postado em 11/12/2010 07:25
Se é verdade que a Justiça só age quando provocada, uma iniciativa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) mostrou ontem que os problemas relacionados aos leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) em Brasília estão no cerne das preocupações do Poder Judiciário. Representantes do Ministério Público, da Procuradoria-Geral, da Defensoria Pública, da Secretaria de Saúde e do TJDFT participaram de um encontro técnico sobre a situação atual da regulação de leitos e propuseram medidas (veja quadro ao lado) que melhorem a comunicação entre Justiça e Secretaria de Saúde em um momento em que cada vez mais a população recorre a liminares para garantir o atendimento (veja Entenda o caso).;É uma chance de se conhecer a atuação dos outros órgãos porque sabemos que a judicialização da saúde é um fato. A desinformação é muito grande. Nada melhor do que trazer os órgãos para que deste conteúdo comum possa sair alguma orientação no sentido de melhor atendimento no nosso sistema de saúde no DF;, explicou o presidente do TJDFT, desembargador Otávio Augusto Barbosa.
Representantes dos órgãos apresentaram palestras para apontar falhas e vantagens da interferência dos poderes judiciais na garantia do direito à saúde. Houve consenso quanto à falta de investimento público em saúde e à necessidade de obter maior troca de informação entre os órgãos para melhor análise jurídica dos pedidos de liminares para internação. ;São 10 anos de falta de investimento. A nossa cidade trata a saúde com falta de consciência. Há uma falta de compromisso com a gestão pública da saúde;, afirmou o titular da Promotoria de Justiça da Defesa da Saúde, Jairo Bisol. ;O juiz deve ter em conta que sua decisão terá uma grande repercussão e aí devemos nos perguntar qual o remédio jurídico pode ser usado para tentar melhorar a saúde pública;, avaliou o juiz Álvaro Luiz de Araújo Ciarlini, da 2; Vara de Fazenda Pública.
O coordenador do Núcleo de Plantão da Defensoria Pública, Frederico Barbosa, defendeu a atuação da Justiça quando o sistema público de saúde não consegue absorver a demanda. Segundo ele, só neste ano, juízes do DF receberam 500 pedidos de liminares para vagas em UTIs. ;Culpam-se as gestões passadas por falhas, mas enquanto isso as pessoas estão morrendo sem o mínimo de dignidade. Ainda que o trabalho da Central de Regulação seja louvável, ele não é suficiente;, ressaltou o magistrado.
Repasses milionários
A solução encontrada por administrações anteriores de sublocar leitos de UTI privados foi motivo de questionamento por parte da procuradora Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, do Ministério Público de Contas. Segundo ela, números levantados junto ao Tribunal de Contas do DF e à Secretaria de Saúde demonstram ;repasses assustadores aos hospitais particulares; e, quando comparados aos custos para a montagem de leitos próprios ; R$ 130 mil por unidade ;, ;é muito mais vantajoso para a administração investir na própria rede e abrir novos leitos;. De acordo com os cálculos da procuradora, o valor pago aos hospitais saltou de R$ 28 milhões em 2005 para R$ 261 milhões em 2009.
A secretária de Saúde, Fabíola Nunes Aguiar, defendeu veementemente o aparelhamento da rede pública e por diversas vezes criticou a forma como as parcerias com a iniciativa privada foram construídas no que chamou de ;contratos espúrios;. ;O que vimos em muitos casos foi uma relação promíscua entre o público e o privado. Eu não posso ser dona de um laboratório e ser secretária de Saúde ao mesmo tempo. Colocar a raposa para cuidar do galinheiro nunca deu certo. Por que daria na saúde?;, indagou. Em tom de desabafo e visivelmente emocionada, ela concluiu: ;É muito difícil fazer as coisas da maneira legal. É preciso que a gente tenha ajuda. Tem gente séria que corre o risco de pagar por quem errou;.
MEDIDAS APRESENTADAS
Curto prazo
; Instalação do sistema de regulação de leitos nas varas de Fazenda Pública e no Núcleo do Plantão Judicial.
; Estabelecimento de critérios para o laudo médico apresentado pelo interessado na ação judicial. O laudo médico deve ser feito em papel timbrado da Secretaria de Saúde, em letra legível, assinado e carimbado por médico com informação sobre a inserção do paciente na central de regulação e a declaração sobre se o paciente dispõe de plano de saúde particular.
; Criação de rotinas de procedimentos. Para a Defensoria Pública, verificar se o paciente está inserido na central de regulação e se o laudo médico atende às exigências. Para a Secretaria de Saúde, prestar informações sobre decisões do Conselho de Saúde e o próximo plano de saúde. Apresentação, à sociedade, da forma como ela terá acesso a essas informações.
Médio prazo
; Definição pela Secretaria de Saúde da obrigatoriedade de informar a equipe do plantão.
; Criação de um Fórum de Distrital para discussão permanente da relação Justiça e Saúde.
; Mecanismo de controle de análise e supervisão de contas para uso adequado dos recursos.
; Criação de central de vagas de leitos intermediários para pacientes que não apresentam estado crítico.
Longo prazo
; Criação de uma Vara de Fazenda especializada em saúde.
ENTENDA O CASO
Suposta dívida
A crise nos leitos de UTI que provocou o encontro do Judiciário é antiga. No fim de abril, os hospitais particulares cobravam uma dívida de quase R$ 60 milhões da Secretaria de Saúde referentes ao atendimento dos pacientes nos 125 leitos contratados pelo governo para dar suporte à demanda. Os empresários ameaçaram romper os contratos, mas não precisaram fazê-lo porque o governador Rogério Rosso (PMDB) prometeu sanar as dívidas.
No início de dezembro, no entanto, os hospitais privados voltaram a denunciar a falta de pagamento, que está acumulada em mais de R$ 103 milhões, segundo eles. Diante da resposta da Secretaria de Saúde, que afirma estar em dia com pagamentos destse ano e não dispor de previsão orçamentária para o pagamento de débitos de anos anteriores, os hospitais anunciaram a desativação dos leitos alugados e só atenderão pacientes da rede pública com ordens judiciais.