postado em 28/12/2010 07:54
Sandro é o único da família que tem problemas na visão. Se dependesse das perspectivas encontradas em diversos atendimentos, continuaria sem enxergar. Mas um dia, um médico atento sinalizou esperançaOs olhos de Sandro Ribeiro dos Santos, 21 anos, moraram na escuridão durante muito tempo: 18 anos. O rapaz de jeito ao mesmo tempo doce e determinado passou quase toda a vida sem enxergar. A deficiência visual era irreversível, segundo avaliações feitas por médicos de Brasília e de São Paulo. Um dos doutores tentou matar as esperanças de Sandro com uma piada de mau gosto. Sugeriu ao paciente que ele deixasse que arrancassem seus olhos, ;porque não serviam para nada;.
Doeu. Mas Sandro fingiu não escutar. Ignorou o comentário infeliz que demonstrou o despreparo ético do médico. O jovem nasceu com catarata, nos dois olhos. Por falta de tratamento, a doença evoluiu para cegueira. Sandro andava pelas ruas tropeçando, via apenas vultos. Machucava-se com frequência. Na escola, sentava-se muito perto do quadro-negro, mas não adiantava. Alguns colegas riam, outros ajudavam. Sandro andava por aí com a certeza de que podia ser feliz, mas era triste.
Logo que voltou a enxergar, ele passou a escrever e pintar. Descobriu o azul como cor favorita
Mesmo diante do pessimismo e da insensibilidade dos outros, ele nunca desistiu de acreditar que veria as cores do mundo e conheceria os rostos das pessoas amadas. Tinha fé em si mesmo, na própria intuição. O menino queria, principalmente, conhecer as feições de seus anjos da guarda: duas professoras que lutaram ao seu lado pela realização do sonho de enxergar.
Idalene Aparecida André e Eliane Lopes, educadoras do Centro de Ensino Fundamental 4 do Guará, onde Sandro estudou, fizeram uma verdadeira peregrinação ao lado do aluno, com visitas a oftalmologistas. Encontraram as portas fechadas várias vezes. Mesmo assim, organizaram ;vaquinhas; entre estudantes e professores do colégio para pagar consultas e até conseguir alimentos para a família de Sandro, que ainda vive em uma situação financeira difícil. ;Elas (Idalene e Eliane) foram as primeiras, além da minha mãe, que acreditaram no meu desejo de ver. Todo mundo, até meus irmãos, me mandava desistir, parar de gastar dinheiro com passagem para ver médico;, lembrou Sandro.
A esperança
Foram muitas idas e vindas até alcançar o objetivo. ;Os médicos pediam vários exames. Esperamos mais de dois anos até conseguirmos uma resposta. A gente não tinha dinheiro nem para a passagem de ônibus. As professoras buscavam em casa, vizinho fazia favor. Foi um sufoco. Mas eu tinha a certeza de que a gente ia conseguir alguma coisa boa;, relatou a empregada doméstica Daís Ribeiro dos Santos, 48 anos, mãe do jovem e de mais nove filhos que criou praticamente sozinha. Sandro é o único na família com problemas de visão.
Em uma dessas consultas, em visita a um médico em Formosa (GO), o doutor Francisco, Sandro recebeu mais um não. ;Eles (os médicos) diziam que era um caso sem solução, que tinha passado da idade de operar e ponto final;, lembrou Idalene. Quando saíam do consultório, desanimados, Idalene, Eliane e Sandro foram chamados de volta pelo especialista. ;Ele falou: ;Espera, eu tenho que tentar. Professora, você me autoriza a operar o olho desse menino?;. Eu disse que sim, assumi a responsabilidade.;
Dias depois, Sandro estava na mesa de cirurgia. O médico não cobrou pelo trabalho. Ao retirar os curativos, pela primeira vez desde que podia se lembrar, Sandro viu o mundo. Tinha 18 anos. Pouco depois, veio a cirurgia no olho esquerdo, com outro médico.
As professoras sentiram o prazer de uma missão cumprida. Eliane resume essa sensação: ;Eu pensava: se existir uma possibilidade, mesmo que mínima, vamos acreditar. A gente precisava oferecer isso ao Sandro. Ele tem um coração bom demais. Por mais difícil que seja, a gente precisa correr atrás do impossível, porque senão nada se torna possível;.
A cor vermelha foi a primeira vista pelo rapaz, na roupa de alguém. ;Não lembro quem.; Ele jamais esquecerá o ano de 2007. Foi como começar a viver de novo. ;Eu tinha muita vontade de ver as coisas. Na rua, me chamavam de cego como se fosse xingamento, quando eu tropeçava em alguém. Eu chegava em casa e chorava.;
Vida nova
Os dias escuros ficaram para trás. Hoje, Sandro enxerga perfeitamente com o olho esquerdo e tem baixa visão no direito. É capaz de desempenhar todas as atividades do dia a dia. Gosta de pintar, desenhar, escrever. Já escolheu uma cor favorita, azul. ;Azul quer dizer esperança, né?;, confunde-se. Mas não tem importância. Azul não pode ser ruim. É a cor do céu. ;Aprendi que o mais importante é a perseverança. Não deixar que ninguém faça a gente desistir, nunca. É preciso ter certeza de que vai ter algo bom mais à frente;, ensinou.
O rapaz, que antes não via nada, aprendeu a amar a literatura. No momento, devora o livro Convite para mudar: 10 histórias dramáticas que foram superadas pelo poder de Deus. Conseguiu recentemente o primeiro emprego com carteira assinada. É auxiliar de serviços gerais na Escola Classe 1 da Estrutural. Sente-se útil, enfim.
Depois do trabalho, ainda estuda. No próximo ano, vai cursar o 2; e o 3; ano do ensino médio. ;Por conta do serviço, precisei fazer matrícula à noite. Isso me atrapalha, porque prejudica as vistas. Pensei em desistir da escola. Mas parei e disse para mim mesmo: se eu fizer isso, lá na frente vou ser um jovem perdedor. Jamais.; Em 2012, Sandro pretende prestar vestibular na Universidade de Brasília (UnB), para medicina. ;As pessoas dizem que eu levo jeito;, disse.
Por enquanto, ele luta pelo próximo sonho: comprar uma casa para morar com a família. Atualmente, Sandro vive na Estrutural, em um lugar pequeno, feito de tijolos, sem pintura nas paredes ou qualquer tipo de luxo, com mais cinco pessoas. ;Eu vou conseguir;, diz. Além da cor azul no posto de sua favorita, ele tem uma palavra preferida: perseverança. Não há nada que combine mais com sua personalidade.