postado em 10/01/2011 07:55
A lista de dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas do Distrito Federal para tornar realidade a educação inclusiva parece não ter fim. O Correio mostrou ontem que a rede não conta com monitores suficientes para ajudar os professores no cuidado com os alunos que precisam de atenção diferenciada. No Caic Assis Chateaubriand, em Planaltina, por exemplo, são apenas quatro assistentes para mais de 90 alunos. Os problemas, no entanto, vão além.Faltam também psicólogos, profissionais ainda mais importantes no ensino inclusivo. Isso porque, antes de oferecer qualidade no aprendizado aos 13 mil portadores de necessidades especiais matriculados na rede pública, é preciso traçar o diagnóstico de cada aluno. Nos quadros da Secretaria de Educação do DF (SE-DF), há somente quatro especialistas concursados para prestar esse serviço.
Em novembro do ano passado, 54 profissionais foram aprovados em concurso público para psicólogo da SE-DF. Nenhum deles, no entanto, assumiu os cargos. A secretaria informou, por meio da assessoria de imprensa, que há professores que, após ingressar no serviço público, concluíram formação em psicologia e passaram a atender na área, mas não é possível saber quantos.
A Regional de Ensino de Planaltina é um exemplo que reflete a realidade do DF. Faltam especialistas para atender a região. ;As psicólogas são itinerantes. Não conseguem satisfazer de maneira adequada a demanda;, explica a professora da classe de ensino especial do Caic Assis Chateaubriand, em Planaltina, Olga Lúcia de Oliveira.
A professora viu dezenas de crianças serem reprovadas e perderem tempo na sala de aula porque não tinham um diagnóstico fechado. Quando não há um laudo, elas não podem ser consideradas especiais e não recebem tratamento específico. ;A criança, geralmente, é matriculada em uma turma comum. Para muitos pais, é difícil aceitar que o filho apresenta sintomas de alguma deficiência. Quando o professor percebe, ele chama a família e conversa. Pede para que procurem um hospital e auxílio de um psicólogo. A consulta, porém, demora um ano ou dois para ocorrer. Até lá, a criança já perdeu o ano, sem o acompanhamento correto;, relata Olga.
Exemplo
Diante de tantas dificuldades, os alunos só podem contar com o apoio daqueles que têm amor à profissão. Os efeitos de projetos voluntários refletem-se na vida dos estudantes com necessidades especiais. A dedicação dos profissionais melhora a autoestima e a produtividade, dentro e fora da escola.
Na parede da escola onde João e outros 90 meninos e meninas especiais estudam, há um aviso: Toda criança tem direito ao amor e à compreensão por parte de seus pais e da sociedade. Tem direito à educação e ao lazer;. Ali, a mensagem tornou-se regra.
A professora Olga Lúcia é uma das responsáveis por isso. Há 10 anos, ela escolheu ensinar crianças que precisam de atenção diferenciada. Desde então, trabalha orientando alunos de uma classe especial que funciona em uma escola comum.
Apesar de receberem as lições em um local separado de quem não tem necessidade especial, os alunos de Olga compartilham com os outros os recreios, as festas e os vários outros momentos de confraternização. Essa divisão é prevista em lei nos casos em que frequentar uma classe regular pode prejudicar o aprendizado. Para não deixar a inclusão de lado, criaram-se as classes especiais.
Olga não deixa que falte nada aos alunos. Tira dinheiro do próprio bolso para comprar material didático. Se os joguinhos de tabuleiro estão ultrapassados e já não prendem a atenção dos estudantes, lá vai Olga para a loja de brinquedos. ;Em primeiro lugar, é preciso afeto. Eles precisam ter a certeza de que são respeitados e amados antes de aprender.;
O mesmo ocorre quando falta qualquer outro material: como papel, lápis e giz de cera. Primeiro é feito um pedido à direção. Caso a verba não seja viabilizada logo, a professora se apressa e paga com o próprio salário. ;Meus alunos não podem esperar;, ela diz. ;A Olga quer tudo para ontem. Nunca tira abono, falta ou chega atrasada;, relata a diretora, Odith Charmane Farago.
A educadora respeita os limites dos alunos, sem superproteção. ;Não retiro todas as tesouras de perto deles. Não crio uma bolha. Aquele que não consegue aprender a ler muito bem pode fazer desenhos maravilhosos. Cada um tem o seu valor. Nem tudo se resume a ler e a escrever;, ensina Olga.
Diferente
Os pais agradecem. Um dos alunos de Olga é Matheus Sousa Santos, 12 anos, morador de Arapoanga e portador de deficiência intelectual. Antes de chegar ao Caic, o menino passou por várias escolas. Estudou em turmas comuns, mas nunca havia recebido o cuidado necessário. ;Aos 9 meses, Matheus ainda parecia um bebê recém-nascido. Passou por estimulação precoce;, detalha a mãe do garoto, a dona de casa Marina Sousa Bispo, 42.
Antes de ser aluno do Caic, Matheus se esforçava para ser igual a todo mundo. Queria fazer as atividades no mesmo ritmo dos colegas. Não conseguia. Ficava deprimido. Na aula especial, o menino aprendeu que é diferente e também que isso não significa ser menor ou pior.
;Aqui, ele entendeu que cada um tem seu tempo. Hoje, é uma pessoa segura e feliz;, alegra-se a mãe. ;Agora eu gosto de estudar;, completa Matheus. Olga, assim como muitos outros professores que fazem a diferença, vai para casa a cada fim de dia com uma certeza: de que educar é mais que ensinar números e letras. Muitas vezes, é fazer renascer.
Palavra de especialista
Espaço plural e democrático
;A escola deve se constituir em um espaço democrático e plural, onde todos aprendam com as diferenças. A diversidade humana, em uma escola inclusiva, é concebida como um valor essencial para o pleno desenvolvimento pessoal, social, acadêmico e profissional. Assim, segregar com base na deficiência é ratificar o preconceito e a discriminação, em vez de consolidar os valores de uma sociedade de todas as pessoas.;
Martinha Clarete Dutra dos Santos, diretora de Políticas de Educação Especial do Ministério da Educação
Veja amanhã: a série Inclusão Caminhos da igualdade vai contar histórias de três portadores de necessidades especiais que aprenderam a acreditar no próprio potencial, dentro da escola onde estudam. Conheça os planos e os sonhos de Jéssica, Catiene e Pedro.