postado em 27/12/2010 08:22
Os movimentos são realizados em perfeita sintonia. Com palmas, assobios, batidas no peito e movimento dos pés, eles criam ritmos e melodias. Ao longo do ano, 90 crianças e adolescentes do Recanto das Emas experimentaram fazer música com o próprio corpo. Depois de ensaios intensos, chegou a hora de mostrar a arte ao grande público. A integrante do grupo Batucadeiros Rayanne Barbosa, 14 anos, não esconde a ansiedade de subir ao palco. ;Treinamos bastante, espero que o resultado seja maravilhoso;, afirma. A turma tem três apresentações marcadas para esta semana. As coreografias e as canções apresentadas relembrarão brincadeiras infantis.O trabalho de percussão corporal do grupo Batucadeiros é desenvolvido pelo Instituto Batucar. Além de aprender a fazer música com o corpo, os participantes têm aulas de canto e aprendem a tocar violão. Nas apresentações, eles se dividem entre as habilidades artísticas. Por trás da formação musical e da consciência corporal há algo muito mais importante: o resgate social de crianças e de adolescentes carentes. ;O objetivo do projeto é a inclusão cultural e social desses meninos. A música é a maneira que encontramos para atraí-los;, explica o coordenador-geral do Instituto, Ricardo Amorim.
Um dos mais novos integrantes do grupo, Pedro Ribeiro, 10 anos, é um exemplo de que a fórmula proposta por Ricardo tem dado certo. O menino chegou aos Batucadeiros por meio do Centro de Referência da Assistência Social (Cras) do Recanto das Emas. ;Ele tinha problemas familiares, já havia fugido de casa. Era agressivo na escola, repetiu de ano. O Cras nos enviou uma carta pedindo que ele ficasse aqui. Desde que chegou, nunca mais deu trabalho;, relata, com os olhos marejados, a coordenadora pedagógica do projeto, Patrícia Amorim, mulher de Ricardo.
Mudança
Este ano, Pedro exibiu o boletim escolar com um sorriso no rosto. Em 2011, ele vai cursar a 3; série. ;Eu consegui passar por causa das ;tias; que me ajudaram a fazer o dever de casa e a estudar;, conta o menino, referindo-se às professoras de percussão do Batucar. ;Aqui aprendi a tocar violão, a fazer barulho com o corpo e a obedecer a minha mãe. Não quero mais sair.;
Tempos atrás, um dos professores de Pedro viveu uma história parecida. O administrador Alceu Avelar, 26 anos, chegou no grupo no início de tudo, em 2000. ;Dois anos depois, queria largar os estudos para trabalhar, não queria mais continuar. Mas fui convencido pelo Ricardo (idealizador do projeto) a seguir;, lembra. Alceu fez carreira dentro do Batucar. De aluno, virou monitor e depois, professor. ;Com o dinheiro do trabalho, consegui pagar minha faculdade;, lembra.
;Se não tivesse entrado no projeto, talvez não tivesse essa visão da importância dos estudos e de construir uma carreira;, analisa o carioca, que chegou a Brasília em 1996 em busca de uma vida melhor. A experiência deu tão certo que está inspirando os participantes do projeto. É o caso da pequena Laís Gomes da Silva de Oliveira, 7 anos, que diz pretender seguir os passos dos mais experientes. ;Eu presto atenção em tudo o que o professor fala. Além de bater no corpo, quero aprender a tocar violão e a mexer no computador;, conta, empolgada.
Educação
Durante o tempo em que se dedica a essa causa, Ricardo Amorim conseguiu detectar alguns problemas cruciais no desenvolvimento das crianças carentes do Recanto das Emas: ;As famílias não têm como acompanhar os filhos na escola, seja nas reuniões ou no conteúdo programático. Assim, muitos saem do período da alfabetização sem o conhecimento necessário consolidado. E os que se sobressaem, mesmo com as dificuldades, não conseguem continuar com os estudos, ou seja, ingressar em uma faculdade;.
Paralelamente ao trabalho musical, os integrantes do grupo Batucadeiros participam de atividades pedagógicas. Ricardo Amorim destaca: ;Nós queremos compor com a escola pública e proporcionar a essas crianças a educação integral. Elas passam o período do contraturno no instituto. Aqui elas têm reforço escolar, educação ambiental, além de aula de dança, teatro e percussão corporal. Dos 159 mil moradores do Recanto das Emas, 50% têm até 25 anos. Imagine essa juventude toda sem espaço para cultura, sem cinema, sem área de lazer;.
Ao longo deste ano, os Batucadeiros prepararam nove coreografias e canções. ;Reinventamos as brincadeiras infantis a partir da percussão corporal, com poesia e jogos;, resume Ricardo Amorim. Para compor o espetáculo ; Coisa de criança ;, foi fundamental o apoio de Fernando Barba, criador do grupo Barbatuques de São Paulo e conhecido mundialmente pelos trabalhos que realiza com percussão corporal.
Ação social
O Instituto Batucar é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), que atua há nove anos com crianças e jovens carentes do Recanto das Emas. A cada ano, a organização atende em média 85 pessoas. Hoje, o instituto luta por espaço para criar um centro cultural para assistir um número maior de pessoas. Em 2009, o projeto social idealizado por Ricardo Amorim recebeu o Prêmio Itaú- Unicef na categoria regional. O instituto conta com apoio da Secretaria de Cultura do DF, do Laboratório Sabin e da Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb).
Confira os espetáculos
Coisa de criança
Amanhã e quarta-feira, às 20h.
Água, música da vida
Quinta-feira, às 21h.
Endereço: Auditório do Colégio Mackenzie, na QI 5 do Lago Sul.
Ingressos: 1kg de alimento não perecível.
Classificação livre.