postado em 18/12/2010 08:00
O mestre de obras Matuzalem Nogueira de Vasconcelos, 75 anos, passou um bom tempo, no começo dos anos 1960, concluindo ou consertando obras da cidade planejada e já inaugurada. O Palácio do Planalto e o Hotel Nacional foram duas dessas edificações que, oficialmente prontas em 21 de abril, estavam na verdade inacabadas do lado de dentro. O mineiro de Carmo do Cajuru também teve de consertar o piso de três ministérios ; o da Guerra, o da Fazenda e o da Indústria e Comércio. A dilatação excessiva das estruturas metálicas causou desníveis e o trabalho teve de ser refeito.
Quando chegou a Brasília, em outubro de 1957, Matuzalem Vasconcelos já tinha vasta experiência de carpintaria em usinas hidrelétricas que estavam sendo construídas no interior de Minas. Neto e sobrinho de carpinteiros, desde a adolescência ele já trabalhava no ofício de domar a madeira em obras de construção civil. Em meados de 1957, o jovem profissional estava trabalhando na Usina de Santa Maria, no município de Itamira, quando um bombeiro recém-chegado do canteiro de obras da nova capital percebeu a competência do mestre e deu-lhe a deixa: ;Por que você não vai para Brasília? Lá, vai ter oportunidade de ganhar muito dinheiro;.
Era a primeira vez que o mestre de obras ouvia falar daquela cidade que estava sendo construída no Centro-Oeste. ;Até estranhei aquele nome. Brasília, Brasil. Está certo, é um nome bonito, pensei;. Matuzalem decidiu se aventurar. Voltou a Belo Horizonte e lá procurou a Enal Engenharia e Arquitetura, empresa de Ildeu de Oliveira, primo do presidente Juscelino Kubitschek. A Enal foi uma das primeiras construtoras a chegar a Brasília. Construiu, já na chegada, as cinco primeiras casas de madeira da Candangolândia, ao lado do primeiro galpão da Novacap.
Experiência
Antes do fim de 1957, Matuzalem estava em Brasília. Apresentou-se no canteiro de obras da Enal e, diante da farta experiência registrada na carteira de trabalho, começou como mestre de obras. ;Quando cheguei, o encarregado me olhou, olhou minhas caixas de ferramentas, perguntou se eu entendia de planta. Respondi que entendia um pouco e já arranjei trabalho.; A primeira tarefa foi de empreitada. Matuzalem construiu cinco casas de madeira para engenheiros da Enal nas 100 Sul, quase no final da asa. ;Elas eram de pinho legítimo, vindo do Paraná. Eu já sabia a técnica de construção. Era tudo muito rápido. Fazia a fundação, o alicerce e aí vinha com a madeira, a casa logo já nascia por cima. Ela era toda de forro paulista, o teto era de alumínio e a cozinha e o banheiro, de alvenaria e azulejo. Tudo muito confortável;, descreve o mestre.
Das casas da Asa Sul, Matuzalem foi terminar de construir o Colégio Dom Bosco, próximo de onde fica hoje o Museu Vivo da Memória Candanga. Construiu a Base Aérea provisória, depois alguns dos primeiros prédios da 508 Sul, próximos ao antigo Cine Cultura. Brasília ainda não havia sido inaugurada, e o mestre já tinha juntado dinheiro suficiente para comprar mais de uma das unidades da Fundação da Casa Popular. Mas preferiu comprar um terreno na Asa Norte, que começava a nascer.
Depois de 21 de abril, Matuzalem se dedicou às obras já oficialmente prontas, mas na verdade ainda inconclusas ou defeituosas. A essa altura, ele já estava na construtora Pacheco Fernandes. ;Fui terminar o Palácio do Planalto, que estava funcionando só numa parte. A mão de obra mais difícil ficou para depois. Fui fazer pisos e carpintaria dos lambris (revestimento interno das paredes, feitos em madeira).; Ele também executou os lambris do Hotel Nacional, obra do arquiteto Nauro Esteves que também não havia sido concluída.
Cautela
Tarefa mais trabalhosa foi a dos ministérios. Nem bem haviam sido inaugurados e já apresentavam problemas. ;Aquilo ali é tudo estrutura metálica. Não tem um pilar, não tem uma viga, não tem nada. O coeficiente de dilatação da estrutura metálica é altíssimo, ainda mais numa cidade seca e quente como Brasília;, avalia. Dilatada a estrutura, os pisos colocados sobre as lajes pré-moldadas começavam a subir. Foi preciso arrancar todos e colocar novos com espaço para as dilatações futuras.
Ser mestre de obras num imenso canteiro como Brasília era uma função perigosa, relata Matuzalem. Era preciso paciência e cautela para lidar com os operários para evitar reações violentas. No tempo em que trabalhou na nova capital, o mineiro meticuloso contabilizou cinco mestres de obras assassinados por operários. Ele conta que os homens recém-chegados do Norte e do Nordeste, em geral, não tinham qualificação para obras da construção civil. ;Vinham da agricultura. Era preciso ensiná-los até a peneirar a areia, a dosar a massa (para fazer cimento).; Trabalhadores para as funções que exigiam alguma qualificação ; carpinteiro, eletricista, bombeiro hidráulico, mestre de obras ; eram arregimentados dentre os candangos que vinham de Minas Gerais e Goiás, especialmente. ;Carioca não aguentava ficar em Brasília, naquela secura. Chegava e ia logo embora.;
O projeto de Matuzalem era ficar em Brasília durante seis meses, ganhar algum dinheiro e voltar para Minas Gerais. Ficou 48 anos, até que, há seis, mudou-se para Pirenópolis (GO), para fazer o gosto da mulher e da única filha. O mestre de obras diz que, pela vontade dele, continuaria em Brasília. ;Gosto demais daqui, da qualidade de vida, do clima. Tudo o que a gente precisa encontra aqui.;