postado em 10/01/2011 07:48
Voluntários da Biblioteca Braille Dorina Nowill fazem o papel dos olhos de quem não consegue enxergar. Com muita boa vontade, eles vão até o local, na CNB 1 de Taguatinga, para ler livros de literatura, material didático e até apostilas de concursos públicos para aqueles que perderam ; ou nasceram sem ; a capacidade de ver. Mais de 10 ledores, como são conhecidos, ajudam na missão de traduzir o mundo e as palavras a quem não conseguiria fazer isso sozinho.A biblioteca possui um acervo variado, com mais de 2 mil exemplares na escrita adaptada. Oferece ainda por volta de 70 áudios de livros, especialmente de literatura. Mas ainda não é o suficiente para suprir as necessidades dos frequentadores, sedentos por conhecimento. Desde a fundação do espaço, há 15 anos, existem os ledores.
A disposição em ajudar mudou a vida de muita gente. Antes de conhecer esse serviço, o morador de Taguatinga Nivaldo Alves dos Santos, 62 anos, deficiente visual, sentia-se isolado, mal saía de casa. Quando passou a frequentar o espaço, conheceu o braille. Descobriu-se capaz de ler e de escrever, expressar ideias e sentimentos. Com a figura do ledor, ganhou um incentivo para voltar a estudar. Hoje, cursa o ensino médio. ;Venho à biblioteca todos os dias. Não me imagino sem isso aqui;, afirmou.
Nivaldo tem dezenas de colegas com a mesma história de mudança para contar. Entre eles, uma família inteira, composta por três deficientes visuais, moradores do Riacho Fundo 2: Noeme, 50 anos, a mãe; Rafael, 50, o pai; e Luiz Felippe, 10, o filho do casal. Todos reforçam os estudos na Biblioteca Braille e em casa, com ajuda de ledores e de materiais elaborados por eles. Os três montam também espetáculos teatrais para apresentar em escolas. Querem promover a inclusão, ao mostrar, por meio da própria história de vida, que o cego é capaz de muitas realizações.
Evolução
Noeme é formada em serviço social e filosofia, além de ter pós-graduação em gestão de pessoas e já pensar em mestrado. O marido, Rafael, cursa o quarto semestre de letras. As monografias e os estudos acadêmicos de Noeme foram facilitados pelo auxílio dos voluntários, assim como ocorre com Rafael agora. ;Minhas notas estão entre as melhores da minha sala. Se dependesse de ajuda da faculdade, eu não chegaria tão longe. O voluntariado é muito importante;, relatou Rafael. Um exemplo é Napoleão Queiroz, 51 anos, morador do Guará: além de frequentador, ele se tornou voluntário e ensina aos colegas o que aprendeu em informática. Os deficientes visuais ministram o braille para pessoas que enxergam e que se interessam pelo método.
Quem ajuda também ganha muito. ;Eu me sinto mais gente depois que comecei esse trabalho. Descobri que os deficientes visuais não têm barreiras. São corajosos, ágeis;, disse Maria Auxiliadora Sales, 54 anos, professora aposentada e moradora de Taguatinga. Outra ledora, Joselita dos Santos Costa, 69, que vive na mesma cidade, foi até lá para ensinar e acabou aprendendo muito. ;Saio daqui engrandecida. Existe uma sensibilidade, uma humanidade rara aqui. É tanta força de vontade. Me encontrei;, contou, emocionada.
Além de ser ledora da biblioteca, Cristiane Moreira, 39 anos, moradora de Samambaia, acompanhada de outras colegas, presta outro serviço voluntário: o de ir até escolas públicas para ler as provas dos alunos. Quando não há tempo ou recurso para imprimir os testes em braille, essa é a única solução.
;Os professores entram em contato com a gente e pedem a ajuda. Nós ligamos e quem estiver disponível vai até os colégios;, relatou uma das fundadoras da Biblioteca Braille, Dinorá Cançado. Outra voluntária, Mery Paiva, 64 anos, já transformou em áudio o conteúdo de diversas apostilas de concursos públicos. Ela também dá aulas de dança para os deficientes visuais. ;O importante é não ficar parado, adaptar todas as atividades para que nada pareça inacessível. Enquanto eu gravo os áudios, aprendo. Todo mundo ganha;, avaliou.
Escritores
Muito além da academia, os ledores também ajudam a inserir os deficientes visuais no mundo da literatura, da poesia. Além de ler as histórias de vários autores, eles os incentivam a produzir os próprios textos. E tem dado muito certo. Em 6 de dezembro de 2010, os frequentadores da Biblioteca Braille e outros deficientes visuais lançaram, por meio do projeto Luz & Autor em Braille, o livro Revelando autores em braille.
São 83 escritores que não enxergam, reunidos para mostrar sentimentos, talento e realidade. A Vivo patrocinou a impressão dos livros. ;Imprimir 100 exemplares custa R$ 11 mil. Esse projeto não seria possível sem apoiadores;, explicou a coordenadora da biblioteca, Leonilde Fontes.
Rafael, por exemplo, escreveu para a publicação um texto sobre o sonho de voltar a estudar. ;Fui alfabetizado depois dos 50 anos. Perdi a visão cedo e interrompi os estudos no 2; ano primário. Só depois de conhecer a biblioteca e os serviços dela é que voltei a estudar. Agora estou na faculdade, rumo à conclusão dos meus sonhos.;
Noeme também é uma das autoras do livro. ;Livros em braille custam caro. Por isso, é difícil encontrar. Está sendo ótimo poder mostrar a outros deficientes o nosso trabalho e ler os dos colegas também;, completou. Ela e Rafael se conheceram na Biblioteca Braille.
Voluntariado
Com estrutura física reduzida, não é possível atender vários deficientes visuais ao mesmo tempo. ;Trabalhamos em uma sala só, com duas mesas e cadeiras. Ficaria muito barulho, todo mundo lendo junto de uma vez. Acabaria atrapalhando uns aos outros;, atentou Leonilde Fontes.
Assim, quem está disposto a doar-se como ledor, mas não tem tempo ou não quer ir até Taguatinga, pode ajudar sem sair de casa. ;Sempre precisamos de gente para ler e gravar em arquivo de computador o conteúdo de várias publicações. É muito simples, o programa de computador é gratuito e muito fácil de usar;, ensinou Leonilde. A Biblioteca Braille é assim: uma rede de conhecimentos onde todos são capazes de ajudar. Ali, o conhecimento e o ser humano estão sempre em expansão.