postado em 04/01/2011 07:56
Durante o dia, Elizabete Medina, 36 anos, moradora de Ceilândia, faz malabarismos para conciliar a profissão de massoterapeuta e o cuidado com os quatro filhos que cria sozinha. O pedagogo Alessandro Galvão, 37 anos, casado e pai de dois meninos, passa a manhã e a tarde em sala de aula, em uma escola municipal de Águas Lindas, ministrando lições a crianças. Depois do expediente, principalmente em fins de semana, folgas e feriados, os dois assumem uma nova identidade: a de pessoas que salvam vidas.Ao lado de outros 13 companheiros, Elizabete e Alessandro formam o Grupo de Resgate Nacional (GRN), criado há nove meses. Eles montaram a associação de voluntários para socorrer vítimas de acidentes, violência e incêndios em Águas Lindas. Antes, frequentaram cursos de brigadista e socorrista de, aproximadamente, três meses de duração.
As ocorrências chegam ao GRN pelos três rádios especiais, do mesmo modelo e mesma frequência dos usados na polícia e nos bombeiros. Os voluntários têm autorização do governo para utilizar tais equipamentos. Parte dos integrantes atua como brigadista. Outros conheceram o trabalho por meio de amigos e se empolgaram com a possibilidade de ajudar. ;Eu fiz o curso para ser voluntária. Paguei pelas aulas. Achei que seria fácil, mas não foi. O treinamento é duro. Precisei correr quilômetros, escalar, aguentar lama na cara e um monte de gente dizendo: ;Pede para sair;. Mas valeu a pena;, lembrou Elizabete.
Anjos
A voluntária tem razão. O aprendizado dela e de seus colegas pode ter evitado a morte de dezenas de pessoas. Eles são como anjos da guarda, que aparecem no lugar certo e na hora certa. O grupo não tem uma sede. Eles circulam pelas ruas do Entorno, em um furgão ano1987, azul, à procura de quem precise de ajuda. ;Lembro-me de uma vez em que chegamos ao local de um acidente, na BR-070 (que corta Águas Lindas), e uma família inteira estava presa nas ferragens de um carro, que tinha despencado de uma ribanceira de uns 40 metros de altura. Um menino de 8 anos pedia socorro. Chegamos lá e ajudamos todo mundo. Eles sobreviveram;, relatou Alessandro, orgulhoso.
Mas nem sempre o final é feliz. ;Já vimos também situações em que ninguém saiu vivo. É terrível. Vamos para casa com uma sensação de impotência que machuca muito;, revelou Elizabete. O GRN ainda não pode transportar as vítimas em segurança, somente prestar os primeiros socorros.
Eles receberam uma van nova doada pela Delegacia de Águas Lindas, mas falta dinheiro para equipá-la como ambulância. Precisam de maca, armários, balões de oxigênio e muito mais. Até o dinheiro para comprar material de primeiros socorros (atadura, colar cervical, entre outros itens) e o combustível que move o furgão, atualmente, sai do bolso dos voluntários.
O trabalho, quando possível, é feito de forma improvisada. ;Um dia desses, apagamos um incêndio no Setor de Chácaras com folhas de palmeira. O bombeiro não chegou. Se não fosse assim, as casas teriam virado cinza;, lembrou Elizabete.
Águas Lindas não tem nenhuma unidade do Corpo de Bombeiros. A mais próxima fica em Ceilândia e pode demorar muito a chegar. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e o Hospital Bom Jesus, o único público da região, possuem apenas duas ambulâncias, uma cada um, para atender a população de aproximadamente 300 mil habitantes. ;A gente via a situação do povo de Águas Lindas e queria fazer alguma coisa para ajudar. Aqui tem muito capotamento, gente baleada, gente esfaqueada;, disse Alessandro.
Desdobramentos
Os 15 amigos que hoje fazem parte do GRN começaram no Águia Uno, grupo que presta o mesmo tipo de serviço. ;O Águia suspendeu as atividades por um tempo e a gente quis manter o trabalho, para não deixar o povo desamparado;, explicou Galvão. Os participantes trabalham durante toda a semana.
Aos sábados, domingos e feriados, eles se dedicam com exclusividade ao salvamento. Ficam na BR-070, nas ruas da cidade, sempre à espera de um chamado. ;O nosso ano-novo vai ser fazendo salvamento. Vamos brindar 2011 assim;, garantiu Elizabete, nos últimos dias de 2010. O GRN ainda mantém em Ceilândia, cidade vizinha a Águas Lindas, uma escolinha na qual 40 crianças aprendem primeiros socorros e noções de cidadania. Um especialista em salvamento é professor voluntário e oferece também cursos de aperfeiçoamento para os integrantes do GRN, tudo de graça.
Os voluntários deixam de lado os momentos de descanso com a família e com os amigos para poder cuidar dos outros, sem pedir nada em troca. ;Nossa recompensa é ver a vida sendo salva. O prazer é ajudar;, resumiu o vice-presidente do GRN, José Melquiades Rodrigues, 24 anos, brigadista profissional. A mulher dele, Renata Alves, 22, deve terminar o curso em breve e passará a integrar a equipe. Até lá, ela permanece como operadora de rádio, alertando sobre os principais chamados. Em breve, o casal vai emprestar a própria casa para a construção de uma base do GRN.
O morador do Guará Victor Brito de Oliveira, 25 anos, faz parte da equipe, mesmo sem viver em Águas Lindas. Jovem, solteiro e sem filhos, ele abre mão de se divertir no fim de semana para dedicar-se ao salvamento. ;Minha verdadeira festa é essa: prestar o socorro. Não tem nada mais emocionante, que empolgue mais.;
Os membros da equipe são famosos na vizinhança. ;Sempre que tem problema lá na minha rua, meus vizinhos já gritam: ;Mulher do socorro, mulher do socorro!’. Sinto uma satisfação enorme;, disse Elizabete. O mesmo ocorre com Alessandro, Victor, José Melquiades, Renata e todos os outros.
Vestidos em fardas azuis ou alaranjadas, os voluntários do salvamento são vistos como heróis. Gostam de dizer que estão sempre em ;QAP;, código militar usado para revelar que a pessoa está na escuta ou sempre alerta. ;Se eu estiver dentro do ônibus, voltando do trabalho, e encontrar um acidente, desço. Se estiver dormindo, acordo;, garante Elizabete. No GRN, é assim: a missão nunca acaba.
Quer participar?
Quem quiser ajudar o GRN deve entrar em contato com Elizabete ou Melquiades, nos telefones: 8120-7973 e 9224-2592.