Renato Alves
postado em 29/12/2010 08:00
As chuvas e os ventos fortes dos últimos dias mudaram a paisagem do Lago Paranoá. Antes restritos ao braço sul, onde se concentra a poluição, os aguapés se espalharam por todo o espelho d;água. Ilhas boiam no meio do manancial ou atracam em píeres públicos e particulares. O único equipamento usado para remover as plantas está estragado há um ano. Adquirido pelo Governo do Distrito Federal (GDF) em 1985, ele será substituído por um moderno, que só deverá ser entregue no segundo semestre de 2011. Portanto, neste verão, os moradores e visitantes terão que se acostumar com a vegetação indesejada em meio a um dos principais cartões-postais da capital do país.
É comum os aguapés aparecerem no Paranoá nesta época do ano. As enxurradas fazem com que as plantas se desprendam dos aglomerados no braço sul e o vento se encarrega de espalhar a vegetação por todo o lago. Mas, ao contrário do que ocorreu todos os anos desde que a máquina foi comprada, as plantas não serão removidas do espelho d;água. ;Abrimos licitação em novembro para comprar um novo equipamento de remoção dos aguapés. Ela deve ser concluída até 15 de janeiro. A partir de então, o vencedor terá 180 dias (seis meses) para entregar o novo aparelho;, explica o superintendente de Operação e Tratamento de Esgoto da Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb), Carlos Eduardo Pereira.
A Caesb alega não ter como se livrar totalmente dos aguapés. Sempre há dessas plantas na região próxima ao Riacho Fundo, a Vicente Pires e ao córrego do Guará por causa da poluição. A ocupação desordenada e o aumento do assoreamento nessas áreas estimulam o desenvolvimento da vegetação. ;A sujeira alimenta os aguapés, que se reproduzem com enorme rapidez. Já o assoreamento impede a chegada do equipamento para remoção das plantas. O ideal seria um manejo delas, retirando as mais velhas e deixando as mais novas, mas, nas condições atuais, isso é impossível;, pondera Carlos Pereira. No entanto, ressalta ele, o aparecimento das plantas no Lago não é sinal de que a poluição no Paranoá aumentou. No total, 96% das águas são balneáveis, próprias para o banho.
Peçonhentos
Mas os aguapés continuam a crescer no braço sul do Lago e, com a chuva, eles se soltam, se espalham e incomodam quem usa o Paranoá como área de lazer. ;Se tem muito aguapé, preciso mudar o local de treino. Mas pior é quem nada aqui. O aguapé traz animais peçonhentos, como cobras e ratos;, ressalta Josué Vitor, 44 anos, professor de kitesurf ; esporte aquático que usa uma espécie de pipa e uma prancha com uma estrutura de suporte para os pés. Os turistas também não gostam da presença das plantas. ;Se deixar, essa vegetação toma conta de todo o espelho d;água. Isso aconteceu com o maior lago da minha cidade;, lembra o universitário Cláudio Santos, 22 anos, morador de Belo Horizonte (MG), onde os aguapés poluem a Lagoa da Pampulha, cartão-postal da capital mineira.
Em muitas cidades, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, o controle de aguapés é feito pelo órgão responsável pela coleta de resíduos. No DF, porém, não há uma legislação para definir essa atividade. Cinco anos atrás, o Serviço de Ajardinamento e Limpeza Urbana (Belacap), atual Serviço de Limpeza Urbana (SLU), anunciou que recolheria plantas aquáticas do Paranoá e as transformaria em adubo orgânico, por meio de parceria com uma universidade privada. Mas o serviço continuou a cargo da Caesb e a parceria durou apenas um ano, por causa da deficiência do equipamento de coleta, o mesmo que quebrou no ano passado.
Sem proliferação
Os grupos de aguapés que se desprendem da grande camada acumulada no braço sul do Paranoá não sobrevivem por muito tempo. Como o restante do lago tem baixa poluição, as plantas ficam sem ter a principal fonte de alimento, os resíduos tóxicos (veja Para saber mais).
DEPÓSITO DE LIXO
; A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa) reconhece que o Lago Paranoá ;vem se tornando um estuário dos resíduos jogados pela população na rua;. Além de tampar os bueiros, esses resíduos acabam escoados para o Lago pelos canais de drenagem pluvial. Segundo o SLU, neste ano foram retirados do Paranoá mais de 110 mil toneladas de lixo. O que é impossível retirar é a areia e as sujeiras que não boiam e que causam contínuo assoreamento, de acordo com a Adasa. Nos próximos dois anos, o GDF, por meio da Novacap, aplicará R$ 300 milhões no Programa Águas do DF, para construir galerias de macrodrenagem e bacias de retenção de detritos. Espera-se que, com a conclusão do projeto, os pontos de alagamento deixarão de existir e os resíduos sólidos não chegarão ao Lago.
PARA SABER MAIS
Filtro natural, se bem utilizado
Baronesa, orelha-de-jegue, jacinto d;água e miriru. Esses são outros nomes populares dados ao aguapé, a planta cientificamente batizada como Eichornia crassipes. Com 95% de água, ela tem raízes longas, que chegam a medir até 1m. Já a parte que fica fora d;água atinge uma altura que varia desde alguns centímetros até 1m.
O aguapé serve de abrigo natural a organismos de vários tamanhos e aspectos, servindo de habitat a uma fauna bastante rica, desde microrganismos, moluscos, insetos, peixes, anfíbios e répteis até aves. Quando largado nas águas, sem uso, o aguapé chega a prejudicar a navegabilidade dos rios, causando até problemas em reservatórios de usinas hidrelétricas em razão de sua rápida proliferação.
No entanto, quando bem aproveitado, traz benefícios incríveis. Uma das principais vantagens do aguapé é que ele é um filtro natural, pois apresenta a capacidade de incorporar em seus tecidos uma grande quantidade de nutrientes.
Assim, se um lago ou um reservatório estiverem poluídos, coloca-se o aguapé. Suas raízes longas e finas, com uma enorme quantidade de bactérias e fungos, atuam sobre as moléculas tóxicas, quebrando sua estrutura e permitindo que a planta assimile esses componentes maléficos. O único cuidado é vigiar de perto o crescimento vigoroso da vegetação para mantê-la sempre sob controle.
Não se aconselham o uso e a presença de aguapés em lagos extensos, em represas com possíveis remansos ou mesmo em tanques de dimensões maiores, pelas dificuldades de remoção e de controle.
Memória
1982
O crescimento excessivo dos aguapés se torna uma problema no Lago Paranoá. Por falta de equipamentos adequados, iniciou-se a retirada manual dessa vegetação. Para fixar os aguapés, foi tentado o seu confinamento usando amarração em toras de eucaliptos secos com pesos presos nas extremidades. Esse sistema mostrou-se inadequado, pois era danificado pelo vento e por ações de vandalismo. Posteriormente, a retirada ocorreu com uma draga. Foram testados ainda dois tipos de caçamba, sendo que ambos os processos foram ineficientes pela falta de mobilidade da máquina.
1985
A Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) especificou e encomendou a fabricação de um barco projetado para a remoção de aguapés. Essa embarcação começou a operar no Lago Paranoá em 1985, conseguindo manter sob controle a expansão do aguapé, por meio de uma rotina de trabalho.
2008
Uma plataforma flutuante de aguapés se deslocou para as margens do Lago Paranoá e bloqueou o píer do Minas Brasília Tennis Clube, em 3 de abril de 2008, impedindo a saída das embarcações guardadas no local. Funcionários do Minas acionaram a Caesb para que a ilha vegetal fosse retirada. A massa de plantas ocupou área semelhante à de um campo de futebol. Com ajuda de barcos e caminhões, técnicos da Caesb levaram dois dias para retirar os aguapés.