Juliana Boechat, Helena Mader
postado em 15/12/2010 08:00
O maior nome da arquitetura brasileira, reconhecido pela genialidade também no exterior, deixará a fama e o renome de lado nesta quarta-feira para comemorar o 103; aniversário ao lado da família e dos colaboradores mais próximos. Provavelmente, sequer lerá as dezenas de artigos, reportagens e análises que serão escritas sobre a vida e a obra. Oscar Niemeyer não gosta de textos sobre a própria arquitetura. Segundo ele, trata-se de um segredo para preservar a intuição. Três anos depois de completar um século de existência, o arquiteto que traçou as curvas ;livres e sensuais; dos monumentos de Brasília ainda dedica parte dos seus dias ao trabalho. A mente inventiva trava uma batalha constante com o corpo frágil e centenário para criar projetos novos e cada vez mais revolucionários.Apesar do amor e da dedicação à arquitetura, Oscar Niemeyer gosta mesmo da presença da família. Os 103 anos do modernista serão celebrados com a presença da mulher, Vera Lúcia, da única filha, Anna Maria, dos netos, bisnetos e trinetos. A esta altura da vida, o homem de respostas diretas ainda levanta a bandeira política. E assim pede para ser lembrado: ;Um arquiteto que sempre se manteve fiel às suas ideias, à busca da beleza, à procura da surpresa arquitetural, ao interesse em explorar todo o potencial do concreto armado. Além de ver transformado este mundo injusto que nos cabe viver;, afirmou (leia entrevista ao lado). Ainda hoje, Niemeyer desenvolve novos projetos, como o aquário de Búzios (RJ) e uma biblioteca monumental desenhada para a capital de um país árabe. Em 75 anos de carreira, o arquiteto se ressente de não ter visto sair do papel a polêmica Praça Monumental e o Sambódromo, ambos planejados para Brasília.
O amigo e companheiro de trabalho Carlos Magalhães, responsável pelo escritório de Niemeyer em Brasília, diz que Oscar não liga para aniversários. ;Para ele, é só mais um dia que vai vencer;, revela. Magalhães conta que o parceiro de projetos ainda gosta de se debruçar sobre pranchetas e que sonha em executar novas obras arquitetônicas em Brasília. ;Antigamente, ele era mais agressivo na procura por trabalho. Mas a idade vai amaciando as pessoas, a gente vai perdendo o ferrão;, brinca. Segundo Magalhães, o prédio do Congresso Nacional é um dos maiores orgulhos de Oscar Niemeyer. ;Ele dizia que a gente podia rodar o mundo inteiro que jamais veria uma coisa semelhante. O prédio alto, com suas cúpulas, a plataforma ligando os eixos, tudo isso faz ele se orgulhar;, afirma o arquiteto.
O professor da Universidade de Brasília (UnB), aluno durante 17 anos e grande admirador de Oscar Niemeyer, Claudio Queiroz, acredita que o modernista traduz nas obras a cultura brasileira. ;Ele criou uma noção de brasilidade na arquitetura. Quem cai de paraquedas e vê as colunas romanas, sabe que está na Itália. Quem vê as colunas feitas por Niemeyer sabe que é o Brasil, a mistura de etnias e das nossas mulheres;, defendeu. Para ele, a arquitetura do carioca transforma a capital do país em uma cidade ;simples e elegante;. ;Niemeyer soube dizer na arquitetura aquilo que temos vontade de dizer. É o jeito que nós somos. Assim como a ginga do Garrincha, o oportunismo do Pelé e a capoeira, existem as obras de Niemeyer. Ele está para o mundo como Aleijadinho está para Minas Gerais;, comparou.
Brilho
Claudio Queiroz ressalta o trabalho inovador de Niemeyer com o concreto. ;Ele soube, como ninguém, usar a condição do concreto armado para criar os espaços vazios e acabar com as paredes que erguem o segundo andar;, disse. Responsável pelos traços e curvas de cartões postais de várias cidades do Brasil e do mundo, Niemeyer está sujeito a críticas e elogios a todo instante. Mas até mesmo quem não concorda com as obras assinadas por ele reconhece a importância do trabalho. A professora da Faculdade de Arquitetura da UnB Sylvia Ficher considera o modernista ;único; pelo volume de construções idealizadas por ele, além do longo período de trabalho, da juventude até hoje. ;Ele tem um percurso arquitetônico que mudou ao longo do tempo. Tem o Oscar Niemeyer do início da década de 40, o das décadas de 50 e 60, o dos anos 70 e o dos últimos 30 anos, com uma arquitetura colossal e com ênfase na forma;, explicou a historiadora da arquitetura.
Segundo Sylvia, São Paulo é privilegiada com a qualidade das obras de Niemeyer, enquanto Brasília sofre com a quantidade de edifícios com a assinatura dele. ;Na década de 50, ele passou por um momento de brilho, de grande criatividade em relação aos valores que ele atribui à arquitetura;, explicou. Nesse período, foi construído o Ibirapuera, o Edifício Copan, o Edifício Montreal e a Galeria Califórnia, que quebraram o concreto quadrado da capital paulista.
Na capital do país, por outro lado, a historiadora critica o domínio do mercado da arquitetura cívica. ;No meu entender, obra pública tem tudo a ver com concurso público;, rebateu. Apesar das críticas, ela acredita que Niemeyer é ;injustiçado;. Segundo Sylvia, ao mesmo tempo que Oscar incentiva e encoraja artistas de todo o mundo, aqueles que bebem da fonte de criatividade do carioca não lhe dão os devidos créditos. ;Ele é muito elogiado e inspirador, mas, em contrapartida, a influência dele ainda é pouco estudada;, defendeu.
INAUGURAÇÃO
; No dia em que completa 103 anos, o arquiteto Oscar Niemeyer participará da inauguração do sexto prédio do complexo Caminho de Niemeyer, em Niterói. (RJ) A fundação que leva o nome do arquiteto tem aproximadamente 4 mil metros quadrados e abrigará um espaço cultural, Centro de Pesquisa e Documentação e a Escola Niemeyer de Arquitetura e Humanidades. Esta é a sexta obra do Caminho. Ainda falta a construção da Torre Panorâmica, do Centro de Convenções e do Centro Petrobras de Cinema. Durante o evento, será distribuída a nova edição da Revista Nosso Caminho, de publicação trimestral.
SEIS PERGUNTAS PARA OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO
Aos 103 anos, o que o arquiteto Oscar Niemeyer ainda não fez?
O que não pude ver realizado, mas cheguei a projetar com o maior entusiasmo, é um estádio de futebol. Um estádio diferente dos outros, revelando uma concepção moderna.
Do que mais se orgulha?
Talvez da coerência de minha posição política, de meu compromisso inabalável de contribuir para a emergência de uma sociedade mais fraternal, justa e solidária.
O que é maior: a saudade do já vivido ou a vontade de continuar vivendo?
Ambos os sentimentos coexistem em mim. Se o meu entusiasmo pela criação arquitetural, por minha mulher, pelo trabalho só tende a crescer, também se aprofunda o sentimento de perda de muita gente... De meus pais, irmãos, de tantos amigos, dentro e fora do país.
Há do que reclamar?
Com certeza. Temos que nos queixar da continuidade de tantas disparidades sociais e econômicas que ainda afligem os segmentos menos favorecidos do Brasil e de inúmeros outros países. Há que reclamar e se indignar.
Qual a sua rotina de produção atual? A que projetos se dedica prioritariamente?
Minha rotina pouco mudou neste último ano. Estou voltado para novos projetos, com destaque para um aquário a ser construído em Búzios, uma monumental biblioteca já desenhada para a capital de um importante país árabe e um teatro destinado a espetáculos musicais, na Argentina.
Existe algum projeto para Brasília que ainda não saiu do papel, mas que o senhor gostaria de ver realizado?
A praça monumental que desenhei há mais de um ano e que se converteu em objeto de intensa polêmica. Em meu modo de ver, é uma praça que falta a Brasília. E também gostaria de ver construído o Sambódromo, projetado há uns dois anos.
INÍCIO AO LADO DE LUCIO COSTA
Helena Mader
Oscar Niemeyer nasceu no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, em 15 de dezembro de 1907. Neto de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), gostava de passar o tempo na casa dos avós. Mestiço orgulhoso, descendente de portugueses, árabes e alemães, ele se casou em 1928 com a bela Annita Baldo, filha de imigrantes italianos. No ano seguinte, o jovem Niemeyer ingressou na Escola de Belas Artes.
Lá, o destino do arquiteto começou a ser traçado. Enquanto os estudantes buscavam estágios bem remunerados em firmas construtoras, Niemeyer começou a frequentar o ateliê de Lucio Costa e de Carlos Leão sem pedir nada em troca. ;Me diziam que lá eu encontraria o caminho da boa arquitetura;, justifica Oscar. Como desenhava bem, ele começou a ganhar espaço no escritório. Pouco depois, Lucio Costa aceitou o convite do então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, para projetar a sede de seu ministério. Dali sairia a primeira grande obra de Oscar Niemeyer.
Ele havia acabado de conhecer o arquiteto suíço Le Corbusier, que estava no Rio de Janeiro para palestras. Desenvolveram um ;clima de simpatia;. Inspirado em croquis de Le Corbusier para o novo ministério, Niemeyer desenvolveu um projeto, que acabou escolhido pelo próprio Lucio Costa. ;Um dia, Le Corbusier comentou que eu tinha as montanhas do Rio dentro dos olhos. Achei graça;, relembrou o arquiteto em suas memórias.
Nova capital
O primórdio da aventura da construção de Brasília foi a Pampulha, em Belo Horizonte. Juscelino Kubitschek, então prefeito da cidade, convidou Niemeyer para desenvolver esse projeto ; uma área à beira de uma represa, com cassino, igreja e um restaurante. ;Preciso do projeto do cassino para amanhã;, disse JK. E Oscar cumpriu a promessa, trabalhando noite adentro em um quarto de hotel. ;Com a obra da Pampulha, o vocabulário plástico da minha arquitetura ; num jogo inesperado de retas e curvas ; começou a se definir;, explicou.
Em 1957, surgiu o desafio que mudaria a vida de Oscar Niemeyer e a história da arquitetura moderna. Ele foi procurado novamente por JK, à época presidente da República, para tocar uma empreitada singular. ;Entusiasmado, JK contou-me que pretendia fazer uma cidade moderna, concluindo empolgado, ;a mais bela do mundo;;. Mas a primeira sensação de Niemeyer não foi de admiração. ;Confesso não ter tido uma boa impressão do lugar. Longe, longe de tudo, terra vazia e abandonada.;
Oscar mudou-se para Brasília com seus colaboradores, médicos, jornalistas e ;quatro camaradas que não cuidavam de arquitetura;. O próximo passo rumo à consolidação da nova capital ocorreu logo depois: a abertura do concurso para a escolha do Plano Piloto de Brasília, vencido pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa. O primeiro grande monumento a sair do papel foi o Palácio da Alvorada. As colunas, copiadas em prédios do Brasil, dos Estados Unidos, da Grécia e da Líbia até hoje enchem o arquiteto de orgulho. ;As cópias não me incomodavam. Era a prova de que meu trabalho agradava a muita gente.;