Cidades

Mais de 12 mil meninos e meninas do DF têm de dividir estudos com trabalho

Roberta Machado
postado em 18/12/2010 08:00
Na Estrutural, adolescente ajuda a família em algumas atividades domésticas, ao invés de dedicar o tempo ao estudo e às brincadeirasCerca de 12,4 mil crianças no Distrito Federal dividem os estudos com algum tipo de trabalho remunerado. O número é resultado de uma pesquisa encomendada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do DF (Sedest), com alunos de sete a 14 anos nas escolas públicas da capital do país. Os dados foram levantados entre julho e agosto. Com a análise dos hábitos, o órgão esperava estabelecer a relação entre trabalho infantil e evasão escolar. Mas acabou se deparando com um tema inesperado: quando não estão na escola, cerca de 120.900 crianças realizam tarefas em casa a pedido das famílias, atividade também considerada trabalho infantil.

De acordo com a Sedest, mesmo não remuneradas, responsabilidades domésticas ; tais como manter a limpeza do lar ou cuidar de crianças mais novas ; não são menos perigosas do que os empregos informais. Ambas as ocupações, segundo a Secretaria, podem atrapalhar os estudos dos pequenos se causarem algum tipo de cansaço ou tomarem muito tempo dos alunos. Os professores que responderam ao questionário elaborado pela Sedest relataram que há uma mudança de comportamento das crianças na escola. Elas sofrem cansaço, sonolência e falta de atenção. O rendimento escolar também diminui e resulta em faltas excessivas.

As razões para a colaboração voluntária ou obrigatória das crianças nas tarefas domésticas, segundo a pesquisa, é a falta de estrutura familiar e a baixa renda. Sem a presença dos pais em casa, elas se comprometem a cuidar dos irmãos mais novos e a manter o lar organizado enquanto a mãe não retorna do trabalho. ;É um hábito arraigado à nossa cultura; o que preocupa é quando interfere nos estudos ou causa acidentes, como quedas, cortes ou queimaduras;, ressalta Hélvia Paranaguá, subsecretária de Educação Integral do DF.

Segundo ela, a educação integral e o aumento do número de vagas em creches, combinados com políticas de benefícios financeiros, podem ser a solução para eliminar o trabalho doméstico infantil. A subsecretária explica que, quanto maior o tempo de estudos, menor é o período em que a criança estará vulnerável ao trabalho. ;A questão é trabalhar esse pensamento com políticas públicas. É um trabalho de consciência. Temos de mostrar para os pais a importância dos estudos;, enfatiza Hélvia.

Os cinco filhos do motorista Marcelo*, 40 anos, sempre ajudaram nas tarefas de casa, na Estrutural. Além de realizar pequenos favores, como limpar o chão ou lavar a louça, é hábito da família deixar os mais novos sob a supervisão dos mais velhos desde que a mãe passou a trabalhar. ;Não acho que atrapalha o colégio. É bom eles aprenderem rápido a fazer tudo certo. Também não vou forçar, eles fazem porque querem;, garante o pai. Segundo o motorista, o único trabalho que ele não aprova é o remunerado: depois que um dos filhos, de 13 anos, decidiu trabalhar como empacotador em um mercado, o menino por pouco não repetiu de ano.

Devido à experiência, tanto ele quanto o irmão de 11 anos saíram do emprego. ;Saí porque quis. Prefiro estudar, acho que meu futuro vai ser melhor;, acredita o mais velho. Já o primogênito do grupo, hoje com 17 anos, teve diversos empregos desde os 10 anos e hoje coloca o trabalho à frente da educação. ;A formatura fica para o ano que vem;, diz o adolescente, que faz supletivo para concluir o Ensino Médio.





Políticas públicas
Embora a Sedest não tenha conseguido definir a influência do trabalho infantil sobre a evasão escolar, o órgão garante que os dados obtidos a partir dos alunos pesquisados são fundamentais para traçar novas estratégias nos ramos de educação e de serviço social. ;Essas crianças ainda estavam no colégio, mas, com as faltas constantes às aulas, elas podem desanimar;, esclarece Valéria de Sousa Lima, gerente de Proteção Social de Média Complexidade da Sedest. ;Agora estamos encontrando indicativos, podemos fazer muita coisa para evitar isso;, conclui.

Segundo Valéria, os dados mais valiosos obtidos na pesquisa não foram as porcentagens ou as estimativas. ;O qualitativo te diz o perfil, e o que você precisa é conhecer a realidade da criança;, aponta a gerente. Com as informações qualitativas, a Sedest descobriu fatos desconhecidos sobre o trabalho infantil no DF ; em Brazlândia, por exemplo, a variação do número de crianças com uma ocupação remunerada obedece ao ritmo da colheita do morango (leia arte). Após a descoberta, a cidade recebeu uma nova unidade da Secretaria.

A subsecretária de Assistência Social, Marta Sales, alerta que ainda há um longo caminho a ser percorrido antes da erradicação do trabalho infantil. ;A política nacional existe, mas, na prática, é tímida. Também devem ser solucionados problemas de estrutura, moradia e renda;, destaca. Marta afirma que, para a retirada das crianças do ambiente de trabalho, é necessário reforçar medidas como a educação em tempo integral, ampliar a rede de serviços sociais e reforçar as políticas públicas existentes.

* Nome fictício em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

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