postado em 12/01/2011 09:06
Ela adiou o quanto pôde. Ora por motivos de saúde, ora por achar que não merecia. Mas não teve jeito. No último fim de semana, Therezinha Paviani, 81 anos, recebeu o título de Professora Emérita da Universidade de Brasília (UnB), diploma que estava pronto desde 2005. Como a homenageada não ia buscá-lo, a instituição quebrou o protocolo e foi levá-lo até ela. A cerimônia, tradicionalmente realizada no auditório da universidade, ocorreu na casa da docente. Sob olhares de familiares e colegas de profissão, ele recebeu o documento das mãos do reitor José Geraldo de Sousa Júnior. ;Sinceramente, eu me surpreendi muitíssimo, não sou merecedora desse prêmio;, emocionou-se, na hora. A modéstia é apenas uma das qualidades de Therezinha, que, apesar da resistência, é digna de todas as homenagens.Pioneira no estudo da botânica em Brasília, Therezinha participou ativamente da criação do Laboratório de Anatomia Vegetal e do Departamento de Botânica da UnB. Quando chegou à universidade como professora colaboradora, em julho de 1969, ;o laboratório era apenas um pequeno espaço na antiga biblioteca;, lembra.
A professora veio do Rio Grande do Sul, onde lecionava na Universidade Federal Santa Maria (UFSM). Não chegou sozinha. Seu companheiro, o também professor Aldo Paviani, 71 anos, foi chamado para compor a equipe de docentes de geociências. Em um primeiro momento, o casal, que vai celebrar bodas de ouro no ano que vem, era apenas cedido pela instituição gaúcha. Os dois chegaram a ser inquilinos do pioneiro Ernesto Silva, a quem pediram um desconto no aluguel. ;Recebíamos um auxílio-moradia equivalente a R$ 500 e o aluguel era de R$ 900. Choramos e ele fez por R$ 800;, conta Aldo.
Em 1974, a reitoria da UnB convidou os professores colaboradores a compor o quadro efetivo da universidade. Os diretores da UFSM não gostaram muito da ideia. Mas o casal não resistiu ao novo desafio. ;Achamos que aqui publicaríamos mais. Além disso, havia mais recursos;, relembra Therezinha. Proposta aceita. Os dois fincaram raízes de vez na cidade idealizada por JK. Adotaram três filhas ; três irmãs vindas de uma família humilde ; e prosseguiram com suas carreiras .
Saudade
Dos 43 anos atuando como professora, Therezinha dedicou 23 à UnB. Em 1994, contra sua vontade, abandonou a sala de aula e o laboratório. Os braços não aguentavam mais carregar os livros e as lâminas usadas para as pesquisas. Por duas vezes, a professora caiu no chão na saída do Minhocão: desenvolvera mal de Parkinson.O diagnóstico saiu no fim dos anos 1980. ;Eu custei muito a tomar a decisão de me aposentar, mas percebi que não dava mais;, conta.
Anos depois, a saudade do mundo acadêmico ainda é grande. ;Quando vi minhas colegas durante a cerimônia, a chama reacendeu.; Mesmo afastada, Therezinha não deixou de contribuir com o departamento que ajudou a criar. Ainda hoje, é consultada por colegas que desejam publicar pesquisas ou estudos. A doença afetou sua mobilidade, mas não lhe tirou o conhecimento e a memória acumulados ao longo dos anos.
O marido recorre a ela para se lembrar de datas. Therezinha não deixa uma pergunta sem resposta e ainda lembra de cor o nome científico da planta objeto de seu doutorado: Schinus molle ; na linguagem popular, aroeira. ;As plantas são divididas em gênero, família e espécie;, explica didaticamente. São várias as espécies da planta, mas a escolhida por Therezinha é mais utilizada para ornamentação. Além de contribuir com o crescimento da botânica em Brasília, a professora foi precursora em estudos de plantas do cerrado.
Legado
;Para a universidade, ela deixou um legado duplo. Tanto contribuiu com pesquisas científicas e construção de instituições quanto, ao mesmo tempo, destacou-se como mobilizadora de vocações. Ela despertou a disposição em seus alunos em seguir a vocação. É mesmo uma virtude, um dom;, descreve o reitor José Geraldo. ;Entre os presentes à cerimônia de diplomação da professora emérita havia docentes que foram seus alunos;, destaca.
Para levar o título à professora, a administração da UnB passou por cima das regras. A entrega normalmente é feita em uma cerimônia solene, em que homenageado e representantes da universidade precisam usar roupas próprias para a circunstância. ;Devido ao estado de saúde dela, decidi, com apoio da administração da universidade e dos familiares, realizar a cerimônia assim, desse modo doméstico;, explica o reitor. O Conselho Universitário é quem outorga o título aos professores eméritos. ;Os colegas foram muito bondosos comigo. Acho que tem outros professores que mereciam mais do que eu;, insiste Therezinha, que prefere manter-se no anonimato. Como se fosse possível, diante do tanto que fez pela universidade e por Brasília.
Contribuição
O título de professor emérito é concedido pela Universidade de Brasília (UnB) ao docente, aposentado, que tenha alcançado uma posição eminente em atividades universitárias.
A doença
O mal de Parkinson caracteriza-se pela degeneração das células cerebrais produtoras de dopamina, substância responsável pela transmissão de sinais na cadeia de circuitos nervosos. Sem o neurotransmissor, a pessoa tem dificuldades para coordenar e controlar os movimentos. A doença evolui em cinco fases. No primeiro estágio, os sintomas são tão leves que ninguém os percebe, somente o neurologista. Na segunda fase, o paciente começa a andar com dificuldade, tem tremores mais visíveis e uma clara rigidez muscular. Na última, o doente fica acamado e completamente dependente de outras pessoas.
"Para a universidade, ela deixou um legado duplo. Tanto contribuiu com pesquisas científicas e construção de instituições quanto, ao mesmo tempo, destacou-se como mobilizadora de vocações. É mesmo uma virtude, um dom;
José Geraldo de Sousa Júnior, reitor da UnB
José Geraldo de Sousa Júnior, reitor da UnB