juliana Boechat
postado em 07/12/2010 09:20
No século do parto rápido e indolor, muitas mulheres ainda optam por dar à luz à moda antiga. Elas trocam a anestesia pelo desconforto das contrações, o horário marcado pela eternidade do trabalho de parto e as mãos do médico pelas da parteira. Durante o procedimento, que pode durar dias, as doulas cuidam, conversam e tranquilizam as pacientes. À espera do grande momento, as futuras mães se exercitam e têm liberdade para escolher a posição de parir. Quem passou pela experiência do parto humanizado garante que a recuperação é rápida e tranquila. Mas atualmente nenhum hospital público ou particular em Brasília oferece o serviço ; pelo contrário: a maioria incentiva a cesárea, por exigir menos tempo. As interessadas pelo procedimento natural recorrem ao método rudimentar em lares ou nas Casas de Parto (leia Para saber mais). Se o serviço for particular, pode custar até R$ 5 mil.Segundo a nutricionista Lívia Penna Firme, as doulas nem sempre encontram boa receptividade por parte dos médicos. ;A cultura hoje é da cesárea. Somos a favor do parto normal e de respeitar o tempo da mãe e do bebê. A cesárea representa o parto industrial;, defendeu. Mas, mesmo não havendo legislação específica para parteiras e doulas, apenas enfermeiras obstetras estão autorizadas a guiar o parto. Lívia, que também é doula, explica que dar à luz em casa é um luxo de uma gravidez tranquila. Em casos de risco, a mulher deve ser encaminhada a um hospital.
Fisioterapeuta e doula há cinco anos, Vanja Bastos Mendes, 47 anos, explica que a equipe separa um carro de apoio, localiza os hospitais mais próximos e mantém o telefone do Samu ao alcance para qualquer imprevisto. ;Gestantes de risco não fazem partos naturais. Somos orientadas pela vida;, defendeu. Assim como ela, grande parte das doulas é profissionalizada em outras áreas ; como psicologia e educação física. ;A profissionalização das parteiras está equiparando o valor com o dos médicos que atendem em casa. Por isso o preço é alto. O serviço particular das doulas varia para cada uma. ;
Serviços
Lívia Penna dá aulas de como receber e sensibilizar as gestantes no momento do parto. ;Aproximadamente 80% das mulheres grávidas podem parir tranquilamente. Mas, normalmente, o parto natural é opção da elite;, explica. Ela defende o apoio do governo na capacitação de pessoas para realizar o acompanhamento durante a gestação e o parto. Brasília sediou recentemente a 3; Conferência Internacional sobre Humanização do Parto e do Nascimento. Estruturados para receber 200 inscritas, o 8; Encontro Nacional e o 2; Encontro Internacional de Doulas reuniram mais de 400 pessoas da América Latina. ;Estamos nos fortalecendo como doulas. O movimento cresceu muito aqui em Brasília;, acredita.
Existem as doulas particulares, que cobram pelo serviço, e as comunitárias, voluntárias em hospitais do governo. Em Brasília, as acompanhantes ainda lutam para conquistar o espaço nos centros de saúde. ;Existe um projeto em andamento no Hmib (Hospital Materno-Infantil de Brasília), mas nunca vingou. Às vezes, vamos lá, mas acabamos saindo logo depois;, contou Vanja. O preço do acompanhamento varia de R$ 200 a R$ 1.500.
Psicóloga e doula, Carla Panetti atuou como voluntária e atende casos particulares. Ela está prestes a concluir o curso de enfermagem para se tornar parteira. ;Nosso corpo tem aparatos naturais para não sentir dor. O parto é uma oportunidade de amadurecimento que pode ser vivida de forma intensa pela mãe;, destacou. Para ela, a doula acompanha e informa a mulher sobre os procedimentos de gravidez.
Filhas de parteira, Andressa, 29 anos, e Silmara Santos de Carvalho, 31, optaram por dar à luz do modo natural. As duas se espelharam nos casos de família ; a avó delas teve 16 dos 17 filhos em casa. ;Eu queria fugir dos procedimentos que são utilizados nos hospitais, o corte, os pontos, ter que ficar deitada e me submeter às vontades do médico;, explicou Andressa. ;A minha pressão subiu um pouco na hora, mas tomei suco de chuchu e baixou. Minha mãe acompanhou meus batimentos cardíacos o tempo todo.; Mãe de um bebê de seis meses, ela acredita que, apesar de a tecnologia trazer benefícios, pode afastar as pessoas da natureza do corpo. ;O processo fisiológico do nosso corpo não acompanha a tecnologia. Temos de respeitá-lo;, avaliou.
A irmã mais velha de Andressa, Silmara, passou dois dias em trabalho de parto antes de dar à luz Noel ; nome que significa nascimento ;, hoje com dois anos. ;Não tive cicatrização. Acabei de parir, levantei, tomei banho e dei de mamar;, lembrou. Com o acompanhamento necessário, Silmara indica o parto natural. ;O laço com o nascimento do filho fica mais forte. Além disso, acho que as crianças são mais espertas, independentes e têm coordenação motora avançada.;
Em casa
O último levantamento do Ministério da Saúde sobre o parto domiciliar, realizado em 2007, indica que, naquele ano, foram realizados 35,7 mil partos em casa no país ; uma queda de 20% em relação a 2003. Desses, 88% ocorreram nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Só no Norte, foram 18,5 mil casos e, no Nordeste, 12,9 mil. O Sudeste contou com 2,5 mil partos; o Centro-Oeste, com 916; e o Sul, com 830. Em julho deste ano, um estudo realizado nos Estados Unidos informou que a taxa de mortalidade neonatal é três vezes maior em casa do que nos hospitais. As principais causas seriam insuficiência respiratória e falhas na ressuscitação.
DEPOIMENTO
Elaine Mendes Molina, 23 anos, filha de Vanja
Sempre quis ter filho em casa, na banheira. Tinha medo de ir para o hospital e levar ponto; lá eles lhe cortam se você fizer o parto normal ou a cesárea, e eu não queria. Então, quando fiquei grávida, comecei a participar do grupo de gestantes para compartilhar experiências e optei por tudo bem natural. Passei 24 horas em trabalho de parto. Cheguei a entrar na banheira, mas relaxei demais e acabei dormindo, não deu certo. Não senti dor porque estava muito relaxada. Quando a contração passava, eu dormia de novo. No fim, eu já estava muito cansada e fiquei debilitada. A parteira, amiga da minha mãe, e minha mãe, que acompanhou meu parto, perguntaram se eu queria ir ao hospital, mas eu estava bem. Não levei anestesia, ponto, nem nada. Levei meu filho ao pediatra 15 dias depois e voltei ao médico três meses depois para fazer checape. Durante a gravidez, eu fiz o pré-natal com dois médicos. Eu contei ao segundo que teria o filho em casa. Ele se ofereceu para acompanhar o parto na casa da parteira, mas permaneceu neutro e aceitou a minha posição. Deu tudo certo no parto, meu filho mamou direitinho até os seis meses e minha recuperação foi excelente. No dia seguinte, eu estava no cartório registrando ele. Hoje, meu filho tem 2 anos.
PARA SABER MAIS
Casa de parto
Em todo o Distrito Federal existe apenas uma casa de parto. Localizada em São Sebastião, a Unidade Mista da Casa do Parto foi criada para atender especificamente as moradoras da cidade. Com uma equipe multidisciplinar, formada por ginecologistas, pediatras, enfermeiros, auxiliares, nutricionistas, psicólogos e assistente social, a instituição atende uma portaria do Ministério da Saúde, de 1999, que autoriza a criação de centros de partos normais, com atendimento humanizado. Em agosto de 2001, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal colocou em prática o texto do Diário Oficial da União.
Para serem atendidas, as gestantes devem cumprir o pré-natal no posto de saúde da cidade. Ainda assistem a palestras educativas, visitam a unidade onde terão o bebê e escolhem o acompanhante para a hora do nascimento. Na preparação do parto, recebem massagem e assistência psicológica e podem optar por dar à luz na posição que preferirem. Ao fim do procedimento, as novas mães ficam 24 horas no alojamento, com capacidade para três pacientes, até receberem alta. Em seguida, as pacientes retornam para exames de rotina e o teste do pezinho para o bebê fica marcado. A média diária do local é de dois a três partos.
Procedimentos importantes
* As doulas e as parteiras devem ter um carro de apoio à disposição, saber o endereço do hospital mais próximo ou ter em mãos o número do Samu para socorrer as pacientes com problemas inesperados;
* O enfermeiro deve informar ao médico qualquer indício de anormalidade no trabalho de parto;
* A paciente deve avisar ao enfermeiro obstetra qual hospital deverá atendê-la em caso de problemas;
* O parto humanizado deve ser realizado apenas se a saúde da mãe e do bebê estiver em boas condições, segundo o pré-natal;
* Os responsáveis pelo parto deverão estar acompanhados de especialistas para avaliar a saúde da mãe e do bebê.