Cidades

Motoristas têm de esperar, em média, três horas por atendimento no Detran

Juliana Boechat
postado em 08/12/2010 07:43
Mais um dia de transtornos no Departamento de Trânsito (Detran). Por volta das 11h de ontem, o galpão no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) estava lotado. As 60 cadeiras foram ocupadas e os mais ansiosos perambulavam pelo espaço com os olhos fixos no painel luminoso com a chamada das senhas. O tempo médio de espera por atendimento em um dos 11 guichês disponíveis era de três horas. Com a demora, algumas pessoas driblaram o sistema preferencial. Mesmo sem comprovar idade superior a 65 anos ou qualquer tipo de deficiência, clientes conseguiam encaixe na fila de urgência, que corria normalmente enquanto a ordem ;normal; seguia a passos de tartaruga. A irritação tomou conta de quem aguardava a vez. Para piorar, o sistema de informática pifou por volta das 12h.

O pedreiro André Carvalho, 38 anos, pegou a senha 317 por volta das 10h50. Vinte minutos depois, o painel luminoso exibia o número 164. Ele cogitou sair para almoçar e persistir na parte da tarde. ;Acho que consigo sair na hora da janta;, brincou. Outras pessoas esperavam mais de uma hora para realizar procedimentos simples, como transferir ou buscar o documento do veículo. O engenheiro agrônomo Alberto Keizo Matsuura, 50 anos, chegou ao Detran às 8h para evitar fila, mas a senha dele só foi chamada às 11h. ;É uma desorganização geral;, criticou. O mineiro perdeu a manhã em vão. ;Disseram que eu tinha que vir aqui buscar o documento do carro. Mas, quando fui atendido, o homem me informou que já foi enviado para a casa do meu pai;, contou.

Alberto Keizo chegou ao Detran às 8h e foi atendido às 11h: Alberto ainda reparou que jovens sem qualquer deficiência aparente eram atendidos nos guichês preferenciais. Indignado, mobilizou os companheiros de fila contra o mau atendimento. O gestor imobiliário Gerônimo Filho, 54 anos, comprovou a irregularidade. Após ouvir o comentário de Alberto, ele solicitou uma senha preferencial no balcão da triagem. Sem pedir qualquer documento ou informação prévia, o atendente concedeu o número. ;Isso é um erro grave. Desse jeito, prejudica de modo geral e os idosos também acabam esperando mais do que deviam. Se houver 20 pessoas em caso de urgência, elas vão ser atendidas antes de qualquer um que pegou a senha normal;, reclamou. No Detran não há baia específica para idosos, deficientes e gestantes. A senha preferencial pode ser atendida em qualquer guichê.

Gerência
Assim que chegou, o cineasta Érico Cazarré percebeu a confusão e foi direto à sala do gerente do Detran do SIA, Ildefonso Freitas da Silva. ;Ele mandou ligar na ouvidoria. Lavou as mãos. O gerente tem que colocar ordem aqui, mas não fez nada. É um desaforo demorar a manhã para ser atendido;, reclamou. Ildefonso, no entanto, afirmou que não poderia agir. Segundo ele, o bom senso deveria caber ao atendente e ao usuário do serviço. ;Mas eu pedi para os funcionários serem mais rígidos na triagem;, assegurou. De nada adiantou. O gerente informou que dezembro é um mês atípico, quando muitas pessoas buscam o Detran para fazer vistoria no carro e regularizar a situação. Além disso, falta pessoal para atender à demanda. Apenas 11 funcionários dão conta dos quase 1.600 clientes diários no SIA. ;É um problema do GDF todo. Acontece, né? O brasileiro deixa tudo para o último dia. É a comodidade da população;, alegou.

O presidente do Sindicato dos Servidores do Detran (Sindetran), Eider Marcos Almeida, avaliou que o atendimento do órgão está cada dia pior. ;A demanda aumenta no fim do ano. Mas, independentemente disso, a quantidade de servidores é insuficiente.; Segundo ele, a evolução do sistema não acompanha o crescimento da frota do Distrito Federal, de aproximadamente 100 mil emplacamentos por mês. ;Em 2001 deveríamos ter 1.600 servidores. Mas hoje temos 931. Se fosse há 10 anos, não daríamos conta;, explicou. Ele também criticou o sistema de tecnologia utilizado hoje pelo órgão. Uma das empresas que presta serviço para o Detran, a Search Tecnologia, estava envolvida nos escândalos de corrupção da Operação Caixa de Pandora, deflagrada pela Polícia Federal, no início deste ano (veja Memória). ;Quando o serviço cai, as pessoas acabam sendo atendidas outro dia. O atendimento sobrecarrega e o sistema cai. É uma bola de neve;.

Procurado pela reportagem, o Detran respondeu por meio da assessoria de imprensa. O órgão se diz ciente da situação e sabe que a demanda costuma aumentar no fim de ano. Por isso, 30 novos profissionais já foram treinados e reforçarão os setores de atendimento e vistoria de veículos no DF. Ainda segundo a assessoria, seis desses funcionários começam a trabalhar a partir de hoje no galpão do SIA.

Depois de uma manhã de espera, o sistema de tecnologia do Detran parou de funcionar por volta do meio-dia. A indignação foi geral. As cadeiras esvaziaram e as pessoas resmungavam xingamentos ao sair do galpão. Alguns ainda ficaram de braços cruzados, sem saber o que fazer. O vendedor Fábio Alves de Oliveira, 26 anos, chegou ao Detran por volta das 10h. Ao perceber que demoraria para ser atendido, saiu para resolver outras questões. Quando voltou, o sistema de internet caiu e ele não conseguiu pegar o documento do carro de 2010. ;O Detran nos dificulta andar regularmente. É o órgão que mais arrecada e o que tem o pior atendimento;, criticou.

Reivindicações
Nos últimos três anos, os servidores do Detran ameaçaram ou paralisaram os serviços por melhorias de condições de trabalho. Apesar de terem o maior salário entre os Detrans do Brasil ; varia entre R$ 2.700 e R$ 8.000 ;, eles reivindicam aumento de 6% na remuneração. O acréscimo faz parte de um acordo feito em novembro do ano passado, cujo único item cumprido até agora foi o incremento no tíquete-refeição de R$ 18 para R$ 23 diários. Além do aumento no contracheque, os grevistas pedem concurso para agente e assistente, nomeação dos auxiliares concursados e extinção da Companhia Metropolitana de Trânsito (CMT).

MEMÓRIA
Repasses congelados
Por pouco os serviços do Detran não foram interrompidos no meio deste ano. Quando assumiu o governo do Distrito Federal, em fevereiro, Wilson Lima (PR) determinou a suspensão do pagamento às empresas citadas na Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, entre elas a Search Tecnologia. Com os repasses congelados, a dívida do GDF com a empresa atingiu R$ 7,8 milhões. Não demorou para que o atendimento ao público sofresse as consequências. A unidade do Detran de Brazlândia suspendeu a emissão de todos os tipos de documentos porque o estoque de tinta para impressoras havia acabado. Sem o toner não era possível dar entrada na Carteira Nacional de Habilitação (CNH), retirar o Certificado do Registro de Licenciamento (CRLV) ; o documento obrigatório do carro ; ou o Certificado de Registro de Veículos (CRV), também chamado de DUT.

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