postado em 25/12/2010 08:43
De cavador de buraco a arquiteto, de telefonista a prostituta, de cantor a engenheiro, de cozinheira a lavradora. Durante 14 meses, de 1; de novembro de 2009 até hoje, o Correio Braziliense publicou 85 histórias de bravos candangos que participaram da construção de Brasília. Quase todos, à exceção de alguns arquitetos e da viúva de Israel Pinheiro, dona Coracy, vieram ajudar na construção da cidade e dela nunca mais saíram.O primeiro dos bravos candangos foi o eletricista Raul Faustino de Oliveira, 89 anos, que desde a primeira missa na nova capital, em 3 de maio de 1957, e durante toda a construção da cidade, trouxe luz à escuridão do cerrado. Nesta última edição, o Correio presta homenagem a cinco solenes heróis de Brasília: Juscelino Kubitschek, Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Israel Pinheiro e Bernardo Sayão. Dos cinco, apenas Niemeyer ocupou uma página de bravo candango. Afinal, ele não apenas construiu a cidade, como acompanhou, no Rio, as comemorações pelos 50 anos da capital federal.
Não se sabe ao certo quantos pioneiros da construção estão vivos e morando em Brasília. O presidente do Clube dos Pioneiros de Brasília, Roosevelt Dias Beltrão, já estimou em 2 mil esse número. A Associação dos Candangos Pioneiros tem 1,5 mil associados. Mas há de se levar em conta que muitos dos operários que aqui chegaram no final dos anos 1950 não participam de nenhuma das duas entidades.
O historiador Ronaldo Costa Couto cita Darcy Ribeiro para mostrar a dimensão do que aconteceu a leste de Goiás entre 1956 e 1960: ;Deus estava de muito bom humor quando reuniu num mesmo lugar Juscelino, Israel, Niemeyer e Lucio Costa;. O autor de Brasília, Kubitschek de Oliveira, faz, porém, um reparo à frase de Darcy: ;Ele tinha que ter citado Bernardo Sayão. Como disse Ernesto Silva, sem Sayão, Brasília não teria sido construída. Isso porque todos os demais eram urbaníssimos, viveram a vida toda em cidades;. O engenheiro carioca, ex-vice-governador de Goiás, era um desbravador. Foi ele quem primeiro veio para o Distrito Federal, ;montou barraca debaixo de árvore e começou a abrir trilhas;.
Sayão abriu a clareira para que mais de 60 mil homens e mulheres viessem participar, de um modo ou de outro, da construção da nova capital. Gente como Yone Waranhara Rodrigues, moradora do Jardim Céu Azul, que veio para Brasília trabalhar num prostíbulo. Corria tanto dinheiro nas noites de sexo nos arredores do Plano Piloto, que Yone atirava o lucro debaixo da cama para, só dias depois, em horário de descanso, contar o ganho do período. A cafetina não aceitava mulheres negras nem mulher sem mala. ;Tinha mulher italiana, japonesa, boliviana, paraguaia, tinha mulher desse Goiás todinho, tinha mulher até dos Estados Unidos;, contou Yone.
Qualquer que fosse a atividade exercida, para o bravo candango, Brasília foi um lugar de recomeço. A construção da cidade atraiu perdidos, desesperados, famintos, ambiciosos, aventureiros, jovens profissionais em começo de carreira. Se para Juscelino Brasília era um projeto de governo; se para Israel, era uma missão a executar; se para Lucio Costa, a chance de aplicar todo o conhecimento e a reflexão sobre urbanismo que havia acumulado; e se, para Oscar Niemeyer era a oportunidade quase milagrosa de exercitar seu espetáculo arquitetônico, para muita gente, Brasília foi a salvação da vida.
Renascimento
Para o recém-formado arquiteto João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé, a vinda para um ponto incerto no interior de Goiás teve o sentido de renascimento. ;Foi como se eu tivesse me incorporado ao universo.; Para Aloysio Campos da Paz, primeiro ortopedista da cidade, Brasília foi o destino certo para quem pretendia começar a carreira sem a influência dos importantes médicos da família. ;Eu vivia de costas para o país. Aqui, passei a conhecer mais o Brasil. Brasília obrigou o país a se interiorizar.;
Edwardes Cabral, 83 anos, não sabia bem o que iria fazer quando a construtora onde trabalhava em Minas Gerais, a Rabello, o mandou vir para o sertão de Goiás. O carpinteiro chegou antes do concreto, quando a obra ainda estava na fundação. Edwardes ajudou a levantar alguns das mais importantes obras de engenharia e de arquitetura da cidade: o Supremo Tribunal Federal, a Rodoviária, o Buraco do Tatu, o viaduto que liga a L2 ao Eixo Monumental. ;Todo mundo corria feito doido para dar vencimento no serviço;, lembra. Ele lamenta o abandono a que Brasília foi relegada. ;A capital é muito nova para estar do jeito que está.; O operário nunca recebeu homenagens. Vive numa muito modesta casa de Sobradinho. Recebe R$ 719 de aposentadoria e agradece: ;Estou vivo, graças a Deus.; É um herói de glórias esquecidas.
Bernardo Sayão
; Há cinco anos, Ronaldo Costa Couto prepara uma biografia de Sayão. Já entrevistou mais de 100 pessoas e espera ver a obra publicada até meados de 2011. Duas editoras já demonstraram interesse no livro, que ainda não tem título e que não deve ser nem um calhamaço nem um volume franzino. ;Como dizia Darcy Ribeiro, não será nem muito grande nem muito pequeno, mas terá de parar em pé;, brinca Costa Couto. Escrita em ordem cronológica, a biografia está quase chegando ao fim. ;Estou, nesse momento, na ligação da Belém-Brasília;, contou ele. Ou seja, não faltam muitos dias para que uma árvore caia sobre o corpo atlético do último bandeirante brasileiro.
Heróis brasilienses (esses e milhares de outros)
Aloysio Campos da Paz
Antônia Samir Ribeiro
Antônio Ferrão
Atahualpa Schimitz
Augusto Braga Filho
Áurea Mazzola
Bernardo Carvalho de Araújo
Brasília Maria Costa Gois
Carlos Magalhães
Cid Torres
Claudionor Pedro dos Santos
Clementino Cândido
Coracy Pinheiro
Donzílio Luiz de Oliveira
Doralice de Oliveira Barbosa
Edson Porto
Edwardes Cabral
Ézio Pires
Francisco Clemente Nicário
Geraldo Campos
Geraldo Resende de Carvalho
Geraldo Silva
Geraldo Zacarias
Glauco Campelo
Helena Maria Viveiros de Sousa Carvalho
Iremar Carlos Ferreira
Jayme Zettel
Jesiel Motta
João Batista Pereira dos Santos
José Durval Herculano
João Filgueiras Lima
Joaquim José Vieira
José Carlos de Souza
José Laranjeiras
José Rodrigues Lacerda
Judson Seraine Teles
Kleber Farias Pinto
Lauro França Duarte D;Oliveira
Liberato Osvaldo das Neves
Lucimar Rodrigues
Magnólia Correa
Manoel Mendes
Manoel Scartezini
Maria Coeli de Almeida Vasconcelos
Maria da Glória Chagas dos Santos
Maria de Lourdes Junqueira Edreira
Maria Elisa Costa
Maria Francisca Alves de Souza
Marisa Rappel Carneiro
Matuzalem Nogueira de Vasconcelos
Mercedes Urquiza
Mitri Moufarrege
Mitsuko Kakumori
Neifa Lorena
Neusa França
Ney Ururahy
Norma Corrêa Meyer Sant;Anna
Olinda Rocha Lobo
Orédio Alves de Resende
Oscar Niemeyer
Paulo Manhães
Raul Faustino de Oliveira
Raymond Frajmund
Regina Célia MOnteiro
Sebastiana Francisca dos Santos
Sebastião de Azevedo Rodrigues
Severiano Ferreira da Cruz
Severino Ferreira de Lima
Solam Kozak
Take Yabushita Ofugi
Telma Parada
Tereza Keliski Lobo
Ugo Buresti
Viriato de Castro
Valdemar Neves da Silva
Walter Reinicke
Yone de Almeida
Yone Weranhara Rodrigues
Zenaide Barbosa dos Santos