Helena Mader
postado em 10/12/2010 07:32
Nas ruas de infraestrutura precária e barracos simples, os preços impressionam. Um lote de 250m; nas quadras QNR de Ceilândia não sai por menos de R$ 40 mil. No Varjão, região de baixa renda próxima ao Lago Norte, há imóveis comerciais que custam até R$ 500 mil. A especulação imobiliária na capital federal dificulta ainda mais a solução de um problema que se agrava a cada dia: o deficit habitacional. Cerca de 360 mil pessoas estão inscritas na fila de espera por um terreno em programas do governo, o equivalente a 15% da população do Distrito Federal. Não entram nessa relação os brasilienses de classe média, que também enfrentam dificuldades para conquistar a casa própria. Para complicar ainda mais a questão habitacional, mais de 500 mil pessoas vivem em áreas irregulares, sem registro em cartório.Nos últimos quatro anos, apenas 5.188 inscritos na fila da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab) foram beneficiados. Se esse ritmo for mantido, serão necessários 277 anos para zerar a lista ; isso ignorando as novas inscrições. Especialistas apontam a necessidade de resolver o problema com investimentos em moradia urbanizada e financiamento para todas as faixas de renda.
De acordo com o Ministério das Cidades, o deficit habitacional do DF é de 105.296 moradias. Esse número coloca a capital federal no sexto lugar do ranking das cidades mais carentes de habitação. Para calcular o índice, os técnicos incluem a coabitação familiar ; que se caracteriza pela convivência de várias famílias na mesma moradia por falta de opção; o comprometimento de mais de 30% da renda mensal familiar com aluguel, no caso daquelas que ganham até três salários mínimos; e o adensamento excessivo dos domicílios.
A política habitacional no DF sempre foi relacionada à distribuição indiscriminada de terrenos. Muitos políticos se elegeram com essa bandeira, lançada pelo ex-governador Joaquim Roriz (PSC). Ele associou sua imagem à criação de cidades no DF, atraindo imigrantes de vários estados. Mas há indícios de que essa mentalidade começou a mudar. Este ano, todos os candidatos que usaram a habitação como tema de campanha foram reprovados nas urnas.
Prestação baixa
A camareira Verônica Soares Barbosa, 23 anos, é um exemplo dessa mudança de consciência. Ela sonha com a casa própria e não quer passar a vida à espera da doação de um terreno. ;Trabalho duro, não preciso receber de graça. Poderia pagar, se fosse um valor baixo;, explica Verônica, que aluga por R$ 350 um apartamento em Ceilândia.
Mãe de Vítor, 5 anos, e Nicole, 3, a camareira está inscrita na fila da Codhab e também paga uma taxa mensal a uma cooperativa habitacional. ;Não tenho condições de comprar um terreno de mais de R$ 40 mil. E por menos do que isso é quase impossível encontrar lote aqui em Brasília;, explica Verônica.
O sistema de oferta de moradias populares caiu no descrédito este ano, depois que uma operação da Polícia Civil desvendou um esquema que envolvia cooperativas e servidores públicos, inclusive funcionários da Codhab. A quadrilha vendia lotes inexistentes ou forjava documentos de pessoas inscritas na fila de espera para beneficiar estelionatários. Depois das denúncias, o GDF paralisou os programas habitacionais. Até agora, ninguém foi indiciado pelos crimes. ;Continuamos investigando, mas o caso está sob sigilo para não atrapalhar as investigações ;, diz o delegado Flamarion Vidal, da Divisão Especial de Crimes contra a Administração Pública.
Para o especialista em políticas habitacionais e professor da Universidade de São Paulo (USP) Nabil Bonduki, a doação de terras é uma política ;indesejável;. Ele afirma que a oferta de moradia deve estar associada à urbanização e aos investimentos em transporte, para que não surjam bolsões de pobreza. ;O terreno urbanizado deve estar bem conectado à cidade, com equipamentos públicos e transporte.; Ele também destaca a importância de o governo oferecer assessoria técnica aos moradores que constroem suas casas em áreas carentes. Dos 5.188 lotes entregues nos últimos quatro anos pelo GDF, apenas 1.243 tinham também a casa construída pelo governo.
Nabil Bonduki critica a especulação imobiliária, que expulsa cada vez mais os moradores de baixa renda dos centros urbanos. Isso ocorre muito no DF, onde os imóveis e os aluguéis estão tão caros que várias pessoas precisam buscar moradia mais barata no Entorno. ;As cidades estão crescendo nas periferias, em processos especulativos que atrapalham as políticas urbanas e habitacionais;, diz o professor da USP.
Para reduzir o deficit habitacional, o governador eleito do DF, Agnelo Queiroz, aposta principalmente no programa Minha Casa, Minha Vida. ;A ideia é que o governo federal entre com os recursos que possibilitarão o financiamento e o Governo do Distrito Federal forneça os terrenos e a infraestrutura;, explica. Ele pretende entregar 100 mil novas moradias à população de baixa renda até o fim de sua gestão. ;Temos de encarar a questão da moradia como um direito, garantindo a dignidade de quem precisa dela e preservando o meio ambiente. Também é preciso oferecer infraestrutura, legalizar as moradias e não entregá-las em situação irregular;, completa Agnelo.
Parcelamentos
Duas décadas de grilagens e invasões de terras deixaram ainda mais complexa a solução para o problema habitacional em Brasília. O saldo do parcelamento irregular do solo foi a criação de 513 condomínios irregulares, onde vivem mais de 500 mil pessoas. A ação dos grileiros é rápida, mas a regularização dessas áreas é complexa e pode levar até 15 anos. Buscar a legalização desses lotes será um dos grandes desafios de Agnelo.
A dona de casa Maria Luzinete Lopes de Oliveira, 45 anos, mora com os três filhos em uma casa simples do condomínio Nova Morada, em Ceilândia. Ela comprou o terreno grilado, sem saber que a área era irregular. Agora, sonha com o documento de posse do imóvel. ;Só vou ficar tranquila no dia em que estiver com toda a documentação do lote;, comenta Luzinete.
Um dos maiores parcelamentos irregulares é a cidade de Vicente Pires, onde moram 60 mil pessoas. A antiga colônia agrícola, de propriedade da União, foi ocupada sem a aprovação prévia de projetos ambientais e urbanísticos. Agora, os moradores investem alto para elaborar os projetos e conseguir a aprovação dos condomínios. Depois disso, eles terão que pagar ao governo federal pelos lotes. Os valores definitivos ainda não foram definidos.
O professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Márcio Buzar afirma que o governo tem que avançar na legalização, preservando as áreas de proteção ambiental e o patrimônio público. ;O DF é um dos poucos estados que tem grandes estoques de terras públicas. Em vez de promover a especulação, essas áreas deveriam ser colocadas à disposição da sociedade, para a construção de moradias populares;, explica Buzar. ;A política de doações com fins eleitorais deve ser erradicada;, conclui o especialista.