Guilherme Goulart
postado em 26/12/2010 08:00
A psicóloga Patrícia Casasanta Pontes de Almeida, 29 anos, mantém a vida organizada. Conheceu o marido aos 21 e, desde então, planejou e comemorou ao lado dele a estabilidade profissional e financeira. O instinto materno ficou adormecido e, às vésperas dos 30 anos, ela se sente segura para encomendar o primeiro filho. A irmã Larissa Casasanta Pontes, 27, tinha intenção parecida. De perfil independente, típico de uma mulher de negócios, sempre enxergou a maternidade como algo abstrato. Mas engravidou aos 23. E, apesar de algumas frustrações, tem hoje na pequena Alice a razão de viver.A gravidez não planejada de Larissa e o adiamento do papel de mãe de Patrícia reforçam estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009. Os dados colocam o Distrito Federal na última colocação no ranking nacional das mulheres com mais de 15 anos que tiveram filhos no ano passado ; a posição se repete desde 2001. O índice candango, proporcional ao número de habitantes, ficou em 64,58% (679 mil). E aponta que a opção de ter filhos na capital do país demora a virar prioridade na vida dos casais.
As irmãs se encaixam, segundo especialistas, no perfil funcional da capital federal. ;Em Brasília, as pessoas estão muito voltadas à carreira. E existe também uma classe mais escolarizada, que adia a maternidade;, explicou a professora Ana Maria Nogales Vasconcelos, do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília (UnB). Desde a fundação da cidade, em 1960, trabalhadores em busca de oportunidades e servidores públicos transferidos de outros estados ajudaram a reforçar a característica profissional do DF. O histórico vale para homens e mulheres.
O estudo do IBGE faz ainda com que os números de Brasília contrastem com os da média nacional, estipulada em 70,57% (leia arte). Em comparação com as demais unidades da Federação mais bem colocadas no levantamento, as diferenças nos dados percentuais se revelam maiores. O primeiro lugar ficou com Mato Grosso do Sul, onde 75,11% das mulheres com mais de 15 anos tiveram filhos no ano passado. A segunda e terceira posições ficaram com a Região Norte. Rondônia tem 74,49%. E em terceiro aparece o Pará, com 74,30%.
Planejamento
Segundo Ana Maria Nogales, também do Departamento de Estatística da UnB, a relação entre maior escolaridade e menor fecundidade reflete a própria disposição urbana do DF. Isso porque a capital do país abriga uma área rural menos expressiva. Por conta disso, a especialista fez a ressalva de que o DF deveria ser comparado a regiões metropolitanas. ;Brasília é quase toda urbana, enquanto outras capitais têm mais áreas rurais, onde há mais mulheres com filhos. Mesmo no DF, as que residem nas áreas mais centrais têm menos filhos do que aquelas que vivem nas cidades mais periféricas;, afirmou.
Para as irmãs Pontes, as programações para o futuro ; e mesmo o que não saiu como o planejado ; não são motivo de arrependimentos. Pelo contrário. ;Se eu cedesse à minha vontade, estaria grávida do terceiro filho. Mas estou feliz com tudo o que construí ao lado do meu marido e hoje me sinto segura e pronta para ter meu primeiro filho;, contou a psicóloga Patrícia, que após a graduação investiu em um curso de especialização. Ela trabalha na Escola Sempre ; que oferece ensino de maternal e pré-escola ;, empresa da família, no Lago Norte.
Além de Larissa, Patrícia tem quatro irmãs. Todas são mães. A mais nova delas, por exemplo, engravidou no Rio de Janeiro do então namorado de quatro anos. Vivia uma fase de investimento profissional. Estava em um dos últimos degraus para a seleção de cargo de trainee em uma empresa multinacional.
Com a descoberta, os planos mudaram. ;Quando soube, foi desesperador. Mas, depois do susto, me vi mulher e assumi o meu papel de mãe. Acredito que ultimamente as mulheres renegam a maternidade. Criou-se uma cultura de que ser só dona de casa e mãe é pouco;, explicou Larissa, que também trabalha no colégio e em breve se forma em direito.
Escolaridade
A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2010, que analisa as condições de vida no país, tendo como principal fonte de informações a Pnad 2009, revelou que mulheres com mais instrução são mães, em média, com 27,8 anos, frente a 25,2 anos para as com até sete anos de estudo. Elas também evitam mais a gravidez na adolescência: entre aquelas com menos de sete anos de estudo, o grupo etário de 15 a 19 anos concentra 20,3% das mães, enquanto entre as mulheres com 8 anos ou mais de estudo, a mesma faixa etária responde por 13,3% da fecundidade.
Carreira na frente
A professora do Departamento de Antropologia da UnB Lia Zanotta Machado disse que as taxas de fecundidade estão em queda no Brasil. Para a especialista, a situação no Distrito Federal, como confirma o estudo do IBGE, se aprofunda justamente por conta do perfil funcional. ;Na média, o DF é uma região com altos índices de funcionalismo público e de altos rendimentos. Existe aqui uma classe econômica em expansão, o que faz ter mais pessoas alfabetizadas e um menor índice de fecundidade. No caso das mulheres, adia-se a concepção de filhos em função do profissional;, explicou.
A analista financeira Tatiana Cristina Oliveira de Abreu Souza, 35 anos, deu preferência à carreira profissional antes de se decidir em ter um filho. Teve relacionamentos estáveis ao longo dos 20 anos, mas nenhum deles a fez pensar em uma gravidez antes dos 30. Ela esperou alcançar a estabilidade financeira e afetiva ; é casada e mãe da Gabriela, de 1 ano e três meses ; para se tornar mãe. ;Priorizei a área profissional e também esperei o casamento e a pessoa certa. Escolhi adiar a gravidez e não me arrependo disso;, explicou.
Tatiana hoje comemora a maternidade tardia, uma consequência de um planejamento de vida. ;Fiz a escolha certa. Foi o melhor. Curto mais plenamente o papel de mãe depois de garantir a estabilidade em duas áreas: profissional e afetiva;, avaliou. A programação da analista financeira confirma as avaliações da antropóloga Lia Zanotta. ;As mulheres, principalmente do DF, estão adiando a maternidade em função da carreira. Há duas explicações: autonomia profissional e planejamento familiar;, concluiu a especialista.
Adiamento
Outra pesquisa do IBGE, também retirada da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009, aponta que 28,16% das mulheres que moram no Distrito Federal optam por dar à luz o primogênito na faixa etária dos 25 aos 29 anos, enquanto no restante do país a estreia na maternidade ocorre mais entre os 20 e os 24 anos.